"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Federalismo e a Política Educacional
O processo de redesratização do País trouxe à tona uma reformulação do sistema federativo e uma redefinição de tarefas no que se refere às políticas sociais.
Embora, no período autoritário, o Brasil nunca tenha deixado de se autodefinir como federação, um processo de centralização, não desconhecido nas etapas anteriores da história político-administrativa brasileira, havia feito com que as políticas fossem definidas e implantadas pelo governo central ou por entidades por ele escolhidas.
Com a Constituição de 1988, há não somente um processo forte de descentralização, como uma ênfase na superação das desigualdades de renda e oportunidades no País, fazendo com que políticas sociais ganhem relevo e sejam atribuídas, dentro de uma lógica de subsidiariedade, aos governos subnacionais. Assim, são de responsabilidade dos estados e municípios a assistência social, a promoção da saúde e a atenção primária, e a educação básica, entre outros serviços decorrentes de políticas sociais.
Mas a União continua presente. Formula políticas nacionais, avalia e até mesmo implanta políticas claramente atribuídas a estados ou municípios. Exemplos disso são hospitais federais, escolas de ensino fundamental e médio, como o Colégio Dom Pedro II ou instituições de educação especial, como o Instituto Nacional de Surdos. Esses casos, no entanto, têm uma explicação histórica ou de dificuldades nas relações federativas e não são a tônica da política social brasileira.
Outros são mais complexos, como os casos de políticas de transferência de renda ou de criação de programas prontos em que a União implanta, por exemplo, centros de cultura diretamente em assentamentos rurais ou espaços localizados em cidades que não participam da decisão, ou se o fazem, o repasse dos itens do projeto não passa por qualquer mecanismo de coordenação dos estados.
Há razões para isso? Certamente que há. Existe na Constituição o estabelecimento claro de um papel para a União de coordenação de políticas nacionais, o que envolve assessoria técnica, formulação de programas articulando diferentes níveis e ações que complementam aquilo que estados e municípios não têm condições técnicas ou financeiras de fazer.
Por vezes, há áreas fronteiriças em que não fica bem claro de quem é a responsabilidade, ou em outros casos, conflitos interburocráticos ou mesmo político-eleitorais fazem com que a União assuma funções que são claramente de governos subnacionais.
Tal discussão está bastante acesa na educação. O problema da qualidade na educação oferecida por diferentes níveis de governo soma-se à falta de coordenação entre redes de ensino. Apesar de definições constitucionais que limitam o papel de cada esfera, escolas públicas aparecem como integrantes de redes estaduais, municipais ou mesmo federais, nem sempre com clara distinção de tarefas.
Mas ainda é o problema da qualidade que mais mobiliza os especialistas. Testes internacionais de que o Brasil participa, como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), organizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), colocam o Brasil entre os últimos classificados em Leitura e Interpretação de Textos, Matemática e Ciências, numa amostra de 57 países.
Interesse por qualidade
Na verdade, a qualidade da educação básica no Brasil vem sendo motivo de discussões e intensos debates desde o final dos anos 1990, quando ocorreu a universalização do acesso das crianças de 7 a 14 anos ao ensino fundamental. Em outros termos, o tema emergiu com força quando a parcela excluída da escola finalmente se fez presente nas salas de aula.
A entrada na escola das crianças que vêm de famílias não-letradas representou um forte desafio à política educacional. Sabia-se ensinar crianças que vinham pré-alfabetizadas e cujos pais acompanhavam de perto as cadernetas que registravam faltas, atrasos e notas. Eram alunos cujos pais liam jornais, tinham livros em casa e opções de lazer que acabavam representando o que Bertrand Russell chamava de “educação para o ócio”, ou seja, a oferta de oportunidades de acesso a bons romances, peças de teatro, filmes, em suma a uma vida cultural que podia variar em intensidade, dependendo da renda da família, mas que existia.
Em 1930, apenas 21,5% das crianças em idade escolar estavam matriculadas no Brasil, em relação a 62% na Argentina e 73% no Chile. Esse percentual aumentou muito lentamente ao longo do século XX, o que explica boa parte da nossa crise de qualidade atual. A escola não se preparou para educar pobres ou crianças que vêm de famílias que valorizam menos a educação ou que não sabem como reforçar o que é ensinado nos bancos escolares.
Outro elemento importante para explicar o presente interesse por qualidade é a introdução de uma cultura de avaliação da educação oferecida no Brasil. A partir de 1990, foi aplicado o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) em amostras de estudantes do ensino fundamental, com uma importante modernização em 1995, para garantir comparabilidade, cobertura nacional e incorporação do ensino médio. A partir de 1997, surge o ENEM, exame de saída facultativo aos que já concluíram e aos concluintes do ensino médio.
Posteriormente, em 2005, foi implantada a Prova Brasil, que universalizava a aplicação da prova para a 4a e 8a séries, de forma a permitir o acompanhamento da evolução da aprendizagem de escola a escola. Todas essas avaliações são coordenadas pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e são complementadas por testagens feitas por governos estaduais e federais.
Com os resultados obtidos, infelizmente muito ruins, políticas públicas foram redesenhadas e investimentos puderam ser dirigidos às escolas que mais precisavam. Mas a própria implantação destes novos projetos trouxe uma grande discussão na sociedade: como fazer com que este fracasso, hoje conhecido, seja revertido e a aprendizagem aconteça.
