"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 17 de junho de 2008

O Principe Perfeito



D. Luiz Maria, segundo filho da Princesa Isabel e do Conde d’Eu, foi sem dúvida o mais ilustre dos netos do Imperador.

Personalidade complexa, ao mesmo tempo intelectual e homem de ação, escritor e sportsman, constituiu o tipo do viajante interessado em tudo que lhe pudesse aumentar a experiência de estudioso de ciências sociais.

Provam-no os livros que publicou, relatando as suas impressões da África, da Índia e da América do Sul, sem falar nas notas ainda inéditas sobre os Estados Unidos, o Extremo Oriente, o Egito.

Inteligente e culto, afável, insinuante, de larga visão e idéias avançadas, as qualidades de Dom Luiz criavam uma aura de simpatia em torno do seu nome, de que apenas conseguiam se esquivar os mais ferrenhos opositores.

D. Luiz publicou, ainda em vida: Dans les Alpes (1901) e Tour d’Afrique (1902), obras que lhe valeram o ingresso no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: À travers l’Indo-Kush (1906), premiado pela Academia Francesa e pela Societé de Géographie de France; Sous la Croix-du-Sud (1912), traduzido para o português por ele mesmo, com a colaboração de Simplício de Mello Resende, em 1913 (Sob o Cruzeiro do Sul). Postumamente ainda saiu seu Journal de Guerre (separata da “Revista do Livro”, Rio de Janeiro, março de 1960).

O "programa" da Restauração, divulgado em 1909, já contemplava a manutenção da Federação (embora menos ampla) e da separação entre a Igreja e o Estado. A Questão Social, ao contrário da prática dos governos da "República Velha", também mereceu sua atenção. O Manifesto influenciou na elaboração da Constituição de 1934, cujo texto reflete algumas destas propostas.


MANIFESTO MONARQUISTA DE D. LUIZ MARIA DE ORLEANS E BRAGANÇA (1909)


Senhores Membros do Diretório Monarquista.

A renúncia do meu irmão Pedro a seus direitos de primogenitura, a posição de Príncipe Imperial, em que ela me coloca, e a autorização que me deu minha mãe de entender-me diretamente com os Senhores incitam-me a manifestar-lhes minha opinião sobre o programa político que me parece mais conveniente adotar para a realização do fim que almejamos.

Vinte anos, quase de crises da máxima intensidade e das dolorosas conseqüências para o prestígio do País e o bem-estar dos seus habitantes, o adiantamento da solução dos problemas cuja definitiva realização mais importa ao desenvolvimento da vida nacional, o enfraquecimento dos laços de coesão do Brasil, título de glória do regime imperial, a oligarquia que campeia desenfreadamente pelos Estados, a paralisação das indústrias nacionais ou a fictícia prosperidade das que mantêm pelo sistema nefasto de um protecionismo que encarece e dificulta a vida, bem mostram que não é o mais conveniente nem proveitoso para o Brasil o regime imposto a 15 de novembro de 1889.

O progresso seguro e persistente que a Nação apresentou entre a sua independência e a hora em que desapareceu o Império, demonstraria que a mais favorável das formas de governo para ela, era a que lhe permitiu um frutuoso e pacífico progredir em tão largo período de fecundas evoluções; mas, assim como ao benéfico regime com que se tornou benemérito o Sr. D. João VI foi mister substituir o da Constituição Imperial e do ato adicional, quando as condições da existência do País foram outras, também agora uma restauração monárquica conservando as linhas gerais daquelas duas cartas constitucionais deverá atender a circunstâncias novas que tornam forçosas modificações na estrutura das instituições políticas brasileiras.

I. Assim julgo que a Federação, já perfilhada aliás no programa do último Ministério Imperial, deverá ser mantida, não na tendência à completa autonomia atual, mas no sentido de garantir o livre desenvolvimento econômico de cada Estado da União Brasileira.

Homogêneo, unido, poderoso e forte perante o estrangeiro, pode o Brasil permitir que cada região do seu vasto território, na sua administração e política interna, atue como mais acertado seja para o florescer dos seus recursos, de acordo com as indicações do seu solo e produção.

