D. Luiz Maria, segundo filho da Princesa Isabel e do Conde d’Eu,
foi sem dúvida o mais ilustre dos netos do Imperador.
Personalidade complexa, ao mesmo tempo intelectual e homem
de ação, escritor e sportsman, constituiu o tipo do viajante interessado em
tudo que lhe pudesse aumentar a experiência de estudioso de ciências sociais.
Provam-no os livros que publicou, relatando as suas
impressões da África, da Índia e da América do Sul, sem falar nas notas ainda
inéditas sobre os Estados Unidos, o Extremo Oriente, o Egito.
Inteligente e culto, afável, insinuante, de larga visão e
idéias avançadas, as qualidades de Dom Luiz criavam uma aura de simpatia em
torno do seu nome, de que apenas conseguiam se esquivar os mais ferrenhos
opositores.
D. Luiz publicou, ainda em vida: Dans les Alpes (1901) e
Tour d’Afrique (1902), obras que lhe valeram o ingresso no Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro: À travers l’Indo-Kush (1906), premiado pela Academia
Francesa e pela Societé de Géographie de France; Sous la Croix-du-Sud (1912),
traduzido para o português por ele mesmo, com a colaboração de Simplício de
Mello Resende, em 1913 (Sob o Cruzeiro do Sul). Postumamente ainda saiu seu
Journal de Guerre (separata da “Revista do Livro”, Rio de Janeiro, março de
1960).
O "programa" da Restauração, divulgado em 1909, já
contemplava a manutenção da Federação (embora menos ampla) e da separação entre
a Igreja e o Estado. A Questão Social, ao contrário da prática dos governos da
"República Velha", também mereceu sua atenção. O Manifesto influenciou
na elaboração da Constituição de 1934, cujo texto reflete algumas destas
propostas.
MANIFESTO MONARQUISTA DE D. LUIZ MARIA DE ORLEANS E BRAGANÇA (1909)
Senhores Membros do Diretório Monarquista.
A renúncia do meu irmão Pedro a seus direitos de primogenitura,
a posição de Príncipe Imperial, em que ela me coloca, e a autorização que me
deu minha mãe de entender-me diretamente com os Senhores incitam-me a
manifestar-lhes minha opinião sobre o programa político que me parece mais
conveniente adotar para a realização do fim que almejamos.
Vinte anos, quase de crises da máxima intensidade e das
dolorosas conseqüências para o prestígio do País e o bem-estar dos seus
habitantes, o adiantamento da solução dos problemas cuja definitiva realização
mais importa ao desenvolvimento da vida nacional, o enfraquecimento dos laços
de coesão do Brasil, título de glória do regime imperial, a oligarquia que
campeia desenfreadamente pelos Estados, a paralisação das indústrias nacionais
ou a fictícia prosperidade das que mantêm pelo sistema nefasto de um protecionismo
que encarece e dificulta a vida, bem mostram que não é o mais conveniente nem
proveitoso para o Brasil o regime imposto a 15 de novembro de 1889.
O progresso seguro e persistente que a Nação apresentou
entre a sua independência e a hora em que desapareceu o Império, demonstraria
que a mais favorável das formas de governo para ela, era a que lhe permitiu um
frutuoso e pacífico progredir em tão largo período de fecundas evoluções; mas,
assim como ao benéfico regime com que se tornou benemérito o Sr. D. João VI foi
mister substituir o da Constituição Imperial e do ato adicional, quando as
condições da existência do País foram outras, também agora uma restauração
monárquica conservando as linhas gerais daquelas duas cartas constitucionais
deverá atender a circunstâncias novas que tornam forçosas modificações na
estrutura das instituições políticas brasileiras.
I. Assim julgo que a Federação, já perfilhada aliás no
programa do último Ministério Imperial, deverá ser mantida, não na tendência à
completa autonomia atual, mas no sentido de garantir o livre desenvolvimento
econômico de cada Estado da União Brasileira.
Homogêneo, unido, poderoso e forte perante o estrangeiro,
pode o Brasil permitir que cada região do seu vasto território, na sua administração
e política interna, atue como mais acertado seja para o florescer dos seus
recursos, de acordo com as indicações do seu solo e produção.
Isto não quer dizer que o sistema atual não careça de
modificações: assim, é que, a autonomia dos Municípios não pode ser a que aí
está, municípios há que já agravaram gerações futuras, por meio século talvez,
com empréstimos exorbitantes, dilapidados, sem deixarem frutos que remanesçam.