Há um consenso, hoje, de que é importante capacitar o professor, principal agente educacional. No entanto, as concordâncias diminuem no que se refere à maneira como se educam os educadores. Repensar as Faculdades de Educação, abrir a profissão para outros profissionais, adotar materiais estruturados e centrar a capacitação na sua utilização: as alternativas são as mais diversas e nem sempre excludentes.
A opção por um recrutamento mais competente também aparece como uma proposta para melhorar o quadro atual que vem apoiada em dados de pesquisa, como a da McKinsey, que mostrou serem as melhores redes as que contam com professores que integraram os 20% melhores alunos do ensino médio. Para tanto, o salário inicial do professor e a valorização da profissão tornam-se essenciais.
É sobre este quadro de dificuldades e caminhos para sua superação, no contexto de reduzida clareza de atribuições em diferentes esferas da federação, que trata este artigo. São desafios importantes para o País, mas as saídas devem ser construídas, se quisermos promover a inserção competitiva do Brasil no cenário internacional dentro de princípios de equidade e justiça social.
A crise de qualidade da educação.
Em 1990, o SAEB foi adotado como primeira iniciativa brasileira voltada para a avaliação da qualidade do sistema educacional brasileiro. O segundo ciclo de aplicação ocorreu em 1993, mas foi somente a partir de 1995 que o SAEB adquiriu um papel estratégico, tornando-se a base de um conjunto de políticas destinadas à melhoria da qualidade do ensino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, passou a exigir que o Ministério da Educação assegurasse um processo nacional de avaliação do rendimento escolar, em colaboração com os sistemas de ensino, “objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino”. A cada dois anos a avaliação é aplicada.
A Prova Brasil foi criada em 2005 para permitir uma análise do desempenho dos alunos que possa ajudar as escolas e os gestores de sistemas de educação de forma mais precisa, com vistas a aprimorar a educação oferecida no ensino fundamental. Ela complementa o SAEB. A Prova Brasil é censitária e oferece dados não apenas para o Brasil e unidades da federação, mas também para cada município e escola participante. A Prova Brasil avalia todos os estudantes da rede pública urbana de ensino, de 4a e 8a séries do ensino fundamental (atuais 5o e 9o anos) .
As duas avaliações passaram a ser operacionalizadas em conjunto, desde 2007. Os resultados do SAEB e da Prova Brasil têm evidenciado grande consistência com um diagnóstico de problemas sérios de qualidade no desempenho dos estudantes, tanto em Português quanto em Matemática.
Estes instrumentos de avaliação têm permitido ao País um diagnóstico mais claro da crise da qualidade da educação com identificação mais clara de desafios a serem enfrentados. São desafios que dizem respeito a três grandes ordens de problemas:
faltam competências básicas de leitura e interpretação de textos;
faltam raciocínio matemático e compreensão de algoritmos e ferramentas necessárias à solução de problemas práticos;
falta repertório cultural para fazer analogias e para compreensão do mundo físico que facilite o avanço nos estudos, sem retenção numa série específica ou abandono da escola na fase seguinte.
Vamos explorar cada um deles em separado.
Competências de leitura e interpretação de textos
A grupo aqui tanto as questões relativas à capacidade de relacionar informações presentes em um texto, associando-as a um repertório dado, quanto as que se referem ao domínio do letramento propriamente dito, ou seja, a capacidade de identificar os sons de símbolos gráficos e, com eles, identificar palavras e frases.
A ausência desta competência permite diagnosticar dois tipos distintos e complementares de problemas derivados da qualidade do ensino oferecido: o analfabetismo funcional e a precariedade na interpretação de textos, ou seja, a capacidade de se apropriar do código escrito, sem que se consiga, no entanto, compreendê-lo no contexto.
Há diferentes conceitos para classificar o analfabeto funcional. A mais usual é traduzida na incapacidade de entender um texto ao ler fonemas e reuni-los em palavras.
Da mesma forma, o analfabeto funcional não é capaz de colocar suas ideias no papel de modo que outra pessoa possa entendê-las. Em ambiente escolar, associa-se isso a uma alfabetização não-concluída, a despeito de o aluno ter avançado para séries que já supõem o domínio das letras. Para a Unesco, é o indivíduo com menos de quatro anos de estudo completos. Nesse caso, teríamos, no Brasil, 25% da população com mais de quinze anos como analfabetos funcionais.
O Instituto Paulo Montenegro, o braço social do Ibope, criou em 2001 o Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) para medir os níveis de analfabetismo funcional na população entre 15 e 64 anos. Para tanto, aplica de dois em dois anos testes e questionários em cerca de duas mil pessoas em todas as regiões do País.
O INAF permite dividir a população em quatro níveis, de acordo com suas habilidades em Letramento e Matemática: analfabetismo, alfabetismo rudimentar, alfabetismo básico e alfabetismo pleno. Segundo o INAF de 2007, 7% dos brasileiros são analfabetos e 21% têm habilidades rudimentares, ou seja, são capazes de localizar uma informação explícita em textos curtos, mas não conseguem compreender textos, tirar conclusões ou ler números na casa dos milhões.
Pouco menos de dois terços dos adultos pesquisados são incapazes de ler um livro, ou seja, têm no máximo o nível básico de alfabetização.
