"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A vida para o Direito

Aborda quais os parâmetros definidores do lapso temporal que compreende o evento vida, tendo este como eixo central de um sistema jurídico positivado baseado na idéia técnico jurídica.



I. INTRÓITO


Definir o que é vida não é tarefa fácil. Dizer quando começa parece banal, mas é uma questão espinhosa. Não foram poucos os filósofos que tentaram, por sua inquietude, equacionar o conceito de vida. Para entender a complexidade da tarefa, podemos citar como exemplo as mais de 18 tentativas de conceituação constantes no dicionário Aurélio, até mesmo porque, a definição varia de acordo com a convicção religiosa, científica, filosóficas, morais ou jurídico.

Em relação ao início e fim da vida, Hamlet – inesquecível personagem de Shakespeare- já questionava:

seremos uma obra de arte, a beleza do mundo, o paradigma dos animais, a quintessência do pó?

II. BOSQUEJO HISTÓRICO

Hipócrates filósofo grego acreditava que a vida começava no momento da concepção, por isso, defendia que, qualquer remédio que colocasse a vida do bebê em risco não poderia ser ministrado na mãe.

Platão, por exemplo, em seu livro República, acreditava que a alma juntava-se ao corpo apenas no momento do nascimento.

Já Aristóteles elaborou a “teoria da animação imediata” onde tenta explicar que a alma se juntará ao corpo, algumas semanas após a concepção, defendendo a tese que o feto tinha sim vida, arriscando que o inicio se daria com os primeiros movimentos do bebê no útero materno.

A teoria de Aristóteles foi difundida por São Tomás de Aquino e Santo Agostinho que acabou sendo recepcionada pelo catolicismo tendo seu ápice no papado de Sixto 5º que condenava a excomunhão á aquelas que praticassem o aborto. Referindo-se aos Concílios antigos, de Lerida e Constantinopla, o Papa Sixto 5º publicou a Bula Effraenatame que condenou qualquer tipo de aborto impondo severas penas a quem o praticasse, e estes só seriam absolvidas pela Santa Sé. Importante destacar que neste documento não se fez qualquer distinção entre feto com potencialidade de vida e o feto sem potencia de vida.

Entretanto, nessas idas e vindas, em relação ao aborto, a igreja católica teve sua opinião mudada pelo menos três vezes, quando em 1869, no papado de Pio 9º a igreja assumiu novamente a posição imposta pelo vaticano de condenação ao aborto, e que perdura até os tempos atuais.

III. AS PRINCIPAIS TEORIAS

1. Vida e Religião

Repise-se, que o catolicismo, considerada uma das grandes religiões do planeta, é entre as pouquíssimas que defendem a tese de que na fecundação é que se dá o início da vida, equiparando qualquer tipo de aborto ao homicídio. Nesse sentido, vejamos qual a posição de cada religião:

CATOLICISMO – A vida começa na concepção, quando o óvulo é fertilizado formando um ser humano pleno e não um ser humano em potencial. Por mais de uma vez o papa Bento 16 reafirmou a posição da igreja n contra o aborto e a manipulação de embriões. Segundo o papa o ato de negar o Don da vida, de suprimir ou de manipular a vida que nasce é contrario ao amor humano

JUDAÍSMO – “A vida começa apenas no 40º dia, quando acreditamos que o feto começa a adquirir forma humana”, diz o rabino Shamai, de São Paulo. “Antes disso, a interrupção da gravidez não é considerada homicídio.” Dessa forma o judaísmo permite a pesquisa com células-tronco e o aborto quando a gravidez envolve risco de vida para a mãe ou resulta de estupro.

ISLANISMO - O início da vida acontece quando a alma é soprada por Alá no feto, cerca de 120 dias após a fecundação. Os Muçulmanos condenam o aborto, mas muitos aceitam a prática principalmente quando há risco para a vida da mãe, e tendem a apoiar o estudo com células-tronco embrionárias

BUDISMO - A vida é um processo contínuo e ininterrupto. Não começa na união de óvulo e espermatozóide, mas está presente em tudo o que existe – nossos pai e avós, as plantas e os animais e até a água. No budismo os seres humanos são apenas uma forma de vida que dependem de várias outras. Entre as correntes budistas, não há consenso entre aborto e pesquisas com embriões.

