"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 28 de novembro de 2010

POR QUE A MONARQUIA FOI DERRUBADA SEM QUE NINGUÉM PEGASSE EM ARMAS PARA DEFENDÊ-LA?


Troca simples de poder, ou movimento ideológico? Será que o Brasil estava preparado para ser República? Afinal, que fatos levaram à queda da Monarquia?
A Professora Emília Viotti da Costa, referência na historiografia brasileira, autora de livros como A Abolição; Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue;Da Monarquia à República - Momentos Decisivos, costuma resgatar em seus artigos e pesquisas a memória e os discursos que ficaram à margem da sociedade.
Confira abaixo o que ela pensa sobre os acontecimentos que levaram à Proclamação da República:
"A Proclamação da República não resultou de uma revolução, mas de um golpe militar. Isso não quer dizer que não tenha havido um conteúdo ideológico no golpe. Este, no entanto, foi produto da ação de homens pertencentes às classes média e alta, pequenos comerciantes, advogados, jornalistas, professores, médicos, alguns fazendeiros progressistas e oficias do Exército que adotaram idéias republicanas, filiaram -se ao partido republicano e empenharam-se desde sua fundação, nos anos 70, em fazer críticas à Monarquia e propor em seu lugar um regime republicano. Apesar dos seus esforços, no entanto, a República resultou não de um movimento popular, mas de uma conspiração entre uma minoria de republicanos civis e militares.
Para se entender as razões que moveram esse punhado de homens a derrubar a Monarquia não basta referirmos a suas idéias republicanas. É preciso explicar por que essas idéias, presentes no Brasil antes mesmo da Independência, só então se concretizaram. Por que a Monarquia foi derrubada sem que ninguém pegasse em armas para defendê-la? As respostas a essas questões encontram-se na falta de flexibilidade e adaptabilidade do sistema político existente em face das mudanças profundas que ocorreram no país no decorrer do século XIX e o desgaste da Monarquia.
A Monarquia sempre fora uma anomalia na América. Todos os demais países adotaram o regime republicano por ocasião da Independência. Circunstâncias históricas excepcionais: a invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas e a transferência da Corte portuguesa para o Brasil em 18O8, a Revolução Constitucionalista do Porto, anos mais tarde, forçando a volta de D. João VI a Portugal, ficando em seu lugar o Príncipe D. Pedro fizeram com que o Brasil seguisse um caminho diverso dos demais países da América. Embora houvesse republicanos no Brasil, como demonstravam os movimentos em prol da Independência tais como a Inconfidência Mineira, a Revolução de 1817, e as sublevações que ocorreram mais tarde durante o período regencial, os monarquistas levaram a melhor e, com a ajuda do príncipe regente, instituíram o regime monárquico, que duraria até 1889.
Quando Pedro I renunciou à coroa e deixou o filho de cinco anos como seu sucessor, os políticos de então tiveram a oportunidade de estabelecer uma república, mas preferiram manter a Monarquia e governar em nome do jovem imperador. Quando este chegou aos 14 anos, no entanto, apressaram-se em conceder-lhe prematuramente maioridade, na expectativa de que sua presença na chefia do estado viesse a pôr fim à instabilidade política que existia no país. A partir de então, Pedro II tornou-se Imperador, embora o clima de insatisfação e faccionalismo continuasse. Somente a partir de 1848, com a derrota dos praieiros, a Monarquia se consolidou no país.
Criou-se um regime altamente centralizado, elitista, e oligárquico, um sistema bicameral, com um senado vitalício e uma câmara renovável periodicamente. O regime era pouco representativo. Apenas uma minoria possuía o direito de voto. Ficaram excluídos os escravos, as mulheres e a maioria dos trabalhadores e todos os que não possuíam renda mínima estabelecida por lei. As eleições eram indiretas, isto é, os votantes qualificados como tal escolhiam os eleitores e estes votavam nos candidatos. O resultado é que durante todo o Império o corpo eleitoral correspondia a uma porcentagem mínima da população. Além disso, a fraude eleitoral era generalizada. Pela carta constitucional outorgada por Pedro I após a dissolução da Assembléia Constituinte, o Imperador possuía o Poder Executivo e o Poder Moderador que além de outras atribuições permitia a ele interferir no Poder Legislativo, dissolvendo a câmara e convocando novas eleições. Dois partidos: o conservador e o liberal alternavam-se no poder, dependendo dos resultados eleitorais. Entretanto, quando o Imperador usava do Poder Moderador convocando novas eleições e estas resultavam na queda do partido que estava no poder e na vitória da oposição, os primeiros queixavam-se da interferência do Imperador. Através desse processo o Imperador atraiu muitos inimigos e a Monarquia desmoralizou-se.
A existência de um Conselho de Estado também vitalício e nomeado pelo imperador, com o objetivo de assessorá-lo em questões vitais para a nação, também criou resistências. Dessa forma, a organização política vigente no Império levava a um desgaste inevitável do imperador e da Monarquia. Já nos fins da década de 70 começaram os ataques ao regime e o partido republicano foi criado.
A Guerra com o Paraguai contribuiu ainda mais para desgastar o governo e irritar as forças armadas, que sofreram sérias perdas, sentiram o seu despreparo e se ressentiram da interferência dos políticos civis. O positivismo e o republicanismo cresceram entre os militares. Ao mesmo tempo, a interferência do governo na vida eclesiástica e religiosa, em virtude do direito que lhe fora conferido pela constituição, fez multiplicar os conflitos com a Igreja, base natural da Monarquia. Ao mesmo tempo, levas de imigrantes protestantes que chegavam ao país constituíam um desafio aos privilégios da Igreja Católica que até então monopolizava a educação, presidia os casamentos e controlava os cemitérios. Crescia o número daqueles que desejavam a separação entre Igreja e Estado. O número de descontentes aumentava.
O desenvolvimento econômico do país criava novas oportunidades de investimento na construção de estradas de ferro, nas indústrias, no comércio interno, no sistema bancário, nas companhias de seguros. No entanto, apesar das reformas eleitorais, a fraude eleitoral e a falta de representatividade continuavam. Estas somadas à vitaliciedade do Senado e ao Conselho de Estado garantiam a sobrevivência das oligarquias tradicionais dificultando a renovação dos grupos dominantes mantendo marginalizada a maioria das classes subalternas. O desequilíbrio entre o poder econômico e político e os conflitos de interesse entre as províncias alimentava o número dos que condenavam a excessiva centralização e almejavam a federação.
Foi dentro desse clima de descontentamento crescente que o movimento abolicionista e as idéias republicanas ganharam expressão política. Conquistada a abolição só restava dar o golpe final à Monarquia, que se revelou incapaz de realizar as reformas almejadas.
Proclamada a República aboliu-se a vitaliciedade do senado, eliminou-se o Conselho de Estado, decretou-se a separação da Igreja e do Estado, adotou-se o regime federativo e instituiu-se o sufrágio universal, excluindo, no entanto, as mulheres do direito de voto. Aboliram-se os títulos de nobreza. A família real foi exilada.
A fraude eleitoral e o domínio das oligarquias persistiram. Para muitos a República foi um desapontamento. "Essa não era a república de meus sonhos", expressão atribuída a um republicano, simboliza a situação em que se acharam todos aqueles que almejavam uma República mais inclusiva e democrática."
por: Emília Viotti da Costa

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