Isto não quer dizer que o sistema atual não careça de modificações: assim, é que, a autonomia dos Municípios não pode ser a que aí está, municípios há que já agravaram gerações futuras, por meio século talvez, com empréstimos exorbitantes, dilapidados, sem deixarem frutos que remanesçam.
É indispensável que a vida econômica dos municípios anda de acordo com a do mandato da respectiva câmara. Não é autonomia a liberdade dada aos vereadores de hoje, de acorrentar como cativos os seus conterrâneos, inibidos de outra atividade que não seja pagar dívidas e mais dívidas sem meios no orçamento para obras novas e às vezes sem sobras que facilitem a conservação das obras passadas, mal empreendidas.

II. Paralelamente a essa Federação e como meio de atenuar inconvenientes da diminuição da influência direta da ação governamental do Centro e para maior prestígio, força e segurança do País, deverá a restauração dedicar especial carinho ao principal traço de união entre a sede da Federação e os Estados, isto é, a constituição de um exército e de uma marinha proporcionais à população de seu vasto território e às suas dilatadas costas marítimas e fluviais. Para nobilitar estas instituições é indispensável que a Monarquia galardoe os serviços militares com títulos de nobreza e distinções honoríficas, coisas que falam acima de tudo ao patriotismo das classes armadas.

É necessário também que sejam garantidos aos militares o bem-estar e a consideração que lhes competem assim como certeza de não serem olvidados os serviços prestados. Enfim, os príncipes da casa reinante deverão pertencer, efetivamente, ao Exército ou à Marinha, incitando por seu exemplo os moços à nobre carreira das armas.

III. A instrução deverá ser obrigatória, completamente livre, sujeita à fiscalização do Governo só no que diz respeito aos exames. A liberdade de ensino e a autonomia que a tal respeito compete aos pais de família são a conseqüência forçada do respeito à liberdade essencial.



IV. É absolutamente indispensável que a justiça seja unitária e independente. Uma das chagas mais vivas da República é, sem dúvida, a péssima justiça que hoje existe no Brasil; contra seus desmandos não há recursos dentro das malhas da organização da magistratura dupla que o novo regime adotou.

A diversidade do processo vai também, pouco a pouco, tornando diverso o direito; daqui a pouco, ser-nos-á difícil dizer "o direito brasileiro" mas teremos de especificar o direito paulista, o direito mineiro etc.

É por aí que se está quebrando um dos mais fortes vínculos de coesão nacional. Magistratura e processo unos: pois, idêntico o direito e semelhantes os hábitos e necessidades dos brasileiros, admissível não é que diversas sejam as garantias e regras de viver nas diferentes circunscrições do País.

V. A viação pública bem ampliada é não só melhor fomento da indústria e da agricultura, mas também o principal fator do progresso, nas regiões do nosso tão abandonado sertão. Aonde não puderem chegar as ferrovias, que cheguem ao menos as estradas de rodagem, de modo que não haja terras ínvias.

Até aos últimos recantos do País se espalharão então a instrução primária e a catequese. Aliás, a resolução deste magno problema já foi encarada com todo carinho pelos governos do meu saudoso avô. Basta ver-se o que diz a esse respeito o Sr. Ministro Calmon du Pin e Almeida, no seu último relatório:

"A viação férrea, depois de ter recebido considerável impulso no decênio que precedeu à proclamação da República, conservou-se, nos últimos anos mais ou menos estacionária, em conseqüência, sem dúvida, da crise financeira que nos oprimia. O diagrama junto ao relatório mostra-nos que o período de mais atividade na construção das estradas de ferro foi decorrido de 1882 e 1888, em que a média anual atingiu 800 quilômetros; no último qüinqüênio (o mais fecundo), esta foi a 400 km de estradas, mas só foram entregues ao tráfego 439 km."

(Jornal do Commercio, 13 de setembro de 1908).

VI. Um dos fatores mais importantes do desenvolvimento de um país foi sempre a expansão de seu comércio e da sua indústria. Neste sentido convém que sejam dadas à iniciativa individual as maiores facilidades e garantias.

A ação do Governo deve limitar-se a regularizar a situação econômica, por um protecionismo moderado e variável com as necessidades do momento, devendo também ser defendido o consumidor; a fazer tratados de comércio com as principais nações importadoras e a estabelecer prêmios de exportação, quando a situação das finanças o permitir.