É indispensável que a vida econômica dos municípios anda de
acordo com a do mandato da respectiva câmara. Não é autonomia a liberdade dada
aos vereadores de hoje, de acorrentar como cativos os seus conterrâneos,
inibidos de outra atividade que não seja pagar dívidas e mais dívidas sem meios
no orçamento para obras novas e às vezes sem sobras que facilitem a conservação
das obras passadas, mal empreendidas.
II. Paralelamente a essa Federação e como meio de atenuar
inconvenientes da diminuição da influência direta da ação governamental do
Centro e para maior prestígio, força e segurança do País, deverá a restauração
dedicar especial carinho ao principal traço de união entre a sede da Federação
e os Estados, isto é, a constituição de um exército e de uma marinha
proporcionais à população de seu vasto território e às suas dilatadas costas
marítimas e fluviais. Para nobilitar estas instituições é indispensável que a
Monarquia galardoe os serviços militares com títulos de nobreza e distinções
honoríficas, coisas que falam acima de tudo ao patriotismo das classes armadas.
É necessário também que sejam garantidos aos militares o
bem-estar e a consideração que lhes competem assim como certeza de não serem
olvidados os serviços prestados. Enfim, os príncipes da casa reinante deverão
pertencer, efetivamente, ao Exército ou à Marinha, incitando por seu exemplo os
moços à nobre carreira das armas.
III. A instrução deverá ser obrigatória, completamente
livre, sujeita à fiscalização do Governo só no que diz respeito aos exames. A
liberdade de ensino e a autonomia que a tal respeito compete aos pais de
família são a conseqüência forçada do respeito à liberdade essencial.
IV. É absolutamente indispensável que a justiça seja
unitária e independente. Uma das chagas mais vivas da República é, sem dúvida,
a péssima justiça que hoje existe no Brasil; contra seus desmandos não há
recursos dentro das malhas da organização da magistratura dupla que o novo
regime adotou.
A diversidade do processo vai também, pouco a pouco,
tornando diverso o direito; daqui a pouco, ser-nos-á difícil dizer "o
direito brasileiro" mas teremos de especificar o direito paulista, o
direito mineiro etc.
É por aí que se está quebrando um dos mais fortes vínculos
de coesão nacional. Magistratura e processo unos: pois, idêntico o direito e
semelhantes os hábitos e necessidades dos brasileiros, admissível não é que
diversas sejam as garantias e regras de viver nas diferentes circunscrições do
País.
V. A viação pública bem ampliada é não só melhor fomento da
indústria e da agricultura, mas também o principal fator do progresso, nas
regiões do nosso tão abandonado sertão. Aonde não puderem chegar as ferrovias,
que cheguem ao menos as estradas de rodagem, de modo que não haja terras
ínvias.
Até aos últimos recantos do País se espalharão então a
instrução primária e a catequese. Aliás, a resolução deste magno problema já
foi encarada com todo carinho pelos governos do meu saudoso avô. Basta ver-se o
que diz a esse respeito o Sr. Ministro Calmon du Pin e Almeida, no seu último
relatório:
"A viação férrea, depois de ter recebido considerável
impulso no decênio que precedeu à proclamação da República, conservou-se, nos
últimos anos mais ou menos estacionária, em conseqüência, sem dúvida, da crise
financeira que nos oprimia. O diagrama junto ao relatório mostra-nos que o
período de mais atividade na construção das estradas de ferro foi decorrido de
1882 e 1888, em que a média anual atingiu 800 quilômetros; no último qüinqüênio
(o mais fecundo), esta foi a 400 km de estradas, mas só foram entregues ao
tráfego 439 km."
(Jornal do Commercio, 13 de setembro de 1908).
VI. Um dos fatores mais importantes do desenvolvimento de um
país foi sempre a expansão de seu comércio e da sua indústria. Neste sentido
convém que sejam dadas à iniciativa individual as maiores facilidades e
garantias.
A ação do Governo deve limitar-se a regularizar a situação
econômica, por um protecionismo moderado e variável com as necessidades do
momento, devendo também ser defendido o consumidor; a fazer tratados de
comércio com as principais nações importadoras e a estabelecer prêmios de
exportação, quando a situação das finanças o permitir.
