"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 26 de outubro de 2008

O Ùltimo Imperador


No processo de revisão de nossa História não podemos deixar de falar do homem que por quase cinqüenta anos governou o Brasil. Estudar a vida de D. Pedro II é conhecer quase todos os acontecimentos do século XIX, não só no Brasil como em todo o mundo. Sua fama correu o mundo como chefe de uma nação ou como um catedrático, capaz de pintar quadros, de fazer trabalhos de engenharia.

Entre o "monarca europeu" e o "cacique brasileiro", aquele que viria a ser D. Pedro II é no princípio um pobre menino rico. Nascera às duas horas e meia da madrugada do dia 2 de dezembro de 1825. Sétimo filho de D. Pedro I e de D. Leopoldina. Corria em suas veias o sangue azul dos Habsburgos, dos Bourbons e dos Braganças. Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga, recebera os nomes dos mais católicos reis do Ocidente.

Mais Habsburgo que Bragança-Bourbon, pouco se parecia com o pai. Pertencia à estirpe de D. Leopoldina pelo largo queixo austríaco, que lembrava Filipe IV, de Velásquez, os olhos azuis, a estatura acima da normal, que, na mocidade, o assemelharia – com a fina barba loura, destinada a atenuar o prognatismo – a um arquiduque de Viena.

O pobre menino rico.

A mãe morreu quando ele tinha 1 ano e o pai voltou para Portugal quando tinha 5. Viveu “abandonado” junto com suas irmãs Januária, Paula Mariana e Francisca no Palácio de São Cristóvão, entre aias, padres e professores que lhe inculcaram o gosto pela literatura, pelas línguas e pelas ciências.

Em 7 de abril de 1831, com a abdicação do pai, foi aclamado segundo imperador do Brasil, aos seis anos de idade. José Bonifácio de Andrada e Silva, tutor do menino, apresentou-o ao povo de uma janela do Paço da Cidade. Em 1833 a assembléia geral do império destituiu o patriarca e nomeou em seu lugar Manuel Inácio de Andrade Souto Maior, marquês de Itanhaém.

Em 1833, morria Paula Mariana, antes de completar 10 anos de idade. Januária, através de uma carta, relatava o acontecimento ao pai: “Amado papai. Apesar das nossas constantes súplicas aos céus, a nossa querida irmã Paula Mariana partiu. Não encontramos consolo. Nossa irmã tão amada não está mais conosco. Além disso, Pedrinho adoeceu seriamente.

Chegamos a pensar que ele pegara a mesma febre de Paula Mariana, mas, graças aos céus, ele melhorou e já está sentado em sua sala de estudos. Para expressar nossa gratidão, nós, mana Chica e eu, sua filha Januária, ficaremos sem comer açúcar até o aniversário de Pedro, dia 2 de dezembro. Amado papai, estamos desesperados e em grande desalento. O senhor nos faz muita falta e também sentimos muita saudade de nossa irmã Maria da Glória e de todos que estão com o senhor em Lisboa. Com a promessa de lhe sermos sempre filhos obedientes e amorosos, Januária, Francisca e Pedro.”

A liberdade, o jovem imperador só a conheceu como um direito dos outros. Desde muito cedo já era preparado para as funções de Estado. Possuía uma alma solitária, daquelas capazes de fascinar qualquer pessoa.

Levantava-se às sete horas. O almoço, às oito horas, tinha a rigorosa fiscalização do médico. Logo após encontrava as irmãs, ficando em sua companhia por uma hora. Estudava das nove às 11:30. Ficava com uma hora e meia para esperar o jantar. Às catorze horas, jantava, acompanhado do médico, do camarista e da camareira-mor que, segundo o regulamento, podiam conversar sobre objetos científicos ou de beneficência. História natural, a sorte dos deserdados, pássaros e borboletas, história sagrada, esses eram os temas preferidos pelos encarregados de formar o futuro governante do país.

À rainha Maria II de Portugal, sua irmã, D. Pedro escrevia relatando um pouco de sua rotina, em 8 de maio de 1839: “Querida e muito amada irmã. Aproveitamos a viagem a Paris que faz o Sr. Antônio Carlos de Andrada, irmão do nosso Tutor, para dar-lhes notícias. Há muito tempo estamos privados das suas, assim como de nossa querida mamãe (D. Amélia). Aqui esforçamo-nos em seguir o seu exemplo: Escrita, Aritmética, Geografia, Desenho, Francês, Inglês, Música e Dança dividem os nossos momentos; fazemos constantes esforços para adquirir conhecimento e somente a nossa aplicação pode trazer um pouco de lenitivo às vivas saudades que nos faz experimentar a separação (...)’’.