VII. Nem deverá a Monarquia esquecer-se dos grandes problemas que precisam de uma solução na sociedade moderna. Fomentar a aliança do capital e do trabalho por leis similares, porém adaptadas a nossas condições econômicas, as das grandes monarquias européias, tais como Alemanha, Inglaterra e Itália, dissipar por esse meio as desconfianças que hoje existem entre as duas classes produtoras, garantir o trabalho dos operários, o trabalho e o capital dos patrões, são reformas essas que o governo de forma monárquica muito melhor do que qualquer outro pode encarar: pois, estável a detenção do poder em uma família, o chefe do Estado não precisa cortejar o voto do proletário, nem pedir auxílio dos ricos para as campanhas eleitorais.

VIII. Ressalvada a separação da Igreja e do Estado, mas sendo a grande maioria da Nação católica, assim como a família reinante, é de necessidade um novo ajuste com a Santa Sé, para a regularização dos negócios de recíproco interesse, não sendo o menos importante a catequese dos índios, serviço de que só é capaz, com eficácia, a caridade inextinguível das ordens religiosas.

Não deve ser excluído em absoluto dos estabelecimentos públicos o ensino da religião, base mais segura da moral e conforto principal nos sofrimentos desta vida. Neste ponto, como em outros, devem prevalecer os votos dos pais de família.

IX. O Conselho de Estado, tão injustamente criticado outrora, deve ser restabelecido.

O caráter vitalício de seus membros, assegurando a permanência de representantes dos diversos partidos políticos, constitui uma garantia da imparcialidade, tão necessária; e as luzes aí reunidas são para a coroa valiosas na decisão das questões mais importantes, quer de política internacional, quer de política interior ou administração.

X. O Senado seja vitalício, como outrora, mas com certos aperfeiçoamentos, que lhe dêem a maior estabilidade; um terço, por exemplo, de seus membros seja de nomeação da coroa. É um modo justo de galardoar com posição eminente os homens que nunca militam na política, como generais, magistrados, industriais etc., e que, por suas luzes e prestígio, serão ornamento dessa assembléia e daí poderão prestar ao País inestimáveis serviços.

XI. Devem ser estabelecidas as ordens honoríficas, mediante as quais se assinalam e recompensam serviços públicos relevantes e se enaltecem de um modo bem acentuado as virtudes exemplares de certas famílias.

A Monarquia precisa de recompensar nos filhos os méritos dos pais a quem a morte levou sem o devido galardão e como ela virá para cuidar do futuro e não para tomar contas do passado, não terá culpados que punir, antes terá beneméritos que premiar, ainda dentre os que, escutando simplesmente a voz do patriotismo, deram o seu auxílio à República, e prestaram relevantes serviços à Nação.

Em resumo: a grande e, por assim dizer, única preocupação do regime imperial deve ser e será o desenvolvimento moral, intelectual e material do País. Queremos um Brasil grande, forte e próspero, queremos que na nossa Pátria regenerada tornem a desabrochar-se as grandes virtudes que fizeram a glória do reinado de meu avô: a honestidade, o desinteresse, a justiça e a imparcialidade.

Para que o governo seja o que deve ser, é preciso que seus órgãos tenham cada qual seu papel bem definido. Limite-se o Executivo a suas atribuições naturais: diplomacia, defesa interna e externa do País, assuntos de interesse geral da União.

Os corpos legislativos contentem-se com ser, como seu nome indica, as assembléias majestosas em que elaborem leis de maior proveito para a Nação.

O poder judiciário, respeitada sua justa independência, não tenha senão uma preocupação: distribuir completa e igual justiça a todos. Enfim, a mais ampla liberdade eleitoral, o respeito do direito das minorias, a formação de partidos bem definidos, superiores às mesquinhas questões de interesse individual, devem ser artigos irredutíveis do nosso programa, resumido nestas duas palavras: pouca política, boa administração. Deste modo tornaremos a fazer do Brasil o que já foi: um Brasil onde se consorciem a ordem com a liberdade, o capital com o trabalho, o progresso com a probidade, e o respeito ao governo com a inviolabilidade de todos os direitos garantidos pela Constituição.

Deus nos preste seu auxílio.


Luiz de Bragança

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