HINDUÍSMO – Alma e matéria se encontram na fecundação e é aí que começa a vida. E como o embrião possui uma alma, deve ser tratado como humano. Na questão do aborto, os hindus escolhem a ação menos prejudicial a todos os envolvidos: a mãe, o pai, o feto e a sociedade. Assim em geral se opõem a interrupção da gravidez, menos em casos que colocam em risco a vida da mãe.

Bem se percebe, a busca pela resposta tem grande importância na seara jurídica, pois é através desta que se delimitará a atuação do estado em reposta à conduta humana, o qual deverá tipificar este ou aquele ato, e quando o ato é lícito ou ilícito.

2. Vida e Ciência

Inegável que a ciência deu e vem dando a sua parte de contribuição para a construção jurídica em torno do tema, e durante século XVII é que se constatou melhor entendimento a respeito do início da vida, e foi através do microscópio, invenção de Galileu Galilei – que passou a sua vida toda fugindo da igreja por causa dos seus estudos astronômicos- que a igreja fundamentou a tese de que a vida começa com a união do óvulo com o espermatozóide.

Com essa revolução promovida pela física a igreja enfraquece e promove-se neste período o estudo sobre a origem do homem, e, por René Descartes, surge então o proclamas: “Penso, Logo existo”. Que de forma revolucionaria a vida passou a ter uma ligação íntima com o raciocínio e a consciência.

Noutra esteira, em relação ao começo da vida, vejamos o que diz as correntes científicas:

VISÃO GENÉTICA – A vida começa na fertilização, quando o espermatozóide e óvulo se encontram e combinam seus gens para formar um individuo com um conjunto genético único. Assim é criado um novo indivíduo, um ser humano com direitos

VISÃO EMBRIOLÓGICA – A vida começa na 3º semana de gravidez, quando é estabelecida a individualidade humana. Isso porque até 12 dias após a fecundação o embrião ainda é capaz de se dividir e dar origem a duas ou mais pessoas. É essa idéia que justifica o uso da pílula do dia seguinte, e contraceptivos administrados nas duas primeiras semanas de gravidez.

VISÃO NEUROLÓGICA – O mesmo principio da morte vale para a vida. Ou seja, se a vida termina quando cessa a atividade elétrica no cérebro, ela começa quando o feto apresenta atividade cerebral igual á de uma pessoa O problema é que essa data não é consensual. Alguns cientistas dizem haver esses sinais cerebrais já na 1º semana e outros, na 20º semana.

VISÃO ECOLÓGICA – A capacidade de sobreviver fora do útero é que faz do feto um ser independente e determina o início da vida. Médicos consideram que um bebê prematuro só se mantém vivo se tiver pulmões prontos, o que acontece entre a 20º e 24º semana de gravidez. Este foi o critério adotado pela Suprema Corte dos EUA na decisão que autorizou o direito ao aborto.

VISÃO METABÓLICA – Os adeptos dessa corrente, afirmam que a discussão sobre o começo da vida humana é irrelevante, uma vez que não existe um momento único no qual a vida tem início. Para essa corrente espermatozóide e óvulo são tão vivos quanto qualquer pessoa. Além disso, o desenvolvimento de uma criança é um processo contínuo e não deve ter um marco inaugural iguais aos de qualquer outro.

IV. VIDA: REQUISITOS OBRIGATÓRIOS

A ciência com suas novas tecnologias de “manipulação genética” e “proveta” apresenta uma nova realidade indissociável de umas das questões mais profundas da filosofia que é a Gênese da vida, levando a cabo o entendimento pacífico que a fecundação apontada como momento do início da vida não se consubstancia num momento único, ou seja, o encontro do óvulo com o espermatozóide não é instantâneo e conclusivo.

Observa-se que num primeiro momento o espermatozóide após adentrar no óvulo deixa para fora a sua cauda o que somente estará totalmente dentro do óvulo algumas horas depois, ainda assim continuam como duas coisas independentes e distintas o que perdura por um período de 12 a 14 horas. Não obstante, para que haja o encontro dos cromossomos contidos no espermatozóide com os cromossomos contidos no óvulo são necessárias outras 24 horas, segundo afirma o biólogo americano Scott Gilbert no livro Biologia do Desenvolvimento.