VII. Nem deverá a Monarquia esquecer-se dos grandes
problemas que precisam de uma solução na sociedade moderna. Fomentar a aliança
do capital e do trabalho por leis similares, porém adaptadas a nossas condições
econômicas, as das grandes monarquias européias, tais como Alemanha, Inglaterra
e Itália, dissipar por esse meio as desconfianças que hoje existem entre as
duas classes produtoras, garantir o trabalho dos operários, o trabalho e o
capital dos patrões, são reformas essas que o governo de forma monárquica muito
melhor do que qualquer outro pode encarar: pois, estável a detenção do poder em
uma família, o chefe do Estado não precisa cortejar o voto do proletário, nem
pedir auxílio dos ricos para as campanhas eleitorais.
VIII. Ressalvada a separação da Igreja e do Estado, mas
sendo a grande maioria da Nação católica, assim como a família reinante, é de
necessidade um novo ajuste com a Santa Sé, para a regularização dos negócios de
recíproco interesse, não sendo o menos importante a catequese dos índios,
serviço de que só é capaz, com eficácia, a caridade inextinguível das ordens religiosas.
Não deve ser excluído em absoluto dos estabelecimentos
públicos o ensino da religião, base mais segura da moral e conforto principal
nos sofrimentos desta vida. Neste ponto, como em outros, devem prevalecer os
votos dos pais de família.
IX. O Conselho de Estado, tão injustamente criticado
outrora, deve ser restabelecido.
O caráter vitalício de seus membros, assegurando a
permanência de representantes dos diversos partidos políticos, constitui uma
garantia da imparcialidade, tão necessária; e as luzes aí reunidas são para a
coroa valiosas na decisão das questões mais importantes, quer de política
internacional, quer de política interior ou administração.
X. O Senado seja vitalício, como outrora, mas com certos
aperfeiçoamentos, que lhe dêem a maior estabilidade; um terço, por exemplo, de
seus membros seja de nomeação da coroa. É um modo justo de galardoar com
posição eminente os homens que nunca militam na política, como generais,
magistrados, industriais etc., e que, por suas luzes e prestígio, serão
ornamento dessa assembléia e daí poderão prestar ao País inestimáveis serviços.
XI. Devem ser estabelecidas as ordens honoríficas, mediante
as quais se assinalam e recompensam serviços públicos relevantes e se enaltecem
de um modo bem acentuado as virtudes exemplares de certas famílias.
A Monarquia precisa de recompensar nos filhos os méritos dos
pais a quem a morte levou sem o devido galardão e como ela virá para cuidar do
futuro e não para tomar contas do passado, não terá culpados que punir, antes
terá beneméritos que premiar, ainda dentre os que, escutando simplesmente a voz
do patriotismo, deram o seu auxílio à República, e prestaram relevantes
serviços à Nação.
Em resumo: a grande e, por assim dizer, única preocupação do
regime imperial deve ser e será o desenvolvimento moral, intelectual e material
do País. Queremos um Brasil grande, forte e próspero, queremos que na nossa
Pátria regenerada tornem a desabrochar-se as grandes virtudes que fizeram a
glória do reinado de meu avô: a honestidade, o desinteresse, a justiça e a
imparcialidade.
Para que o governo seja o que deve ser, é preciso que seus
órgãos tenham cada qual seu papel bem definido. Limite-se o Executivo a suas
atribuições naturais: diplomacia, defesa interna e externa do País, assuntos de
interesse geral da União.
Os corpos legislativos contentem-se com ser, como seu nome
indica, as assembléias majestosas em que elaborem leis de maior proveito para a
Nação.
O poder judiciário, respeitada sua justa independência, não
tenha senão uma preocupação: distribuir completa e igual justiça a todos.
Enfim, a mais ampla liberdade eleitoral, o respeito do direito das minorias, a
formação de partidos bem definidos, superiores às mesquinhas questões de
interesse individual, devem ser artigos irredutíveis do nosso programa,
resumido nestas duas palavras: pouca política, boa administração. Deste modo
tornaremos a fazer do Brasil o que já foi: um Brasil onde se consorciem a ordem
com a liberdade, o capital com o trabalho, o progresso com a probidade, e o
respeito ao governo com a inviolabilidade de todos os direitos garantidos pela
Constituição.
Deus nos preste seu auxílio.
Luiz de Bragança
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