A universalização do acesso ao ensino fundamental e o aumento nos anos básicos de escolaridade levaram a uma melhoria na alfabetização dos brasileiros. O Instituto Paulo Montenegro constata que os níveis básico e pleno têm crescido solidamente, de 2000 a 2007, de 34% para 40% e de 26% para 28%. Mesmo assim, a escola continua produzindo analfabetos funcionais, ao não concluir a alfabetização de seus alunos na idade e série corretas.
Quanto às competências de leitura e interpretação de textos, a Prova Brasil tem mostrado algumas dificuldades. Embora tenha havido alguma melhora, em 22 das 27 capitais brasileiras, os alunos de escolas públicas não atingiram as metas de aprendizagem de Língua Portuguesa estabelecidas pelo MEC e pela organização não-governamental “Todos pela Educação” na 4a série do ensino fundamental.
Além de não atingir a meta estabelecida para 2007, que levava em conta o desempenho dos alunos em 2005, o Rio de Janeiro ainda piorou nesse período. Em 2005, 33,05% dos alunos demonstraram nível de conhecimento de português adequado à série. Em 2007, o percentual caiu para 29,07%.
A meta era 35,46%. As únicas capitais que atingiram as metas foram: Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Recife (PE), Florianópolis (SC) e Boa Vista (RR). Campo Grande teve o melhor desempenho em Português na oitava série: 25,80% dos alunos alcançaram as notas esperadas. No Rio, foram 20,82%. Apenas Belém, com 12,01%, não atingiu a meta nessa série.
A insuficiência de desempenho em leitura reflete-se também em resultados do PISA e do SAEB nível médio. No PISA, teste internacional que, como vimos, mede a qualidade da educação oferecida a jovens de quinze anos, a pontuação dos alunos brasileiros, em 2006, ficou em 393, sendo a nota máxima registrada no conjunto dos participantes 707,9.
Na verdade, tivemos uma piora em relação às notas que obtivemos em 2003 e 2006. Esse desempenho faz com que o País não consiga passar do nível 1 de aprendizagem – numa escala que varia de 1 a 6, sendo 1 o pior. Isso quer dizer que os alunos conseguem apenas localizar informações explícitas e não são capazes de fazer comparações, estabelecer conexões ou interpretar textos. No ranking dos países que participam do PISA (57 na última edição), estamos em 49o lugar, superando os estudantes da Argentina e da Colômbia.
O ENEM permite poucas conclusões sobre a capacidade de leitura e interpretação, pois se trata de um exame voluntário em que podem participar tanto os concluintes do ensino médio quanto os egressos, embora haja um número cada vez maior de participantes. Provavelmente, com a recente decisão de utilizá-lo para fins de ingresso nas universidades federais e algumas estaduais, haja uma representatividade maior que permita análises mais sólidas.
O SAEB de 2007 mostrou, para o 3o ano do ensino médio, avanços em Língua Portuguesa maiores do que em Matemática. As notas tiveram um aumento de 3,8 pontos, passando de 257,60, em 2005, para 261,39, em 2007, um patamar ainda baixo.
É importante notar que o fraco desempenho dos alunos brasileiros em leitura e interpretação de textos tem uma forte correlação com o fato de que somos um país que lê pouco. Temos poucas livrarias, bibliotecas públicas e poucos pais são vistos lendo para os filhos pequenos em seu tempo de lazer.
Há, contudo, uma boa notícia em Retratos da Leitura de 2008 . O Brasil, que contava, em 2008, com apenas 1,8 livro/ano por cidadão de mais de quinze anos, com mais de três anos de escolaridade, hoje conta com 3,7 livros.
Raciocínio matemático
A educação brasileira demonstra uma grande deficiência em Matemática. No recente relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial (2010), o Brasil apareceu em 13o lugar no quesito treinamento em Matemática e Ciências. Além disso, todas as avaliações aplicadas após 1998 têm demonstrado níveis críticos e muito críticos em Matemática.
No PISA, em 2006, houve melhora no desempenho de nossos jovens de quinze anos, mas é prudente retardar as comemorações. Embora tenhamos melhorado em 14 pontos nossa nota em relação ao PISA de 2003, a pontuação resultante ainda é pequena (370 pontos) e nos coloca em posição desfavorável entre os países participantes. Mesmo assim, esses pontos de diferença merecem destaque. Afinal, só México, Indonésia e Grécia avançaram mais. Quem elevou a nota do País foram os estudantes que estavam nos piores níveis de aprendizagem e que melhoraram desde 2003.
O PISA mede o letramento em Matemática, concebido como a capacidade dos estudantes de analisar, refletir e comunicar-se efetivamente ao resolver problemas matemáticos em diversas situações que envolvem conceitos quantitativos, espaciais, probabilísticos e outros conceitos matemáticos.
Para desempenhar as tarefas mais difíceis de Matemática os estudantes precisavam reunir elementos complexos de uma questão, refletir sobre eles, usar criatividade para resolver problemas pouco comuns e utilizar algum tipo de argumentação, geralmente alguma forma de explicação. Somente 13% dos estudantes brasileiros atingiram os níveis mais altos de proficiência em Matemática.
Este mesmo avanço ocorreu também no SAEB, em todos os níveis. No SAEB de 2007, a pontuação dos alunos de 4a e 8a séries do ensino fundamental, assim como a do 3o ano do ensino médio, melhorou.