Se, nos estudos, o imperador ia muito bem, as diversões eram poucas. Seus divertimentos consistiam num bote que deslizava na água parada de um tanque, num teatrinho onde ele interpretava papéis em francês.

Com frei Pedro de Santa Mariana, aprendeu o hábito de ouvir com paciência, de esperar com doçura, de falar pouco, de muito perguntar, de querer com obstinação e vencer com cautela, além do gosto pelos livros, hobby que cultivou a vida toda. Seu melhor amigo era o negro Rafael, que fora soldado no Rio Grande do Sul. Silencioso, vivo, educara-se para escudeiro e criado dos príncipes.

Foi um anjo de guarda talhado em ébano, a vagar no rastro do protegido, esperando o menor sinal que fizesse. Era bom, forte e leal, sempre de sorriso nos lábios para o senhor ao qual chamava de Sua Majestade.

Aos catorze anos, D. Pedro II falava quatro idiomas e lia tudo que podia. Sua sede de conhecimento era enorme. Abandonou o costume de passeios freqüentes. Esqueceu Rafael, os exercícios ao ar livre. Devorava livros, na ânsia de entendê-los. Às vezes frei Pedro ia apagar-lhe a luz para impedir que a leitura se prolongasse noite adentro.Tinha gosto pelos estudos pacientes. Amava as coisas do espírito e mostrava aversão aos modos dos parentes paternos. Desde cedo revelou personalidade forte, uma serenidade natural e um orgulho macio e indomável. Seria a antítese do pai. Quem o via, recordava-se da imperatriz e da tristeza que ela carregava no tempo em que o gerou. O menino era precoce na inteligência, fraco de corpo, cada vez mais Áustria no amor ao estudo, Bourbon pela memória tenaz e, na crise de crescimento, sujeito a acidente, epileptiformes que lhe acusavam a herança paterna.


Uma esposa para o jovem imperador.

Mal lhe haviam crescido os pelos no rosto, resolveram que deveria se casar com uma princesa européia. Princesa nenhuma se dispusera a vir para o Brasil, considerado por muitos europeus como uma terra de macacos e selvagens, onde as pessoas dormiam em árvores. Além disso, havia o fato de que ele poderia ter puxado ao pai que tanto mal causou a sua mãe.

Depois de muita procura, que levou quase dois anos, encontrou em Nápoles uma princesa disponível, Teresa Cristina Maria Giuseppa Gaspare Baltassare Melchiore Gennara Francesca de Padova Donata Bonosa Andrea d’Avellino Rita Luitgarda Geltruda Venancia Taddea Spiridione Rocca Matilde de Bourbon. Quatro anos mais velha que o imperador. Bourbon por parte de três de seus avós, Habsburgo por parte da outra avó.

Aparentava com todas as dinastias do velho mundo. Pelo lado do pai, Xavier Francisco, duque da Calábria, depois Francisco I das Duas Sícilias, e bisneta de Carlos III de Espanha. Por sua mãe, Isabel Maria, filha de Carlos IV, portanto irmã da rainha de Portugal, Carlota Joaquina, e era ainda prima consangüínea de Pedro II.

Tinha o sangue de mulheres inquietas e dominadoras. Apesar disso, possuía um temperamento brando, uma pessoa sem aspirações fora do lar silencioso. Devia atravessar o tablado da vida na ponta dos pés, sem fazer ruído.

O retrato que lhe mandaram sugeria uma jovem graciosa. Escutemos sua voz: "... tranquei-me no quarto para sonhar: minha noiva era bonita, eu seria feliz". Ele teria que esperar mais de um ano até ela chegar. O casamento foi realizado por procuração, em Nápoles, a 30 de maio de 1843, com a presença dos dois corpos diplomáticos e, logo após a cerimônia, Teresa Cristina enfrentava uma longa viagem, de cerca de oitenta dias, rumo ao Brasil . Aos 17 anos, Pedro arde de ansiedade para conhecer a noiva.