Assim, durante o período até 14 ou 15 dias após a fertilização, ainda é possível que o embrião possa dar origem a dois ou mais embriões, e ainda assim, todo esse processo é estabelecido numa das trompas. Para tanto, é necessário que o embrião percorra o longo caminho até o útero buscando fixar-se nele, o que poderá acontecer na 3º semana de gravidez, sob pena de ser abortado espontaneamente e execrado pela menstruação. Por isso, não me parece robusto sustentar que a vida começa com a com a união do espermatozóide e o óvulo.

Um contraponto há que se pontuar. Se por um lado estabelecer o início da vida é adentrar um árido debate filosófico e moral, por outro lado não nos parece questionável o fim da vida, até porque, a Lei 9.434/1997 conhecida como Lei de Transplantes estabelece taxativamente o momento que a vida se encerra.

Países como Estados Unidos da America e evidentemente o Brasil, definem o fim da vida como ausência de ondas cerebrais. É a partir desse momento então, que se autoriza a retirada de órgãos para transplante. Nessa definição legal de morte cerebral por analogia, a vida há de ter reconhecido seu marco inicial com o aparecimento dos primeiros impulsos elétricos advindos da atividade cerebral, o que se dá na 8º semana de gravidez, donde o feto, já possui, mesmo que de forma primitiva, o sistema neural e o complexo sistema de órgãos do corpo humano.

Assim, após as primeiras conexões do sistema nervoso se estabelecer no córtex cerebral é que se considera que o feto é um ser humano, e para tal, dotado de “humanidade”.

Posto isso, fazendo referencia a Joseph Fletcher, teólogo cristão, pioneiro no campo da bioética no EUA, dispara João Batistiolle, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo:

Fletcher acreditava que para se falar em ser humano, é preciso se falar em critério de humanidade, como autoconsciência, comunicação, expressão da subjetividade e racionalidade.

Nossa Carta Magna, no seu artigo 5º define a inviolabilidade da vida humana, observa-se que se trata da vida humana e não de qualquer vida, assim, a definição de vida vai além das funções biológicas, incluindo a consciência, capacidade para raciocinar, escolher, decidir, ou seja, tudo aquilo que é inerente a pessoa humana para tornar-lhes vivo e único no universo, por outro lado, à aquilo que não tem consciência nem raciocina não poderia ser dotado de vida humana.

Por obvio, o embrião tem alguma vida, caso contrario não evoluiria, mas este em nenhum momento foi protegido pela constituição, pois quando a nossa carta magna fala de vida humana não atinge os embriões.

Outro aspecto ético que é fundamental, é o da relação entre os seres, entre um “eu” e um “tu”, e dentro dessa perspectiva é difícil visualizar o embrião como um “tu”, até porque, o embrião é apenas uma possibilidade de vida, com grandes possibilidades de não se tornar uma gravidez, assim como o homem vivo é um morto em potencial, mas ainda sem estar morto, o embrião é uma vida em potencial sem ainda ser considerado vida humana.

V. CONCLUSÃO

Por fim, como os avanços científicos criaram a morte encefálica, definida como o momento em que o cérebro para de funcionar, por dedução lógica, incontestável o entendimento de que a vida começa quando o cérebro forma as primeiras terminações nervosas promovendo os primeiros impulsos elétricos. Assim, bem delineada está o início da vida para o direito.

Repise-se, que o direito deverá estar sempre galgado em bases técnico-jurídicas e nunca em considerações morais ou religiosas. Deverá ser totalmente independente dos quesitos impostos pela ética religiosa dogmática, até mesmo porque os critérios deverão estar fundamentados na ciência e na ética secular da razão.

Em sede conclusiva, não há que olvidar que ao direito não cabe conceituar e estabelecer bases para os sentimentos. Indelegável é a sua obrigação de construir parâmetros conceituais para o evento vida e morte, logicamente bebendo nas fontes das ciências biomédicas.

O direito não declinou, adaptou-se aos novos parâmetros clínicos, rompendo todos os paradigmas e se adequando ao conceito de morte cerebral, estabelecendo novas bases e diretrizes que acabou por emergir as leis 9.434/97 (Lei de transplante) e 11.105/05 (lei de Biosegurança).


Antonio Vasconcelos Sampaio   vasconceloss1@hotmail.com

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