Os alunos da 4a série do ensino fundamental de todas as regiões brasileiras tiveram um desempenho melhor em Matemática. A região que registrou as notas mais altas foi o Sul, com 203,46 pontos, mas a que mais melhorou foi o Nordeste, que aumentou 16,7 pontos e passou de 162,46, em 2005, para 179,19, em 2007.
Os resultados dos alunos da 8a série do ensino fundamental em Matemática também foram positivos em todas as regiões. O Sul tem as melhores notas nessa série também, mas a região que mais evoluiu foi o Centro-Oeste, com um aumento de 9,8 pontos, e notas que foram de 239,72, em 2005, para 249,55, em 2007. O Amazonas conseguiu o maior salto da 8a série: 17,3 pontos. O estado tinha nota 218,62, em 2005, e alcançou 235,92, em 2007. Além dele, Tocantins, Rio Grande do Norte, Paraná, Piauí e Mato Grosso apresentaram avanços importantes.
Diferente da 4a série, etapa em que todos os estados evoluíram em Matemática, na 8a série houve dois estados que pioraram seus resultados em comparação com 2005: Sergipe, que perdeu 2,7 pontos, indo de 240,67 para 237,99, e Rio Grande do Sul, que caiu 2,8 pontos, de 258,06 para 255,27.
No 3o ano do ensino médio, os resultados de Matemática avançaram menos e doze estados apresentaram notas menores em 2007, na comparação com 2005. Ao olhar o desempenho das regiões, Sudeste, Norte e Centro-Oeste apresentaram aumento nas notas do 3o ano, enquanto o Nordeste permaneceu estável e o Sul apresentou queda de 0,6.
Estes avanços permitem certo otimismo e a constatação de que estamos no caminho correto. Depois da divulgação dos resultados do SAEB 2005, em que se verificou, por exemplo, que 65% dos alunos de 8a série não sabiam utilizar porcentagens, passamos a favorecer mais o raciocínio matemático e a relacionar números e cálculo com problemas da realidade e deixar um pouco de lado a utilização de esquemas de mera memorização mecânica de algoritmos.
Mesmo assim, algumas causas de mau desempenho em Matemática persistem. As escolas de formação de professores abandonaram a disciplina de Didática de Matemática e partem do pressuposto de que o estudante de Educação ou Pedagogia (ou mesmo de Licenciatura, com formação específica) conhece bem Matemática, o que nem sempre é verdade. É importante observar que os professores de 1a a 4a séries recebem formação em escolas que, segundo Bernadete Gatti (2008), dão ênfase grande a Fundamentos da Educação e reduzida à Prática de Ensino (o que e como ensinar).
Além disso, o livro didático no Brasil é usado como roteiro de aula, como bem mostra o interessante estudo de Martin Carnoy (2009) . O professor não se sente autônomo ou preparado para desenvolver o curso além do livro.
Repertório cultural: compreensão do mundo e da natureza
O fato de que ainda lemos pouco tem trazido prejuízo à capacidade de relacionar informações e entender o mundo. O professor, de acordo com pesquisa de 2002 (Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação – CNTE), não tem o hábito da leitura. Apenas 38% dos professores do ensino básico leem com regularidade.
Não há uma prova específica para verificar o repertório cultural dos alunos ou a capacidade de trabalhar com informações de história, geografia, ciências e artes.
O vestibular, de certa maneira, trabalhava com este conhecimento, mas de forma inadequada, centrada em fixação de nomes e datas. Mais recentemente, ele vinha demandando relacionamento de informações e reflexão crítica, necessariamente interdisciplinar. Em 2009, tivemos, pela primeira vez, a utilização em larga escala do ENEM para entrada nas universidades. Pela primeira vez, esse exame incluiu perguntas que se relacionam com o repertório do aluno, sua capacidade de “ler” o mundo e de mostrar uma compreensão da evolução histórica e da espacialização dos fatos e tendências.
A falta de currículos claros tem tornado mais grave esta deficiência. Aqui também o uso do livro didático como roteiro de aula tem sido fator de empobrecimento do ensino e, portanto, do desenvolvimento de competências de reflexão, redação e de interpretação de textos por parte dos alunos. A ignorância da história do País e do mundo dificulta a compreensão da vida contemporânea e mesmo a leitura de jornais.
Com relação às ciências e às leis que regem a natureza, temos alguns problemas relevantes:
formação precária do professor das séries iniciais para desenvolver no aluno o espírito investigativo e um acesso preliminar às leis da natureza;
falta de professores de Física, Química e Biologia para atuar nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio, dada a pouca atratividade da profissão de professor;
uso do livro didático como roteiro de aula;
utilização de exercícios repetitivos para fixar fórmulas dissociadas da compreensão do fenômeno que se quer explorar;
abordagem enciclopédica no ensino, tentando cobrir uma gama extensa de informações sem conexão entre elas.
A influência do repertório do professor sobre os alunos é grande em escolas públicas, dada a origem social dos últimos. Assim, é interessante observar os resultados de pesquisas recentes sobre hábitos de leitura dos mestres. Pereira, Franze e Pereira (2007) , ao pesquisarem o tema, mostram que os professores do Paraná “costumam ler especialmente revistas e jornais (60%)”.
