Cidade do Vaticano. Dia 11 de fevereiro de 2013. O Papa Bento XVI surpreende o mundo ao anunciar sua histórica renúncia do cargo, a contar a partir de 28 de fevereiro, alegando ausência de forças e idade avançada para dirigir a Igreja Católica.
Cidade do Vaticano. Dia 13 de março de 2013. Fumaça branca no teto da Capela Sistina. Anunciada a eleição do jesuíta, cardeal e argentino Jorge Bergoglio para o cargo de Papa, agora denominado Francisco I.
O que Estado (laico) brasileiro tem a ver com isso? Tirando a promessa midiática não concretizada da designação de dom Odilo Scherer como o primeiro Papa brasileiro, e a posterior e irônica eleição de um cardeal hermano argentino, o Estado brasileiro não deveria ter nada a ver com isso. Assim como não tem nada a ver com eventual eleição do pastor presidente da Igreja Universal, da Assembléia de Deus, da Igreja Adventista do 7º Dia, dos Testemunhas de Jeová, e dos líderes religiosos do Islamismo, do Budismo, do Candomblé, da Umbanda, ou do Espiritismo.
O princípio da laicidade impede que o Estado e seus representantes, no exercício de suas funções públicas, concedam tratamento diferenciado e privilegiado a religiões, devendo tratá-las imparcial, independente, autônoma e igualitariamente.
É claro que o princípio da laicidade não é sinônimo de separação total entre religião e Estado brasileiro, sendo constitucionalmente possível a participação da religião nas decisões políticas estatais (em questões afetas, por exemplo, aos direitos à liberdade de expressão e de religião), a contribuição do Estado em atividades de interesse público empreendidas pela religião (assistência religiosa em unidades de internação coletiva, manutenção de lares, abrigos, asilos e centros de recuperação de viciados em drogas e entorpecentes) e a efetivação de políticas públicas em matéria de religião (como o ensino religioso nas escolas públicas e a ampliação do direito à liberdade de expressão religiosa a ser efetivada pela Empresa Brasil de Comunicação).
Embora admissível a citada atitude colaborativa, o Estado (laico) não pode se utilizar de subterfúgios argumentativos questionáveis (a exemplo da existência de interesses políticos ou econômicos) para prestigiar ou tratar prioritariamente determinadas religiões, sob pena de afronta ao princípio constitucional da laicidade.
Voltando ao caso do Vaticano. Embora fosse esperado que a posse do Papa Francisco I não representasse nada (ou muito pouco) para o Estado brasileiro, infelizmente a Presidente Dilma Rousseff resolveu viajar para o Vaticano, acompanhada de uma longa comitiva oficial integrada principalmente pelos ministros Antonio Patriota (das Relações Exteriores), Gilberto Carvalho (da Secretaria-Geral da Presidência da República), Helena Chagas (da Comunicação Social), Aloizio Mercadante (da Educação – muito estranha a presença de um ministro da Educação no Vaticano) e o embaixador do Brasil no Vaticano.
Até aqui poderiam dizer: “ahhh, mas não há violação ao princípio da laicidade no caso, já que o Vaticano é um Estado”. Ok, o Estado do Vaticano, com sua “enorme” população de quase 900 (novecentos) habitantes – cuja maioria é constituída de clérigos, bispos, cardeais e freiras -, mantém “bilionárias” relações econômicas com o Brasil, sendo imprescindível a presença da Presidente Dilma para solidificar o diálogo e a cortesia política, bem como para ampliar o comércio entre os países.
Falando sério, seria justificável o comparecimento da comitiva presidencial brasileira ao Vaticano pelo simples fato de ser um Estado? É claro que não! Caso a Igreja Católica mudasse de sede e o Vaticano continuasse sendo um Estado, é óbvio que a Presidência da República brasileira não compareceria à eventual posse de seu respectivo líder ou presidente. Sem a Igreja Católica, qual força ou relevância política ou econômica teria o Estado do Vaticano?
A questão é que a Igreja Católica, enquanto instituição religiosa, foi quem recebeu a comitiva presidencial em seu território, sob a justificativa demagógica brasileira (que não cola) de que “olha, vejamos bem, estamos indo visitar a um Estado, não a uma Igreja”. Se o interesse brasileiro fosse tão político assim, por que então Dilma Rousseff compareceu à missa (religiosa) do papa no Vaticano e posteriormente entregou a ele um presente oriundo de determinada igreja brasileira?