No dia 3 de setembro de 1843, às 6 da tarde, o navio trazendo a princesa aporta na Baía de Guanabara, mas ela só desembarcaria no outro dia. O rei adolescente põe-se ao mar naquela noite mesmo. 

"Minha mulher fora avisada às pressas, esperava-me no convés quando cruzei o partilho; ergui os olhos. Ela era baixa, quase uma anã, ela era gorda, ela coxeava. Ela era feia. Findava-se o retrato, findavam-se os sonhos... O sorriso de Teresa cristalizou-se antes de se fazer de todo: ela compreendia muito bem.Fitamo-nos, murmurei um comprimento de boas vindas e depois algo como até amanhã, e tornei a descer a escadinha que levava à baleeira"

Não faltou-lhe, todavia, o conforto do carinho e do encorajamento: “Lembre-se da dignidade do seu cargo”, dizia-lhe o mordomo Paulo Barbosa. “Cumpra seu dever, meu filho!”, balbuciava-lhe a Dadama . O amor viria com o tempo. Diziam maravilhas da princesa. Nem no casamento ele escapava da obrigação de cumprir o dever. Já não podia devolver a mulher que não escolhera.

D. Pedro II foi impecável no seu papel de esposo, apesar do descontentamento inicial. Escrevera mais tarde: "Respeito e sinceramente estimo minha mulher, cujas qualidades de caráter são excelentes". Souberam ser felizes na gratidão que um devotava ao outro. Educou-se para servir. Isolou sua vida da política. Os amigos mais chegados eram amigos, não tentassem cargos políticos, ele não concordaria.

Teresa Cristina limitou-se às funções de esposa e mãe. Pedro II não queria que ela indagasse coisas da política e recomendou que não atendesse a pedidos de quem quer que fosse. Ela cumpriu à risca as determinações. - Isso é lá com o imperador, respondia Teresa Cristina, quando alguém, mais ousado, lhe pedia alguma coisa.

Procurou aprender o português o mais rápido possível. Sua voz bem timbrada enchia de poesia as tardes tristes da Quinta de São Cristóvão.

Quando a perde em 1899, menos de um mês depois de partir para o exílio, vítima de profunda tristeza, Pedro II é o retrato da dor: “Não sei como escrevo. Morreu haverá meia hora a imperatriz, essa Santa (...). Ninguém imagina minha aflição. Somente choro a felicidade perdida de 46 anos. (...) abriu-se na minha vida um vácuo que não sei como preencher(...).”

Paternidade.

Em 1845, nasceu seu primeiro filho, D. Afonso, o herdeiro da coroa, orgulho do Imperador. Seu primeiro filho era um varão, que durou pouco, segundo a maldição da casa de Bragança, onde a morte levara sempre os primogênitos homens. O menino viveu dois anos. Em 1846, nasce a primeira menina, Isabel Cristina. Um ano depois, em julho, pouco antes da morte do príncipe herdeiro, nascia outra princesa, D. Leopoldina Teresa. Outro filho homem faria a alegria de D. Pedro II em julho de 1848, Pedro Afonso, mas durou pouco. Morreu em janeiro de 50, marcando o coração do monarca solitário.
Em carta ao seu camarista Joaquim Teixeira de Macedo, na manhã seguinte à morte do menino, escrevia o imperador: “Foi o golpe mais fatal que poderia receber, e, de certo, a ele não resistiria se não ficasse ainda mulher e duas crianças, que tenho a educar para que possam fazer a felicidade do país que as viu nascer, e é também uma de minhas consolações.”

A infância e juventude das princesas não foram diferentes da vida que levaram as tias em São Cristóvão. Mas D. Pedro era um pai sempre presente. Gostava de cuidar ele próprio da educação das filhas, o que dizia ser sua maior diversão. Queria que as meninas, como as chamava, fossem livres, maduras e independentes.

Barral.

Durante a infância das meninas entra para a História a Condessa do Barral. Esta ficaria famosa como preceptora das princesas e pela correspondência íntima que manteve com o monarca, única janela da alma de D. Pedro II, que só muito mais tarde se abriria aos olhos do mundo. Mantinham, através de uma correspondência quase diária, um amor impossível e discreto, de um sabor intelectual de que a fidalga muito ilustrada era capaz de manter.