Constatam que o número de professores assinantes de revistas e jornais atingiu 52% dos pesquisados, contrariando alguns comentários de que falta recurso ao professor da rede pública para assinaturas de revistas e jornais. E observam que “29% dos professores pesquisados utilizam para preparar suas aulas principalmente livros didáticos”.
Miriam Abramovay , ao pesquisar atividades de cultura e lazer de professores do Distrito Federal, mostra que eles tendem a não ir a teatro, museus ou cinema. Perguntados sobre a frequência a atividades culturais, afirmam que nunca ou pouco comparecem ao teatro (89,1%), a museus (82,2%) e ao cinema (78,6%).
Em Ciências, o que chama a atenção é o número de professores sem formação para ministrar aulas no chamado segundo segmento do ensino fundamental. Setenta por cento dos professores de Ciências das escolas no Brasil, para turmas de 5a a 8a série do ensino fundamental, não têm formação específica para lecionar a disciplina. A maioria fez faculdade em outra área e alguns sequer têm diploma universitário.
O problema se agrava entre os professores de Física: 90% e 86% deles, respectivamente, não concluíram o curso apropriado. A pesquisa foi feita com base em dados de 2003. Aqui, novamente, o problema do repertório do professor, que acaba atendo-se ao livro didático para preparar suas aulas, se mostra uma barreira à aprendizagem do aluno.
As causas dos descompasso.
Vimos acima como a entrada de crianças anteriormente excluídas das escolas impactou a qualidade da educação oferecida nas escolas fundamentais e de ensino médio. Mas há outras causas para os problemas de aprendizagem apontados no item anterior.
A aprendizagem das crianças e jovens é prejudicada, no Brasil, por alguns fatores que precisam ser enfrentados:
formação inicial inadequada dos professores;
compreensão equivocada da autonomia da unidade escolar;
falta de coordenação entre redes e visão compartimentada da política educacional;
corporativismo e clientelismo na gestão escolar;
currículos inexistentes ou genéricos em demasia.
A formação inicial do professor mereceu, recentemente, um importante estudo organizado por Bernadete Gatti e Marina Muniz Rossa Nunes (2009) da Fundação Carlos Chagas .
As próprias organizadoras esclarecem o vínculo entre a formação inicial do professor e o resultado dos alunos nas provas aplicadas para detectar a aprendizagem de crianças e jovens, ao afirmar que “a pesquisa foi desenvolvida no contexto dos resultados preocupantes advindos do desempenho obtido pelos estudantes do ensino fundamental e médio nas avaliações nacionais e internacionais sobre a qualidade do ensino básico no Brasil […]. A formação de professores é apontada como um dos principais fatores intervenientes nesses resultados”.
Ao analisar currículos dos cursos de Pedagogia e licenciaturas de Língua Portuguesa, Matemática e Ciências Biológicas, as organizadoras concluíram, entre outros pontos, que os cursos deixam a desejar em função de:
caráter fragmentário do currículo das escolas de Pedagogia, com um número grande de disciplinas que não se integram;
grande variedade de disciplinas em cada curso e entre faculdades, sem uma proposta ou abordagem comum (nas 71 instituições pesquisadas, encontraram 3 107 diferentes disciplinas obrigatórias);
pouca ênfase em profissionalização do professor e na prática de sala de aula;
prioridade de matérias mais teóricas, de fundamentos e de contextualização;
abordagem limitada e superficial dos conteúdos a serem ensinados pelos futuros professores.
Ao sintetizar seus achados, as organizadoras da pesquisa comentam que “a escola, enquanto instituição social e de ensino, é elemento quase ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar”. Em outros termos, o futuro professor é preparado talvez para ser um pesquisador de educação, mas não para uma prática profissional específica.
Com isso, os professores se sentem perdidos e não sabem o que e como ensinar. Sem uma formação adequada e, conforme veremos adiante, sem um currículo claro que norteie sua ação, o educador acaba tendo como única saída para a preparação de aulas o livro didático. A falta de conhecimentos na disciplina que o livro aborda e de um repertório que o enriqueça torna a sua prática limitada e pouco efetiva.
Uma segunda causa de problemas é a compreensão equivocada da autonomia da unidade escolar. A proposta de autonomia da escola é tema relativamente recente na nossa legislação. Aparece relacionada com a ideia de pluralismo de abordagens pedagógicas e com a necessidade de incorporar culturas distintas presentes na localidade onde se situa a escola no ensino-aprendizagem.
Esta autonomia deveria, no entanto, estar subordinada à política educacional. A escola não é uma ilha atuando isoladamente. A necessária articulação de saberes comunitários com os da escola, a agilidade que uma maior descentralização acarreta para ela (o que leva alguns países a propor autonomia, inclusive para contratar professores, fixar-lhes a remuneração e demiti-los, se necessário) e o estabelecimento de uma identidade da escola são elementos extremamente importantes. Mas a política educacional não pode ser fragmentada e o direito à educação de qualidade não é para os alunos cujas escolas autonomamente optarem por esta ou aquela concepção de qualidade educacional.
A autonomia deve estar condicionada a um currículo claro, à fixação de metas relacionadas com a aprendizagem dos alunos e a princípios e normas compartilhados.
