"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Racismo no Brasil



O brasileiro perdeu a tal ponto o orgulho de sua nacionalidade, que, em vez de orgulhar-se de ser brasileiro, prefere identificar-se com uma ou outra raça à qual, na verdade, não pertence. O brasileiro passou a parodiar o americano, e quer considerar-se "negro" ou "branco", como se isto significasse alguma coisa.


Se existe um grupo étnico brasileiro a que se possa chamar de "povo tal", este é o Povo Índio. Não existe no Brasil um "povo negro"; não existe no Brasil um "povo branco". E, a rigor, "brancos" e "negros", se há, são muito poucos, já que somos quase todos mestiços, por mais predominante que seja um tipo racial na composição genética deste ou daquele indivíduo, por muito que alguns de nós tenhamos as feições de determinado tipo étnico.


Demais, nossa formação cultural e identitária, nosso modo de ser e de falar, nossos costumes próprios já englobam, fundidos, elementos culturais de muitas origens, de modo que já temos, ao menos em potencial, uma fisionomia popular própria. Isto torna ainda mais inconsistente o costume estranho que o brasileiro às vezes tem de usar expressões como "nós negros" e "nós brancos".


É verdade que temos comunidades remanescentes dos antigos quilombos, no Mato Grosso e principalmente no Nordeste; é fato que temos comunidades de diversas origens européias e asiáticas, a maior porte em São Paulo e na Região Sul, mas trata-se de focos particulares localizados, que não representam o contexto geral do Brasil.


Por mais evidente que seja a existência de racismo neste país, não se pode, sem incorrer em grave erro, associar nosso caso ao racismo norte-americano, comparação imprópria que muito se tem feito ultimamente. A questão não é se há "menos" ou "mais" racismo lá ou cá; o caso é que somos um povo muito diferente deles; o estilo deles não nos serve; as soluções deles não resolvem os nossos problemas; os problemas deles, ainda que, às vezes, possam ser análogos, não são os mesmos nossos.


Daí se conclui que não adianta projetar nosso contexto, com todas as suas imperfeições e falhas, num outro contexto que não o reflete; uma imagem projeta-se num espelho, não numa outra imagem.


Paralelamente a esta projeção enganosa, ocorre a deformação (ou má interpretação) de nossa própria imagem. Passando nossa análise ao âmbito histórico, tomemos como exemplo o caso da Lei Áurea.


Antes considerada um ato de redenção, a lei que aboliu a escravatura no Brasil é hoje criticada e tida como um ato enganoso e sem eficácia. São duas formas extremas de apreciação. Falta, portanto, o estudo imparcial do fato.É um equívoco atribuir ao "engodo do 13 de Maio" os problemas étnico-sociais que se verificam no Brasil.


A princípio, é bom notar que tais problemas, oriundos, sem dúvida, da época do escravismo, foram prolongados e agravados ao longo dos anos, pela interrupção de uma ação social ainda embrionária, que estava sendo preparada pela monarquia.


Com o passar desses anos e com a instabilidade geral que se estabeleceu ao longo dos mesmos, a mentalidade social do brasileiro estagnou, e até mesmo retrocedeu, a ponto de hoje, considerando-se a proporção das épocas, estarmos atrasados com relação a uma fase na qual, havendo ainda a escravidão, tínhamos descendentes de escravos ocupando cargos políticos, formando-se em universidades e ocupando empregos importantes, como, por exemplo, os irmãos Rebouças, filhos do deputado baiano Antônio Pereira Rebouças.


É necessário lembrarmo-nos de que o "13 de Maio" foi estritamente uma lei. Esta lei sacramentava, oficializava a inexistência da escravidão, em termos jurídicos ou legais. Era necessária esta lei, a partir da qual a manutenção do cativeiro humano passou a ser legalmente um crime, uma violação da legalidade nacional.


O abandono do ex-escravo ao desamparo realmente ocorreu, mas pouca gente sabe - ou reconhece - o que realmente o ocasionou. Atribui-se a uma lei - cuja função é apenas estabelecer uma ordem - o desenvolvimento seqüencial dos fatos, que cabe à governança.


E o que aconteceu, a seguir, com a governança do Brasil? Sofreu um corte, um ano e pouco depois da Lei Áurea; as direções do país passaram a outras mãos, muito pouco interessadas na situação dos ex-escravos, e não muito preocupadas em integrá-los efetivamente à vida livre e ao contexto social da nação.