Brincavam, tinham momentos de imensa ternura, uma das poucas que teria o imperador, sempre dedicado às ciências, ao trabalho de governar, que lhe roubava o tempo. A correspondência do monarca com a Barral era de tal ordem que as cartas resumiam seus dias, falavam dos problemas do país, davam conta de pequenos incidentes na família. "O afeto que tenho por você" do "seu, sempre seu" - são expressões encontradas por toda a parte.

Sobre a primeira impressão da condessa, relatara anos mais tarde: “Quando a condessa entrou, vestida de cinza-pérola, impressionei-me, de início, com seu penteado. Sob a mantilha, os bandós bem arrumados eram totalmente grisalhos. O nariz um pouco comprido, os olhos grandes demais invadindo um rosto quase anguloso completavam minha decepção (...).

Contudo, quando adiantou-se para cumprimentar-nos, senti nessa mulher algo extraordinário e indescritível. A elegância do porte, a vivacidade do olhar, a segurança tranqüila não explicam à perfeição o que dizer (...). Nunca vi uma mulher fazer a reverência como a Condessa de Barral.
Respeitosa sem se humilhar, calma, segura de si e soberanamente submissa, transformava a reverência em obra de arte. Foi a primeira de uma longa série de lições de civilização que me deu, até sua morte.”

Até hoje os historiadores têm dúvida sobre o relacionamento que os dois mantinham. A própria condessa condenava a descrição do amigo: “É tão raro você contar outra coisa que tomei banho, vi meus netos, li, tomei café” sem nenhuma censura, eu não chamaria isto de conversar com uma velha amiga”.

Em outra carta também ele deixava pairar essa dúvida: “Estou muito cansado e atirar-me-ia já na cama se as saudades não exigissem que lhe desse as mais afetuosas boas-noites (....). Nada me interessa completamente longe de você (...)”.

O imperador exprimiu todo o seu sofrimento com a morte da Condessa de Barral, em janeiro de 1891: “Nunca conheci inteligência assim, e sempre a mesma durante 50 anos. Estou deveras no vácuo.”

O pesquisador.

D. Pedro II nunca se aprofundou em nada. Em nenhuma ciência foi especialista. Dedicava-se à Egiptologia, à Astronomia. Traduzia Horácio e Tertuliano. Gabava-se de ter sido um dos primeiros a conhecer a teoria de Darwin. Traduzia a Divina Comédia. Falava latim, francês, inglês e alemão. Estudou grego, árabe, tupi, sânscrito, hebraico e provençal. Ainda que não tenha produzido nada de original, seus estudos dão uma idéia de quanto procurou aperfeiçoar-se para dignificar-se através do estudo e poder governar com sabedoria.

Essa inconstância, essa sede de saber dar-lhe-iam o reconhecimento de Pasteur, a admiração de Victor Hugo, a simpatia de Mistral, a amizade de Alphonse Karr, o aplauso de Wagner, Carlos Gomes e Pedro Américo, a intimidade de Gobineau. Por sua curiosidade, ajudou Bell a divulgar seu invento (o telefone). Provocou a admiração de nomes importantes na política, nas letras, nas ciências universais.

Escreveu em seu diário em 1862: “Nasci para consagrar-me às letras e às ciências; e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República ou ministro à de imperador. Se ao menos o meu pai imperasse ainda estaria eu 11 anos com assento no Senado e teria viajado pelo mundo.”

Era católico, e dizia: "Sou religioso porque a moral, condição da inteligência, é a base da ideia religiosa". Até de religião, queria conhecer um pouco de todas.

Era intransigente com os materialistas: "Não admito o ateísmo. É uma falta de humanidade. Uma ameaça perene contra a ordem social". Permitia a dispersiva adoração de Deus sob todas as formas, contanto que um benéfico deísmo enchesse a alma de doçura e magnanimidade.

No domínio do espírito, o imperador foi um voltairiano, um letrado pouco feliz nas suas elocuções, um curioso da cultura por todos os modos, um amigo dos livros, um mentor e mecenas de novos talentos. Um dos seus protegidos foi Guilherme Schuch de Capanema, que iniciou a implantação do telégrafo no Brasil.

Mas os estudos do imperador davam o que falar. Os jornais da época faziam troça. Pensava-se em luxo e ostentação. Levantaram suspeitas. O homem fingia uma cultura que não tinha. Mas o imperador não dava importância. Visitava escolas superiores munido de informação. Era perigoso em suas perguntas. E perguntava sempre.