Grandes avanços alcançados pelo Brasil tiveram como base maior ênfase em melhoria da aprendizagem, medida por avaliações regulares e padronizadas e um Plano de Desenvolvimento da Educação em que se procura enfatizar a autonomia da escola para buscar metodologias e práticas e, ao mesmo tempo, se estabelecem metas de melhoria para cada uma delas e para redes de ensino. Também neste sentido caminha o movimento da sociedade civil “Todos pela Educação” que estabelece, como olhar cidadão, metas para a melhoria da educação no País.
A falta de coordenação entre redes de ensino é uma terceira razão para os problemas. O Brasil é uma federação e, assim, cada nível, apesar de definições constitucionais que limitam o papel de cada esfera, acaba tendo escolas públicas e nem sempre com clara distinção de tarefas. Assim, é comum governos estaduais terem escolas de primeiro segmento do ensino fundamental (muitas vezes competindo por alunos com municípios) e governos municipais contarem com ensino médio. O governo federal tem, além de universidades, escolas técnicas de ensino médio e até de ensino fundamental.
A ausência de mecanismos mais claros de articulação entre estas redes vem sendo compensada pela definição de expectativas de aprendizagem pelo MEC, ao menos quanto a Língua Portuguesa e Matemática, na forma de descritores da Prova Brasil e de avaliações como o ENEM. Ao se ter conhecimento sobre o que será avaliado, estabelecem-se por dedução competências e conteúdos que devem ser ensinados.
Na verdade, o mesmo se passava com o vestibular. Esse exame, especialmente o aplicado para ingresso nas melhores universidades federais e estaduais do País, acabou-se tornando uma referência de currículo para o ensino médio nas escolas públicas e privadas.
Suas características, por muito tempo, de cobrança de um conhecimento enciclopédico, ou seja, com questões superficiais relacionadas a um número exagerado de materiais, levou o ensino médio a privilegiar memorização, exercícios repetitivos e a repassar conteúdos teóricos desconectados da prática e da possibilidade de articulação de aprendizados.
A utilização do ENEM, um exame nacional mais centrado em competências de leitura, interpretação e produção de textos, raciocínio matemático, repertório cultural e conhecimentos de ciências naturais, como estratégia de seleção para universidades federais, certamente deve modificar este cenário.
Outro problema frequente na articulação entre redes é a ausência de determinado segmento de ensino numa cidade ou região. Assim, a criança inicia na rede municipal seus estudos e, por vezes, a rede estadual não tem, perto da cidade onde se encontra a família, uma escola que dê sequência. Outras vezes, a oferta de segundo segmento ou ensino médio ocorre apenas à noite, o que, dependendo da idade da criança ou do jovem, pode colocar problemas de segurança ou de imaturidade para deslocamentos nesse horário.
Uma quarta razão para as dificuldades de qualidade apontadas na aprendizagem das crianças é, na verdade, uma conjugação de dois problemas aparentemente opostos, que trazem grandes dificuldades na gestão escolar: o clientelismo e o corporativismo. Algumas vezes, ocorrem separados; outras, surgem na mesma rede de escolas.
O clientelismo, importante componente do patrimonialismo, é um processo pelo qual se trocam votos ou lealdade política por favores, empregos e facilidades. Na educação, ele aparece quando políticos podem nomear diretores de escola ou fazerem nomeações para outros cargos na hierarquia de órgãos educacionais. Estes funcionários são, por sua vez, acionados posteriormente para permitir ao padrinho prioridade em vagas, uso de máquina para campanhas e até, em casos extremos, desvio de recursos públicos para financiar campanhas.
Para fazer frente a este risco, leis foram aprovadas, como no estado de São Paulo, que criou, na década de 1980, uma carreira de diretor de escola, em que o profissional escolhe onde ensinar, para evitar desmandos clientelistas. Outros buscaram atrelar nomeações à exigência de que qualquer nomeação para determinados cargos de confiança seja reservada a funcionários de carreira. Isso parece ótimo, mas não é. Na fantasia de resolver problemas de cultura política com normas, engessa-se a gestão e fortalece-se o corporativismo.
O corporativismo envolve uma confusão entre os interesses de um grupo profissional e o interesse público. Na área da saúde, significaria entender que a política de saúde existe para atender aos médicos. Em educação, muitas vezes se confunde política educacional com demandas expressas por sindicatos de professores ou funcionários da área.
O importante é não confundir corporativismo com espírito de corpo, este, sim, refletindo o grau de coesão ou de camaradagem de uma equipe. Ele é decisivo, de acordo com as pesquisas, para assegurar o sucesso escolar. Um time coeso de professores tende a aumentar as chances de melhoria da aprendizagem dos alunos. A pesquisa da Unicef com o INEP sobre as surpresas da Prova Brasil mostra isso com clareza. Apesar das dificuldades enfrentadas, as 33 escolas que, apesar de estarem em áreas de baixa renda, tiveram bom desempenho, apostaram na força das relações humanas em torno de um projeto pedagógico. Todos os envolvidos no ensino participam e decidem juntos os rumos da gestão escolar e do que será feito em sala de aula.
Luiz Carlos Bresser Pereira, em artigo publicado em O Estado de S. Paulo, em 13 de outubro de 1995 (“Os Inimigos da Reforma”), dizia que “patrimonialismo e corporativismo são almas gêmeas. O patrimonialismo confunde o patrimônio público com o privado. O corporativismo afirma interesses particulares em nome do interesse geral”.