Na vera, o argumento de que o Vaticano é um Estado foi claramente utilizado como subterfúgio pelo governo brasileiro para privilegiar e tratar diferenciadamente uma determinada religião, no caso, a Igreja Católica Apostólica Romana, a qual, embora detenha força política e econômica, tem de ser necessariamente tratada de forma igualitária com relação às demais religiões.
Outro argumento possível para defender a ida da comitiva brasileira ao Vaticano: “é necessário que o Brasil mantenha diálogo com lideranças religiosas mundiais, como o Papa, a fim de fortalecer a presença do país no exterior e, por conseguinte, favorecer interesses econômicos, políticos e comerciais diversos”.
Além de ser problemática essa justificativa à luz da laicidade, se fosse assim seria imprescindível que Dilma Rousseff comparecesse à posse dos líderes dos aiatolás iranianos, dos sheiks muçulmanos ou dos rabinos judeus, já que também contribuiria para as relações internacionais e para a concretização de interesses do Brasil no exterior. Desta maneira, esse argumento apenas seria válido à luz da laicidade e do tratamento estatal igualitário perante as religiões se a Presidência da República comparecesse à posse desses religiosos, o que evidentemente não ocorre, nem mesmo com relação aos líderes de religiões com efetivo poderio econômico e político no Brasil.
E, por fim, diria alguém: “ahhh, mas o Brasil é o maior país católico do mundo, a maioria da população é católica, Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil e, portanto, é necessário conceder um tratamento privilegiado à Igreja Católica”.
Ok, se o argumento da maioria prevalecesse no Brasil, não seria possível falar coerentemente em constitucionalismo e direitos fundamentais (que também se prestam a proteger as minorias da vontade – ou da ditadura – da maioria), nem em laicidade (que exige a concessão de tratamento igualitário pelo Estado, e por seus representantes, face a todas as religiões, prestando-se também, em matéria religiosa, ao combate do argumento da maioria).
Diante dos problemas acima apresentados a respeito do comparecimento de Dilma ao Vaticano, dentre inúmeros outros relativos à matéria, espera-se que o princípio constitucional da laicidade seja efetivamente observado pelas autoridades brasileiras, a fim de que todas as religiões sejam tratadas igualitariamente e que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro seja coerente consigo mesmo. Ou então não vamos mais falar em Estado laico. Mas, por favor, se isso ocorrer (se não é que já ocorre), sejamos expressos, claros e sinceros nesse sentido!
Vinicius Franzoi
Cidade do Vaticano. Dia 13 de março de 2013. Fumaça branca no teto da Capela Sistina. Anunciada a eleição do jesuíta, cardeal e argentino Jorge Bergoglio para o cargo de Papa, agora denominado Francisco I.
O que Estado (laico) brasileiro tem a ver com isso? Tirando a promessa midiática não concretizada da designação de dom Odilo Scherer como o primeiro Papa brasileiro, e a posterior e irônica eleição de um cardeal hermano argentino, o Estado brasileiro não deveria ter nada a ver com isso. Assim como não tem nada a ver com eventual eleição do pastor presidente da Igreja Universal, da Assembléia de Deus, da Igreja Adventista do 7º Dia, dos Testemunhas de Jeová, e dos líderes religiosos do Islamismo, do Budismo, do Candomblé, da Umbanda, ou do Espiritismo.
O princípio da laicidade impede que o Estado e seus representantes, no exercício de suas funções públicas, concedam tratamento diferenciado e privilegiado a religiões, devendo tratá-las imparcial, independente, autônoma e igualitariamente.
É claro que o princípio da laicidade não é sinônimo de separação total entre religião e Estado brasileiro, sendo constitucionalmente possível a participação da religião nas decisões políticas estatais (em questões afetas, por exemplo, aos direitos à liberdade de expressão e de religião), a contribuição do Estado em atividades de interesse público empreendidas pela religião (assistência religiosa em unidades de internação coletiva, manutenção de lares, abrigos, asilos e centros de recuperação de viciados em drogas e entorpecentes) e a efetivação de políticas públicas em matéria de religião (como o ensino religioso nas escolas públicas e a ampliação do direito à liberdade de expressão religiosa a ser efetivada pela Empresa Brasil de Comunicação).
Embora admissível a citada atitude colaborativa, o Estado (laico) não pode se utilizar de subterfúgios argumentativos questionáveis (a exemplo da existência de interesses políticos ou econômicos) para prestigiar ou tratar prioritariamente determinadas religiões, sob pena de afronta ao princípio constitucional da laicidade.