O político.

Proclamado maior em 23 de julho de 1840 e coroado em 18 de julho do ano seguinte, D. Pedro II iniciou um reinado que só terminou com a República, 49 anos depois.

A princípio, seu governo representou o triunfo do Partido Liberal sobre o Conservador, mas um ano depois este voltou à carga, com medidas reacionárias que deixaram clara sua disposição de retomar a cúpula do poder - como a criação do Conselho de Estado e a reforma do código de processo criminal - e que suscitaram a revolução liberal de 1842, circunscrita a Minas Gerais e São Paulo.

Em 1845, no final da Guerra dos Farrapos, os liberais dominaram a situação, mas os conservadores logo reconquistaram a liderança e, em conseqüência de sua atuação, deflagrou-se a insurreição praieira de 1848, em Pernambuco.

Em 1870, no entanto, quando acabou a Guerra do Paraguai, o país novamente encontrou os conservadores nos postos mais elevados. A guerra tornara ainda mais agudas as divergências políticas. Os liberais queriam a reforma da constituição e, em 1870, surgiu o Partido Republicano. O futuro marquês de São Vicente, José Antônio Pimenta Bueno, que presidia o Conselho de Ministros, considerou inconveniente o exercício de cargos públicos por republicanos, ao que D. Pedro II respondeu: "O país que se governe como entender e dê razão a quem tiver". E, ante a insistência do primeiro-ministro, arrematou: "Ora, se os brasileiros não me quiserem como imperador, irei ser professor".

Essa tolerância, no entanto, não implicava a falta ou recusa da autoridade. O imperador influía pessoalmente nas indicações para o Conselho de Estado e para o Senado, e contrariava com freqüência as intenções partidárias. Era um super ministro, auxiliar de seus auxiliares, transmitindo ao governo aquela sua curiosidade desmedida, sua moral sólida. Intransigente com a corrupção, fiscalizava todos os concursos, comparecia a todos os exames que podia, argüindo candidatos nos colégios, nas faculdades, nos exames de cátedra.

Metódico, impunha sua disciplina a quantos lhes estavam ao alcance das mãos. Submetia seus ministros a verdadeiras sabatinas. Capaz de se imiscuir na nomeação de um subdelegado de arrabalde, num atraso de um navio, na reclamação de um funcionário. Investigava criteriosamente a vida de cada um dos candidatos ao Senado antes de escolher um na lista tríplice vinda dos Estados.

No primeiro sábado de cada mês, recebia, em uniforme, todo o corpo diplomático. Todos os sábados concedia audiência pública, recebendo a quantos solicitassem, ricos e pobres, nobres e plebeus.

Despachava com os ministros à noite, muitas vezes até às duas da manhã. Queria saber de todos os negócios. Decreto que não assinava, exigia estudos mais apurados.

Na questão religiosa de 1872, fez prender e processar os bispos D. Vital e D. Macedo Costa, que desafiaram o poder real. Depois de julgados e condenados pelo Supremo Tribunal em 1875, concedeu-lhes a anistia. É indiscutível, porém, que o imperador exerceu sua autoridade com discernimento, assegurou ao legislativo o pleno desempenho de suas funções e à imprensa a inteira liberdade de expressão.

A escravidão.

O imperador dava razão aos ingleses no caso dos escravos. Se pudesse, acabaria com a escravidão de um só golpe. Se dependesse dele, limparia de uma só vez a mancha negra que vilipendiava nossa bandeira nos mares e ofuscava o brilho da formação social do país. Pessoalmente dera seu exemplo, libertou os últimos cativos do serviço imperial. Queria a libertação das senzalas, sem despotismo, sem revolução, sem catástrofes.

Em conversa com o diplomata argentino Hector Varela disse:
“A escravidão! Acredita o senhor que haja no Brasil algum compatriota que deseje mais ardentemente do que eu a abolição? Nenhum! E os primeiros a saber como eu penso são os que trabalham à frente do belo movimento de emancipação. Alguns me atacam, com marcada injustiça, afirmando que eu retardo a hora, que no entanto será a mais feliz do meu reinado, em que não haja um só escravo em minha Pátria, e que o último desses infelizes seja tão livre quanto eu.”