Na educação, ambos podem conviver. A indicação política de diretores ou coordenadores regionais, a que me referi acima, pode conviver com demandas que desconsideram o interesse público, como menos horas de trabalho, resultando em piora da qualidade do ensino ofertado. A presença do clientelismo ou patrimonialismo, de certa maneira, legitima pressões corporativas, pois o contraponto a elas são desmandos administrativos ou o fisiologismo. Na verdade, ambas são formas de privatização do espaço público.
Uma quinta e última ordem de problemas causadores da má qualidade da educação no Brasil é a ausência de currículos ou seu caráter excessivamente genérico. Uma concepção centrada exclusivamente na prática pedagógica direta significou, por certo tempo, uma negação da política educacional como forma estruturada de atuação do poder público no campo da educação, tornando a existência de currículo quase uma heresia.
Partindo da premissa correta de que o centro da aprendizagem é o aprendiz, chegou-se a defini-lo individualmente, ou na sua relação com o seu professor, como o espaço demandador do que lhe deve ser ensinado. Seria como se em saúde, ao se saber que cada paciente é único, não precisassem existir protocolos para tratamento das principais doenças.
Esta fase foi superada, inicialmente, com a proposição, em 1996, dos parâmetros curriculares nacionais – PCNs, previstos no Plano Decenal da Educação 1993–2003. Referenciais de qualidade do ensino, para definir que competências devem ser desenvolvidas a cada série, nas diferentes disciplinas, os PCNs mostraram-se bastante genéricos, sem explicitar claramente o que e como ensinar.
A proposição destes parâmetros ensejou, mesmo assim, críticas fortes de setores da universidade, como as de Azenha (1996) e Cunha (1996) , que consideraram que envolviam centralização e consequente diminuição da autonomia das escolas e do pretendido direito de autoria do professor.
Sem se deixarem abater por isso, estados e municípios começaram, com base nestes parâmetros, a detalhar o currículo a ser implantado em suas escolas. O município do Rio de Janeiro já havia definido, em 1996, o seu currículo, o Multieducação; o estado de São Paulo fez o mesmo em 2008, num processo de discussão com toda a rede; Belo Horizonte, em 2002.
Minas Gerais definiu, em 2005, um currículo com os conteúdos básicos comuns que deverão ser ensinados para os alunos das séries finais (da 5a à 8a) do ensino fundamental e do ensino médio. Estes avanços são importantes, pois asseguram o direito de cada criança e jovem de, independente da escola e do professor, ter um mínimo de aprendizagem garantido, sem perder, contudo, a possibilidade de acesso à riqueza da cultura tradicional local ou de intercâmbios ricos que possam emergir na relação professor-aluno.
Uma plataforma para a melhoria da educação.
O Brasil tem grandes desafios a vencer para melhorar a qualidade da educação oferecida a seus alunos, mas é importante constatar que inúmeras iniciativas estão em curso. Como educação é um investimento de longo prazo, bons resultados podem ser esperados de muitas delas.
Afinal, universalizamos o acesso ao ensino fundamental, introduzimos uma cultura de avaliação, que permitiu, entre outras coisas, clareza de algumas competências que devem ser desenvolvidas série a série (ao menos em Português e Matemática, no caso do ensino fundamental e, agora com os avanços no ENEM, no ensino médio), temos livro didático para praticamente todos os cursos e um piso salarial para o professor que, se não é o ideal, avançou bastante.
Mas não há como melhorar a qualidade da educação básica sem articular o que é feito em cada nível num sistema nacional de educação. Um sistema em que entes federados não apenas cooperem de forma frouxa e sujeitos a papéis maldefinidos pelo regime de colaboração. É importante que disputas federativas não desfigurem a educação oferecida às crianças e aos jovens brasileiros e que exista, claramente, uma estratégia única de formação de professores, além de um currículo mínimo nacional, que é o cerne de uma política educacional bem-sucedida.
Este sistema nacional de educação contemplaria algumas medidas que poderiam ser implantadas gradualmente até se consolidarem. Entre elas, destacaria:
definir o que é sucesso escolar e comunicar isso, claramente, para todos os envolvidos, por meio de índices que meçam aprendizagem e fluxo escolar (como o IDEB, índices locais, taxas de evasão ou abandono escolar, taxas de conclusão de curso fundamental ou médio, com níveis adequados de desempenho);
estabelecer e tornar efetivo um currículo mínimo nacional que assegure padronização e o direito a uma aprendizagem comum, independente de estado ou região do País, bem como a possibilidade de considerar culturas e vocações locais e regionais;
identificar, por meio de avaliações regulares, alunos que não aprendem e estruturar um sistema de recuperação de aprendizagem;
definir um processo de certificação nacional de professores e de educadores infantis que associe o acesso ao cargo à definição de requisitos mínimos de formação e de conhecimentos, medidos em prova nacional;
a partir da certificação, criar diretrizes para planos de carreira descentralizados, que dialoguem e se articulem com mercados de trabalho locais, promovendo a atratividade e o status social do magistério e da educação infantil;
estabelecer um sistema nacional de capacitação de professores associado às carreiras;
fortalecer o Fundeb, tornando os repasses não apenas associados aos alunos, mas à implantação de processos nacionais de formação, certificação, avaliação e recuperação de aprendizagem;
envolver a sociedade na busca de melhoria da educação, comprometendo diferentes segmentos sociais com o monitoramento da política educacional e com o funcionamento de cada escola.