Voltando ao caso do Vaticano. Embora fosse esperado que a posse do Papa Francisco I não representasse nada (ou muito pouco) para o Estado brasileiro, infelizmente a Presidente Dilma Rousseff resolveu viajar para o Vaticano, acompanhada de uma longa comitiva oficial integrada principalmente pelos ministros Antonio Patriota (das Relações Exteriores), Gilberto Carvalho (da Secretaria-Geral da Presidência da República), Helena Chagas (da Comunicação Social), Aloizio Mercadante (da Educação – muito estranha a presença de um ministro da Educação no Vaticano) e o embaixador do Brasil no Vaticano.
Até aqui poderiam dizer: “ahhh, mas não há violação ao princípio da laicidade no caso, já que o Vaticano é um Estado”. Ok, o Estado do Vaticano, com sua “enorme” população de quase 900 (novecentos) habitantes – cuja maioria é constituída de clérigos, bispos, cardeais e freiras -, mantém “bilionárias” relações econômicas com o Brasil, sendo imprescindível a presença da Presidente Dilma para solidificar o diálogo e a cortesia política, bem como para ampliar o comércio entre os países.
Falando sério, seria justificável o comparecimento da comitiva presidencial brasileira ao Vaticano pelo simples fato de ser um Estado? É claro que não! Caso a Igreja Católica mudasse de sede e o Vaticano continuasse sendo um Estado, é óbvio que a Presidência da República brasileira não compareceria à eventual posse de seu respectivo líder ou presidente. Sem a Igreja Católica, qual força ou relevância política ou econômica teria o Estado do Vaticano?
A questão é que a Igreja Católica, enquanto instituição religiosa, foi quem recebeu a comitiva presidencial em seu território, sob a justificativa demagógica brasileira (que não cola) de que “olha, vejamos bem, estamos indo visitar a um Estado, não a uma Igreja”. Se o interesse brasileiro fosse tão político assim, por que então Dilma Rousseff compareceu à missa (religiosa) do papa no Vaticano e posteriormente entregou a ele um presente oriundo de determinada igreja brasileira?
Na vera, o argumento de que o Vaticano é um Estado foi claramente utilizado como subterfúgio pelo governo brasileiro para privilegiar e tratar diferenciadamente uma determinada religião, no caso, a Igreja Católica Apostólica Romana, a qual, embora detenha força política e econômica, tem de ser necessariamente tratada de forma igualitária com relação às demais religiões.
Outro argumento possível para defender a ida da comitiva brasileira ao Vaticano: “é necessário que o Brasil mantenha diálogo com lideranças religiosas mundiais, como o Papa, a fim de fortalecer a presença do país no exterior e, por conseguinte, favorecer interesses econômicos, políticos e comerciais diversos”.
Além de ser problemática essa justificativa à luz da laicidade, se fosse assim seria imprescindível que Dilma Rousseff comparecesse à posse dos líderes dos aiatolás iranianos, dos sheiks muçulmanos ou dos rabinos judeus, já que também contribuiria para as relações internacionais e para a concretização de interesses do Brasil no exterior. Desta maneira, esse argumento apenas seria válido à luz da laicidade e do tratamento estatal igualitário perante as religiões se a Presidência da República comparecesse à posse desses religiosos, o que evidentemente não ocorre, nem mesmo com relação aos líderes de religiões com efetivo poderio econômico e político no Brasil.
E, por fim, diria alguém: “ahhh, mas o Brasil é o maior país católico do mundo, a maioria da população é católica, Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil e, portanto, é necessário conceder um tratamento privilegiado à Igreja Católica”.
Ok, se o argumento da maioria prevalecesse no Brasil, não seria possível falar coerentemente em constitucionalismo e direitos fundamentais (que também se prestam a proteger as minorias da vontade – ou da ditadura – da maioria), nem em laicidade (que exige a concessão de tratamento igualitário pelo Estado, e por seus representantes, face a todas as religiões, prestando-se também, em matéria religiosa, ao combate do argumento da maioria).
Diante dos problemas acima apresentados a respeito do comparecimento de Dilma ao Vaticano, dentre inúmeros outros relativos à matéria, espera-se que o princípio constitucional da laicidade seja efetivamente observado pelas autoridades brasileiras, a fim de que todas as religiões sejam tratadas igualitariamente e que o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro seja coerente consigo mesmo. Ou então não vamos mais falar em Estado laico. Mas, por favor, se isso ocorrer (se não é que já ocorre), sejamos expressos, claros e sinceros nesse sentido!
Vinicius Franzoi
Foi apenas onerar os cofres públicos. Gastar nosso dinheiro tão suado.
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