O viajante.

Viajou por todo o Brasil, de Norte a Sul. Queria conhecer de perto seu povo, gostava de saber de tudo que se referia à gente local e à natureza que a cercava.

Em 1859, por exemplo, o monarca atravessou grande parte do território nacional, do Rio de Janeiro à Paraíba, muitas vezes montado em lombo de burro ou a bordo de toscas embarcações. Quando passou pela Bahia, fez o seguinte comentário: “Na fazenda dos Olhos d’água fiquei mal acomodado na senzala – nome que convém à casa que aí há – mas sempre arranjei cama em lugar de rede e dormiria bem, apesar das pulgas, cujas mordeduras só senti outro dia de manhã, se não fosse o calor, e a falta de água que é péssima aí, tardando a de Vichy, que vinha na bagagem pela falta de condução.”

A 25 de maio de 1871, Pedro II iniciava sua primeira viagem à Europa. Partiu para aquele continente deixando a casa em ordem, a primeira lei abolicionista pronta para ser aprovada. Dispensava a glória. Mas era preciso fazer algo para o início da eliminação total dos escravos. Cada vez que viajava, o monarca tinha de batalhar uma autorização da Câmara, nem sempre fácil. Os políticos temiam deixar o país sob as rédeas da princesa Isabel, que na primeira viagem internacional do pai tinha apenas 24 anos.

Queria viajar "incógnito". Iria por sua própria conta. Não aceitava nenhuma ajuda do Estado. A 12 de junho, no desembarque em Lisboa, uma surpresa os aguardava. O governo exigia quarentena para os passageiros da América.

- Evidentemente, a medida não atinge Sua Majestade.
- Por que não? A ordem é para todos.

Nas suas três viagens ao exterior, foi a América do Norte, Europa, Ásia e África. E então pôde conhecer diretamente pessoas que só conhecia através de seus estudos.

Entre chefes de Estados, cientistas, artistas e letrados, D. Pedro era sempre muito cortejado. Não aceitava se hospedar em palácios, ficava em hotéis por sua própria conta. Não admitia que o chamassem fora do Brasil de Sua Majestade e, sim, de senhor Pedro de Alcântara.

Em sua segunda e a mais longa das viagens ao exterior, de 18 meses, em 1876, o motivo foi a saúde da imperatriz Teresa Cristina, atendida na Europa pelo famoso médico neurologista Jean Martin Charcot, de quem Freud foi discípulo. Nessa mesma ocasião, D. Pedro II aproveitou para passear pelos Estados Unidos, onde se encantou com os arranha-céus, os trens e o desenvolvimento da agricultura.
O contato com o presidente americano Rutherford Hayes deixou as seguintes impressões: “Seu aspecto é grosseiro. Pouco fala. A nora é muito amável. A mulher feia e vesga faz o que pode para ser amável. O filho parece rapaz muito inteligente.” Nessa mesma viagem visitou Rússia, Criméia, Constantinopla, Atenas, Beirute e a Terra Santa.

O fotógrafo.

Em janeiro de 1839, através de notícia publicada no "Jornal do Comercio , soube da invenção do daguerreótipo. Um ano mais tarde, o abade Louis Compte, capelão de um navio-escola francês que aportara no Rio de Janeiro, fez uma demonstração do processo ao jovem D. Pedro II, então com 14 anos. Mais tarde D. Pedro adquiriu uma câmara e tornou-se o primeiro brasileiro e possivelmente o primeiro monarca do mundo a tirar uma foto. Entre 1851 e 1889 concedeu o título de "Fotógrafo da Casa Imperial" a mais de duas dezenas de fotógrafos.

D. Pedro II também ganhava ou comprava fotografias em suas viagens, tanto nas que realizou pelo interior do Brasil como nas três que fez ao estrangeiro. Encontram-se nessas fotografias, com freqüência, dedicatórias ou anotações de seu próprio punho.

A República.

No dia 15 de novembro de 1889, recebeu em seu palácio de Petrópolis, uma carta do governo provisório, cujo chefe era seu amigo pessoal, Deodoro da Fonseca. O documento dizia: “Os sentimentos democráticos da nação há muito preparados haviam agora despertado. Obedecendo pois às exigências do voto nacional, com todo o respeito à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos que o Governo Provisório espera de vosso Patriotismo o sacrifício de deixardes o território Brasileiro com vossa família, no mais breve prazo possível”.