Neste sistema, caberia aos estados a responsabilidade de coordenar o ensino médio e dar assistência técnica e financeira aos seus municípios que, por sua vez, deveriam ocupar-se do ensino fundamental e infantil.
Em cada unidade subnacional, haveria um currículo mínimo, incorporando ao currículo nacional ênfases pretendidas em determinados conteúdos ou competências a serem desenvolvidas, características da cultura local e vocações regionais que sugeririam novos componentes curriculares. Além disso, caberia aos estados e municípios:
manter uma carreira para professores e educadores infantis, com profissionais certificados no sistema nacional e de acordo com as diretrizes nacionais de encarreiramento do magistério, que possa atrair e reter profissionais qualificados;
dialogar com professores, diretores, alunos e funcionários, de forma bastante prática, tendo em vista o desenho e a implantação de propostas voltadas para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem, por meio de conselhos constituídos para essa finalidade;
avaliar, continuamente, o ensino na sua rede, promovendo um processo de ensino-aprendizagem com especial atenção à qualidade e à equidade;
adotar programas de aceleração e de correção de analfabetismo funcional para corrigir defasagens idade-série e evitar evasão escolar;
preparar material de apoio ao professor para todas as disciplinas, com propostas alternativas de atividades a serem desenvolvidas em aula;
estabelecer um calendário de avaliações coerente com o calendário escolar, estabelecendo a cada bimestre as competências que serão trabalhadas e as verificações que darão conta do aprendizado;
identificar escolas que precisam de ajuda adicional para garantir a aprendizagem dos alunos e criar mecanismos para que as crianças e os jovens possam beneficiar-se deste apoio;
reconhecer equipes de profissionais que contribuem para a melhoria da aprendizagem; e investir em educação infantil, considerada uma das áreas de melhor relação custo-benefício em educação, se for oferecida, na primeira infância, educação de qualidade, seja pela família com apoio de políticas públicas, se necessário, ou por creches, em que se oferece uma abordagem integrada ao desenvolvimento infantil, com estimulação precoce do cérebro, imersão em um ambiente letrado, atenção à saúde e segurança afetiva.
Como gerenciar a política educacional num sistema federativo
A política educacional é uma política pública. Nesse sentido, deve contemplar um enfoque que vai além do que ocorre em sala de aula, na relação direta entre professor e aluno, terreno próprio da Pedagogia.
Toda política pública parte de necessidades expressas ou não da população, em um espaço territorial definido, sobre as quais se forma um entendimento do que cabe ao poder público atender. Para que uma política pública seja efetiva, é fundamental haver mensuração e metas claras. Em saúde, não há nenhuma dúvida sobre isso.
Na área de educação, no entanto, houve e ainda há controvérsias , superadas nos anos recentes, quando se constatou que avaliar a aprendizagem dos alunos, além do acesso de crianças às escolas, dos índices de evasão escolar, repetência e defasagem idade-série, é o único caminho seguro para poder melhorar a educação. Caso contrário, ficaríamos num discurso vazio sobre a importância da escola e da relação professor-aluno.
A definição de metas claras ajuda não apenas no monitoramento da implantação de projetos que integram a política, mas na comunicação com a sociedade e na possibilidade de controle social. Cada família, nesse sentido, pode saber em quanto melhorou a escola dos seus filhos e cada cidadão pode acompanhar o resultado dos recursos de impostos aplicados em educação.
Para a formulação e gestão da política nacional de educação, a União, estados e municípios devem articular-se num sistema nacional e não meramente colaborativo, com clara definição de papéis, levando em conta as duas principais funções da educação na sociedade:
formar cidadãos portadores de direitos (educação como o direito que abre oportunidades para os demais direitos), aptos a participarem no processo democrático e de usufruir dos bens culturais que o País e a humanidade lhes oferecem;
promover um desenvolvimento econômico inclusivo em que os jovens estejam habilitados a contribuir e a participar das oportunidades geradas.
O gestor de política educacional tem de saber, no entanto, com que problemas específicos se defronta para poder melhorar a educação em seu estado ou município. A identificação do que torna a aprendizagem mais difícil em seu espaço de atuação permite uma ação mais efetiva e menor dispersão de recursos. Como as escolas concentram a maioria das crianças do município, é fácil ceder à tentação de perder o foco e atender a demandas para introduzir cursos que beneficiem interesses de segmentos específicos ou mobilizar crianças para eventos ligados a propostas estranhas à educação.
Em todas as situações, uma boa coordenação da implantação dos projetos associados à melhoria da educação básica é fundamental: desenhar boas estratégias, que enfrentem os problemas identificados, saber modificá-las, se necessário, monitorar sua implantação, combinando com sabedoria continuidade e ruptura.
Mais ainda, comunicar com frequência e consistência os resultados obtidos em cada etapa e os esforços que serão necessários empreender. A educação é um investimento de longo prazo, e os projetos geram impactos cumulativos e não imediatos. Mas, se não se contar à população em que estágio se está no enfrentamento dos problemas, fica uma sensação de que nada está sendo feito.
A transformação demanda persistência estratégica e a população é capaz de entender isso . •
Claudia Costin é secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro. Foi ministra da Administração Federal e Reforma do Estado e secretária estadual de Cultura de São Paulo.
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