No Brasil, este problema social atrelado ao aspecto racial arrasta-se até hoje por diversas razões, mas, a princípio, deve-se à república, cujos introdutores não tiveram interesse em apoiar os recém-libertos, e, no decorrer do período republicano, as sucessivas oligarquias dominantes mantiveram no Brasil um elitismo dos mais reacionários, a tal ponto que, em muitos casos, o indivíduo brasileiro de classe média sofre de complexo de inferioridade com relação ao rico.


O status social, entre nós, é tão supervalorizado que suplanta a importância da própria cultura. Pode-se ser ignorante, desde que se tenha nome. A futilidade é apologizada pela mídia; os jovens são estimulados ao pensamento exíguo. A grandeza de espírito, posta de lado, continua dando lugar a valores falsos que as gerações mais novas repetem, apenas alterando a fachada.


Somos, no mundo, um dos povos mais cheios de potencial e, ao mesmo tempo, um dos mais apáticos. Não sabemos analisar nossa História e nossos problemas atuais. Os brasileiros "brancos" dizem que "os negros" são "assim" ou "daquele jeito". Quer repetindo chavões racistas, quer tentando elogiar, essas pessoas estão, na verdade, mantendo o "negro" à parte.


É um modo, inconsciente ou não, de prolongar o embargo de nossa evolução como povo, causado pela interrupção de um processo evolutivo ainda nascente, em fins dos anos oitocentos.

Estacionamos e atrasamos nosso pensamento, fazemos questão de dizer que somos "negros" ou "brancos".


Mas... quem é, realmente, negro ou branco num país mestiço, onde, por sinal, já se apresentam aspectos definidos da completa miscigenação do branco, do negro e do índio, formando um tipo étnico genuinamente nosso, como se pode verificar, por exemplo, na fisionomia de alguns nordestinos? É possível que, mais tarde, a ciência biológica ou antropológica defina uma etnia chamada "brasilóide".


Negar ou ignorar a miscigenação é, para o brasileiro, uma falta de realismo, bem como não aceitá-la é um atraso. Atrasados estamos nós. O brasileiro está atrasado em cem anos. Atrasados os "brancos" que manifestam opiniões sobre "os negros". Atrasados os "negros" que promovem debates em que são exemplificados modelos norte-americanos, incompatíveis com nossa estrutura social, que está, de fato, muito enferma, mas precisa de remédios próprios, e não de paliativos vindos de fora.


É evidente, no entanto, que não podemos ignorar a existência do racismo entre nós. É verdade que ele existe, e não é pouco. Mas o que nossos compatriotas geralmente não sabem é perceber a espécie do racismo brasileiro, e de quaisquer outros problemas sociais, políticos, institucionais etc. existentes no Brasil.


Com o enfraquecimento genérico gerado pela instabilidade republicana, muitos brasileiros descendentes de africanos (os nítidos, pois origens africanas, tanto ou quanto, quase todos nós temos) ficaram na situação à parte a que a escravidão os legava (embora em plena vigência da escravidão esse estado já estivesse sendo gradualmente suprimido).


O problema do racismo existe, mas é causado pela desunião, por um orgulho racial tolo e improcedente (por parte do brasileiro "branco"), pela tendência que, às vezes, o "negro" brasileiro adota de identificar-se com o americano (coisa que, aliás, o brasileiro em geral costuma fazer, imitando e tomando como exemplo e referência para qualquer assunto os costumes, o povo, e o famoso estilo americano).


Intrinsecamente somos um só povo, mas - porque fazemos questão de não entender nosso próprio contexto, pois atemo-nos a slogans e refletimos nosso caso no "espelho" estrangeiro - sofremos de uma enfermidade que ocasiona nossa desunião e auto-ignorância.


Tínhamos um presumível futuro de nação nobre, de povo unido, onde não haveria importância quanto a ser negro, mulato, branco, índio, cafuzo, oriental, etc., onde as culturas poderiam ter gerado e ainda gerariam uma cultura resultante, onde talvez já tivéssemos uma raça resultante. Mas aconteceu uma coisa que embargou tal processo, e não foi o 13 de Maio; foi o 15 de novembro.

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