"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 7 de novembro de 2010

Viva a Monarquia Republicana

A Revista Veja fez uma edição simulada do dia 20 de novembro de 1888, corrigindo três artigos publicados 5 dias após a queda da Monarquia. Excelente idéia!

Eram testemunhas oculares da História contando-a no exato momento em que ela acontecia.

Interessante ver como se misturam idéias legítimas e (pré)-conceitos absurdos. A grande tragédia do ser humano é não saber distinguir o absurdo do legítimo no calor da hora, quando tudo acontece no momento presente. São necessárias décadas de distanciamento para descobrir a "verdade verdadeira", e aí geralmente já é tarde demais para consertar os sonhos "mal sonhados", para descobrir que antes éramos mais felizes e não sabíamos.

Os antigos gregos tinham consciência da deficiência da razão humana e, quando o assunto era futuro, procuravam os conselhos de Apolo no Oráculo de Delfos. Criaram a 1ª democracia do mundo e o milagre da cultura grega, estudada e admirada até hoje. Depois do Iluminismo passamos a fazer uso apenas da Razão, instrumento fascinante, mas infelizmente limitado, como Pascal já advertira a Descartes, mas ninguém deu bola.


Tentei extrair o mais relevante dos três artigos publicados em 20 de outubro de 1889. Darei ao final o link para a íntegra dos três, para quem tiver interesse.


"O Brasil acordou monarquista na sexta-feira passada e foi dormir republicano. Jamais houve na História do país uma ruptura política tão inesperada. Na véspera, ninguém poderia prever que o reinado viria abaixo... D. Pedro lI, detido no palácio imperial do Rio de Janeiro, escrevia a carta em que acatava a ordem de exilar-se:

"Cedendo ao império das circunstâncias, resolvo partir com toda a minha família para a Europa amanhã"...Por mais que alguns republicanos agora queiram provar que a monarquia caía de podre, que a República era um anseio popular e que o movimento pela sua proclamação estava organizado até os íntimos detalhes, os fatos foram bem diferentes.

O imperador e a princesa Isabel eram respeitados e admirados pela gente humilde, que no ano passado deixou de ser escrava. O Partido Republicano conseguiu eleger apenas dois deputados nas eleições de agosto, e, nas ruas, as simpatias que conseguia angariar eram episódicas e pouco eficazes. Quanto à organização das forças que derrubaram de supetão a monarquia na sexta-feira passada, elas lembravam mais uma geringonça andando aos solavancos que um trem bem azeitado.

O dia 15 foi repleto de lances de confusão, de líderes que deram shows de hesitação (a começar por Deodoro), de liderados que acreditaram em boatos e saíram de quartéis pensando que estavam apenas derrubando o ministério. É quase um milagre que a República tenha sido proclamada na sexta-feira passada.


E, no entanto, o Brasil não só acordou imperial e dormiu republicano como, pelo menos até agora, não há indícios em qualquer canto do país de movimentos significativos de restauração monárquica. Caiu o Império praticamente sem sangue... Caiu porque, ao longo dos últimos anos, a monarquia se embaralhou ao jogar com três problemas que de chofre lhe desabaram sobre a cabeça na sexta-feira, fazendo com que a coroa rolasse pelo chão.

Os problemas que enredaram o Império foram:

1) Abolição da Escravatura,
2)o centralismo econômico-administrativo e
3)a indisciplina militar.

As duas leis anteriores (Ventre Livre, Sexagenário) tinham embutidos mecanismos de indenização aos proprietários de escravos. Com a Lei Áurea, a princesa Isabel radicalizou. Ela expropriou os donos de escravos, que se viram privados de suas propriedades sem receber nada em troca. Essa violência contra escravocratas (sic!) não ocorreu em país nenhum do mundo.

Ou melhor, a libertação de escravos sem indenização só aconteceu nos Estados Unidos, mas numa situação particular: os Estados do norte decretaram a abolição em 1863 para atacar os escravocratas do sul do país, no quadro da guerra civil iniciada dois anos antes.


O Império não deu a indenização aos senhores de escravos por motivos econômicos. "O Brasil não é bastante rico para apagar o seu crime", explicou o abolicionista e monarquista Joaquim Nabuco.

Ou seja, o Império não tinha dinheiro em caixa para pagar as indenizações aos mais de 200.000 donos dos 700.000 escravos libertados no ano passado. Com isso, a monarquia perdeu sua base de apoio mais sólida, a dos fazendeiros, que se sentiram roubados.


(2) "O centralismo do Império deu bons resultados enquanto a Província do Rio de Janeiro foi o pólo mais dinâmico da economia nacional. Na medida em que a cafeicultura perdeu força no Rio, principalmente devido à exaustão dos solos, e começa a florescer no centro-oeste do país, inicia-se a grita federalista...".


(3)" A guerra do Paraguai fez com que surgisse, através de promoções rápidas e sucessivas, uma nova geração de altos oficiais... Fez, em suma, com que o Exército se tornasse mais corporativista, achando que, por ter ganhado a guerra, a nação lhe devia algo... Os oficiais começaram a protestar a respeito de tudo, a se imiscuir em assuntos que não lhes diziam respeito, a descumprir ordens do Ministério da Guerra e do governo.


