"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Presidencialismo e Forças Armadas



por: Eduardo Italo Pesce e Iberê Mariano da Silva





A grave crise em gestação no Brasil não é econômica, política ou social, mas de Estado. De repente, parece que o Estado sumiu, restando apenas o governo em seu lugar. Ou restaura-se o Estado soberano no Brasil ou, em menos tempo do que se imagina, o território nacional poderá entrar em processo de fragmentação.



Ao longo da história de uma nação, existem bons e maus governos. Os danos causados por estes últimos podem ser revertidos, desde que preservados os fundamentos do Estado. No Século XIX, o Brasil teve êxito em manter unidos seu povo e seu território, ao contrário do que ocorreu nos países da América Hispânica.



A obra unificadora do Império foi completada no início da República pela demarcação definitiva de nossas fronteiras. Durante o Século XX, nosso país não teve problemas sérios com seus vizinhos, nem foi envolvido em conflitos armados na América do Sul. As guerras do Brasil no século passado ocorreram no mar ou em outros continentes.



Nas políticas externa e interna, vinha atuando uma elite dirigente cuja composição e características evoluíram ao longo do tempo. Apesar das críticas que sempre recebeu, tal elite conseguiu manter o Brasil unido e fazê-lo progredir, mesmo com limitações. Entre os segmentos que a compunham, o militar sempre esteve presente.



Esta última afirmação pode provocar arrepios nos liberais ou na esquerda, mas é característica da evolução institucional do Brasil. Talvez o grande pecado daquela elite, ao longo da história, tenha sido o fracasso sistemático em incorporar ao sistema de poder as classes menos favorecidas. Desse fracasso resulta, em larga medida, a crise em gestação.



A criação do Ministério da Defesa (MD) em 1999 poderia privar o presidente da República (que é o comandante supremo das Forças Armadas) de sua assessoria militar de alto nível. Para contornar esse problema, foram criados, no âmbito do novo ministério, o Conselho Militar de Defesa (CMD), o Estado-Maior de Defesa (EMD) e várias secretarias político-administrativas.



O CMD, constituído pelo ministro da Defesa, pelos comandantes das três forças singulares e pelo chefe do EMD, presta assessoria estratégica ao presidente, em relação ao emprego das Forças Armadas. O EMD é um estado-maior operacional, o qual coordena as operações conjuntas ou combinadas. A coordenação dos demais assuntos é atribuição das secretarias do MD.



Contudo, a nova Estratégia Nacional de Defesa (END) propõe a revisão dessa estrutura, fortalecendo a figura do ministro da Defesa e conferindo-lhe atribuições até aqui privativas do presidente da República. Propõe ainda reorganizar o EMD, transformando-o num "Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas" que seria, ao mesmo tempo, estratégico e operacional.



Em tal hipótese, a posição dos chefes dos estados-maiores da Armada, do Exército e da Aeronáutica se tornaria ambígua, pois estes ficariam subordinados, ao mesmo tempo, aos respectivos comandantes e ao chefe do Estado-Maior Conjunto. A criação de núcleos de comandos unificados em tempo de paz também consumiria recursos escassos e criaria encargos administrativos adicionais.



O atual "presidencialismo de coalizão" brasileiro, produto da Constituição Federal de 1988, vem recebendo críticas. Nele existe um número exagerado de ministérios e outros órgãos diretamente subordinados ao presidente da República. Isso pode criar um "vácuo de poder", uma vez que o chefe do governo encontrará dificuldade em supervisionar tudo pessoalmente.



Em artigo publicado no jornal Monitor Mercantil, em 19/10/2007, sugerimos que as atribuições do presidente da República no Brasil fossem reformuladas. Este exerceria diretamente o comando supremo das Forças Armadas, supervisionando pessoalmente os assuntos ligados à defesa nacional, às relações exteriores e à segurança institucional.



Não haveria necessidade de Ministério da Defesa. A defesa nacional e as demais áreas diretamente subordinadas ao presidente da República teriam orçamentos autônomos e impositivos, ficando a gestão dos recursos a cargo de cada pasta. O controle da execução orçamentária dessas áreas poderia ficar com a Casa Civil (que perderia sua função de coordenação política).



A Casa Civil, a Secretaria Geral e o Gabinete de Segurança Institucional são componentes orgânicos da Presidência da República. Já o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional (CDN), cujas atribuições e composição são definidas pela Constituição, reúnem-se somente quando convocados pelo presidente.



Na estrutura revista, o Conselho Militar de Defesa (CMD) e o Estado-Maior de Defesa (EMD) passariam a ser subordinados diretamente ao presidente, ficando outras funções de coordenação a cargo de uma Secretaria de Coordenação de Defesa (SCD). Os ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o chefe do EMD e o secretário de Coordenação de Defesa integrariam o CMD.



Em caso de mobilização geral ou parcial, poderiam ser ativados diversos Comandos Conjuntos, diretamente subordinados ao presidente da República. Um Comando Conjunto é constituído por forças navais, terrestres e aéreas de um mesmo país, sob comando unificado. Um Comando Combinado, por sua vez, é constituído por forças de diferentes países.



O Ministério das Relações Exteriores (MRE) também ficaria sob subordinação direta do presidente. O primeiro mandatário da República se ocuparia pessoalmente dos assuntos típicos de Estado. Os demais assuntos de governo ficariam a cargo de um presidente do Conselho de Ministros ou primeiro-ministro, nomeado e demitido livremente pelo presidente da República.



Este primeiro-ministro (assim como qualquer ministro a ele subordinado) também poderia ser demitido por moção de desconfiança ou censura, por maioria absoluta (em uma só votação) do plenário da Câmara ou do Senado. Embora com contrapesos, o sistema de governo permaneceria presidencialista. Em alguns aspectos, haveria semelhança com o modelo francês.



O propósito principal seria preservar a autoridade do chefe de Estado, liberando-o do dia-a-dia da administração pública para que pudesse se dedicar aos assuntos estratégicos e de longo prazo. As negociações com os partidos e o Legislativo ficariam a cargo do primeiro-ministro e de sua equipe, que seriam duplamente responsáveis, perante o presidente da República e o Congresso Nacional.





* Eduardo Italo Pesce é Especialista em Relações Internacionais, professor no Centro de Produção da UERJ;




Iberê Mariano da Silva é General-de-Brigada, engenheiro militar na reserva.

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