D. Teresa Cristina soluçava, caída sobre uma poltrona. D. Isabel procurava consolá-la, chorando também. Pedro, munido de pena, tinteiro e papel preparava-se para responder. O Governo Provisório dera-lhe 24 horas para deixar o país.

Não reagiu de forma alguma, não queria derramamento de sangue por sua causa.
Nem se preocupava com o problema da sobrevivência no exterior. Rabiscou um bilhete pedindo um exemplar de Os Lusíadas que ganhara do Senador Mafra. O livro era uma raridade. Além de ser uma primeira edição, tinha um autógrafo de Luís de Camões, seu dono. Foi a única coisa que pediu de São Cristóvão. Ninguém lhe contou do negro, octogenário, que caíra fulminado por um ataque cardíaco. Rafael, o gigante de ébano, que carregara o menino imperador nos ombros, caíra sem ser percebido.

 “À vista da representação escrita que me foi entregue hoje as 3:00Hs da tarde, resolvo, cedendo ao Império das circunstâncias, partir com toda minha família para a Europa amanhã, deixando essa Pátria, de nós estremecida, a qual me esforcei para dar constantes testemunhas de entranhado amor e dedicação durante quase meio século em que desempenhei o cargo de Chefe de estado. Ausentando-me pois eu com todas as pessoas da minha família conservarei do Brasil a mais saudosa lembrança, fazendo ardentes votos por sua grandeza e prosperidade. D. Pedro de Alcântara. Rio de Janeiro 16 de Novembro de 1889, sexagésimo sétimo ano do Império.”

Na madrugada de 17 de novembro, D. Pedro II partia para o exílio. Levava a família, acabando com o regime monárquico no país, que durara 67 anos. D. Pedro falou: "É a minha aposentadoria. Já trabalhei muito. Irei descansar. Afinal sou livre. Posso ir para onde bem quiser".

No dia 28 de dezembro do mesmo ano, 40 dias após o banimento, morreu em um hotel de Lisboa a Imperatriz Teresa Cristina. Nos seus últimos instantes de vida, confidenciou à Baronesa de Japurá:

- Maria Isabel, eu não morro de doença. Morro de dor e de desgosto.

O exílio.

Após a morte da Imperatriz, D. Pedro II mudou-se para a França e passou a residir no Hotel Beldford, em Paris. O Hotel não era o maior nem o mais luxuoso da cidade.

Suas instalações, embora modestas, pareciam um recanto sossegado e confortável, bem adequado a uma pessoa de idade. Essas condições atraíram o Sr. Alcântara, de 65 anos, como passou a ser conhecido.

Quando não recebia visitas, passava os dias lendo e estudando. Nas vezes em que saía apoiado numa pequena bengala para vencer a escadinha do hotel, procurava as associações científicas ou literárias. Desfrutava doravante o doce lazer da velhice em meio aos seus fiéis companheiros, os livros.

Com o tempo, acostumando-se à cidade, adquiriu um hábito. Saía do hotel e tomava um coche alugado, deixando se levar pelas alamedas arborizadas, ouvindo o ruído das patas do cavalo no cascalho do calçamento, até próximo à universidade. Ali ficava na Biblioteca Nacional Nazarino, que se tornou seu refúgio predileto.

Passava horas agradáveis lendo e tomando notas. Só a primeira vez teve problema quando precisou preencher uma ficha para retirar livros. Nela devia declarar nome e profissão, mas seu nome comprido demais não cabia na pequena ficha. Quanto à profissão, era difícil explica-la. Em novembro de 1891, uma ferida no pé fez com que não pudesse mais sair de casa.

Pouco depois sobreveio uma pneumonia, e a 5 de dezembro morria o Imperador do Brasil. Sem coroa, sem casa própria, sem pátria, pobre, simples como viveu.

Colocaram em baixo de sua cabeça uma almofada. Não era uma simples almofada.

Era a pátria. A pátria que amou, a pátria a que procurou dar eleições livres, a pátria que tentou reformar sem sangue, numa evolução de cultura. Naquela almofada estava a terra do Brasil, que pedira que lhe trouxessem para repousar a cabeça na ilusão de ter restituída a pátria que tanto amou.

Por: Gilmar Moreira Gonçalves.

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