"... Paradoxalmente, a princesa é benquista pela massa do povo brasileiro, principalmente por aqueles que no ano passado foram libertados da escravidão. Tanto é assim, que multidões enormes se reuniram para ovacioná-la no Rio de Janeiro nos dias que se seguiram ao 13 de maio do ano passado. Mas a política brasileira, tal como era feita no Império recém-destronado, não se fazia com o povo. Era assunto de elite, de bacharéis e barões - de gente com renda o suficiente para poder votar."


O Brasil entra numa nova era, a da República, um regime que permite a ampliação da cidadania, a participação popular, a democracia. O governo provisório tem muitos ministros de talento, mas os problemas imediatos que terão de resolver são graves, são os mesmos que embaralharam o Império: o da indenização pela abolição, o da autonomia das províncias e o da anarquia militar..."


Parece evidente a busca por uma "CONJUNÇÃO DE FATORES". Hoje, mais de 100 anos, vemos que o grande problema foi a realmente a Abolição. Centralismo X separatismo e indisciplina militar são problemas com que se depararam inúmeros países desde sempre. Mas no nosso caso, a mentalidade era tal que a Abolição foi citada como "VIOLÊNCIA CONTRA OS ESCRAVOCRATAS", não só pela alforria em si, mas pela falta de indenização pecuniária.

O Império lhes roubara uma "propriedade". Não conseguiam distinguir o ser humano aviltado ao seu mais baixo grau, que era o escravo, do conceito de "PROPRIEDADE", sem se lembrar de que deveria bastar o lucro incalculável que aqui auferiram de seu trabalho por 400 anos; mas não bastava.

Nada basta a um ser humano que julga legítimo escravizar seu semelhante. A Princesa Isabel, resoluta, e nada ingênua disse: "Talvez seja devido a essa lei que estejamos indo para o estrangeiro, mas se as coisas fossem repostas, não hesitaria em assiná-la novamente", enquanto indicava a mesa na qual havia mandado gravar no mármore a data de 13 de maio de 1888..."


Imagine se ainda lhe dessem tempo para implementar a Lei de Indenização aos escravos...! Que absurdo! Indenizar o escravo e não o escravocrata! Talvez isso tivesse criado novos receios. A República não revogaria a Lei Áurea, que era fato consumado, mas a "radical" Princesa Isabel, única personalidade brasileira a receber a "Rosa de Ouro" do papa, poderia levaria seu apoio aos escravos recém-libertos só Deus sabe aonde!


O primeiro articulista terminou seu artigo em tom mais preocupado que os outros dois, claramente republicanos convictos, que finalizam os seus em tom bem mais jubiloso:


- "...Estamos em presença de um esboço rude, incompleto, completamente amorfo. Não é tudo, mas é muito". O Brasil apenas adentrou na era republicana, que pode trazer grandes benefícios para o país em matéria de desenvolvimento e liberdade. O que se fez na sexta-feira passada foi subir um degrau marcante para se entrar na grande era."


- "... O império findou sem que ninguém o defendesse ou chorasse. Acabou porque era uma forma de governo anacrônica, exaurida, incapaz de oferecer perspectivas de melhorar ao país, ampliando os direitos dos cidadãos. Agora, é a hora da República - do regime que pode democratizar o Brasil."


Interessante...: "a República pode trazer grandes benefícios para o país em matéria de ...liberdade"..."República – regime que pode democratizar o Brasil!"


Não consultavam oráculos, como os gregos. Usavam apenas a razão, que nada previu das décadas seguintes: os golpes, as revoltas populares, Floriano, o "Marechal de Ferro", o Estado Novo e sua polícia secreta, as ditaduras militares com O DOI-CODI, a censura à imprensa, a luta armada e a tortura, todos os escândalos de corrupção.

Os mais ferrenhos inimigos de D. Pedro II nunca lhe acusaram de ditador, torturador, ou corrupto. As críticas de então nos parecem hoje quase infantis: D. Pedro II prefere ler revistas científicas e escrever sonetos a dedicar-se aos assuntos de Estado. Ah, fossem apenas esses os defeitos de nossos governantes atuais...


O Brasil levaria quase nove décadas para retomar a normalidade e a estabilidade democrática, ainda assim em meio a uma gravíssima crise financeira, e menosprezado por estar entre os países com pior distribuição de renda do mundo e por sua "corrupção endêmica" (análise dos americanos creio eu)


Hoje, o povo, de tão desiludido, elegeu Tiririca. Se soubessem das pueris críticas republicanas de então, não entenderiam nada. Que tem demais o Imperador gostar de estudos científicos e poesia? Os antigos romanos, muito mais espertos, respeitaram o erudito Marco Aurélio, o Imperador-Filósofo, que faleceu durante uma expedição militar. Seus restos foram trazidos de volta a Roma e depositados num mausoléu. Por outro lado, acharam mais acertado assassinar os ditatoriais Nero e Calígula.


Quando os brasileiros resolveram, em ato de respeito e reverência, transladar restos mortais de D. Pedro II para Petrópolis em 1925, era tarde demais. A deusa Razão já substituíra um Império de 1º Mundo por uma Republiqueta de Terceiro.


VEJA NA HISTÓRIA - EDIÇÃO ESPECIAL REPÚBLICA

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