"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 22 de maio de 2011

O controle da administração pública no Estado de Direito



Analisa o controle da administração pública pela Corte de Contas, sob os aspectos de forma, momento e fundamentação.


06/mai/2005

É cediço na doutrina que o Estado é constituído da conjunção dos elementos: povo, território e poder, este também denominado soberania, havendo alguns autores que colocam um quarto elemento, a finalidade.

A soberania expressa-se tanto no âmbito externo, em relação aos demais Estados, como internamente. Neste caso, a Administração e os administrados devem respeitar os ditames postos pelas leis, enquanto expressão da democracia calcada em um ordenamento jurídico, caracterizando o jargão: 



“No direito privado é possível fazer tudo aquilo que a lei não proíbe ao passo que no direito público apenas é permitido fazer aquilo que a lei prescreve”.

Entrementes, entende-se que não bastar o atendimento à lei formal para se obter uma conduta administrativa legal, posto incidir sobre a Administração também a lei ética, distinguindo-se o bem do mal, o honesto do desonesto, o justo do injusto, o oportuno do inoportuno, o conveniente do inconveniente.

Nesse diapasão, devemos observar que o Estado de Direito, segundo Canotilho seria: “o Estado que está sujeito ao direito; atua através do direito; positiva as normas jurídicas informadas pela idéia de direito”. Assim, o controle da Administração está fulcrado nas normas elaboradas pelos representantes do povo, estabelecendo tipos e modos de controle de toda atuação administrativa, para a defesa da própria Administração e dos direitos dos administrados.



Etimologia – Conceito

A palavra controle tem origem no latim roulum, em francês rôle, designando o rol dos contribuintes pelo qual se verificava a operação do arrecadador. No direito pátrio, o vocábulo foi introduzido por Seabra Fagundes em sua obra O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário

O saudoso Hely Lopes conceitua controle como: “... a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”. Verifica-se ser o controle exercitável em todos e por todos os Poderes de Estado, Executivo, Legislativo e Judiciário.

Formas de Controle

Embora a doutrina utilize tipos, formas, sistemas de controle sem muita propriedade didática, denotando certa mudança na classificação do controle, segundo vários aspectos, abaixo discorreremos sobre os mais importantes, vejamos:


Quanto ao momento em que são realizados

Controle preventivo ou prévio (a priori) – é aquele verificado antes da realização da despesa, exempli gratia, da liquidação da despesa. Tal modo de controle é o mais antigo, contudo, emperra a máquina administrativa suspendendo a eficácia do ato até sua análise pelo órgão competente.

Controle concomitante – é efetuado durante a realização da despesa. Considerado o mais eficaz, visto poder o ato tido como irregular poderia ser sobrestado durante a sua consecução, evitando, assim, maior dispêndio para o erário. Como ilustração deste tipo de controle, tem-se as auditorias do Tribunal de Contas, a fiscalização de concursos públicos e procedimentos licitatórios, dentre outros.

Controle subseqüente ou corretivo (a posteriori) – é o feito após a realização do ato de despesa. É a forma mais comum, mas também a mais ineficaz, pois verificar as contas de um gestor terminada sua gestão torna a reparação do dano e a restauração do statu quo ante muito difíceis.


Quanto ao fundamento utilizado

Controle hierárquico – decorre da desconcentração administrativa, ou seja, da organização vertical dos órgãos administrativos. Esta modalidade de controle pressupõe faculdades de supervisão, orientação, fiscalização, aprovação e revisão das atividades controladas, disponibilizando meios corretivos para os agentes responsáveis pelo desvio de conduta.

Controle finalístico – é o que verifica o escopo da instituição, perscrutando o enquadramento da instituição no programa de governo e o acompanhamento dos atos de seus dirigentes no desempenho das funções estatutárias, para o atingimento das finalidades da atividade controlada, verbi gratia, o Contrato de Gestão.


Quanto ao aspecto controlado

Controle da legalidade ou legitimidade – decorrente do princípio da legalidade presente no Estado de Direito, objetiva verificar se o ato administrativo está conforme a lei que o regula. Esta modalidade de controle é exercida tanto pela Administração como pelo Legislativo e Judiciário, devendo estes dois últimos, contudo, serem provocados.

Controle de mérito – este avalia não o ato, mas a atividade administrativa de per si, ou seja, o efeito decursivo da prática dos atos administrativos, visando aferir se o administrador público alcançou o resultado pretendido da melhor forma e com menos custos para a Administração.

Controle de resultados – assemelha-se ao controle finalístico supracitado, incidindo nos contratos de gestão.


Segundo a natureza dos organismos controladores

Controle judiciário – encontra respaldo no artigo 5º, XXXV da Lei Fundamental, é exercido pelo Poder Judiciário, observando a legalidade dos atos emanados do Poder Executivo. Vários são os meios postos à disposição do cidadão o exercício deste controle. 



Dentre eles, encontram-se as seguintes ações constitucionais: mandado de segurança coletivo e individual, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, ações de inconstitucionalidade, etc.

Controle administrativo ou executivo – é o exercido por todos os órgãos sobre as suas respectivas administrações, podendo analisar o mérito do ato, visto que o Judiciário só poderá manifestar-se acerca da legalidade, não adentrando a seara da oportunidade e conveniência.

Controle parlamentar – é exercido pelo Poder Legislativo diretamente ou com o auxílio de uma Controladoria ou Tribunal de Contas. O controle direto é albergado no artigo 49, X da Lei Maior, enquanto o indireto está previsto no 70, caput do mesmo Estatuto.


Quanto à instauração do controle

Controle de ofício (ex officio) – é o que se instaura independemente de provocação do administrado ou de qualquer outro órgão pertencente à estrutura do Poder Público. Como exemplo, a análise de contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros públicos.

Controle por provocação ou externo popular - tem assento no artigo 74, § 2o da Lei das Leis. Assim, todo cidadão poderá denunciar as irregularidades ao órgão de controle externo para fins de instauração do devido procedimento.


Segundo a posição do órgão controlador

Controle interno – quando “seu exercício cabe ao mesmo ou outro órgão da mesma administração de que emanou o ato. E já que o órgão controlador tem a mesma natureza daquele que emitiu o ato, verifica-se naturalmente que o controle examina, em regra, o mérito do ato, com um reexame sobre sua conveniência”. 



Este controle tem espeque constitucional no artigo 74, devendo ser um auxiliar do controle externo, atuando como articulador entre as ações administrativas e a análise de legalidade.

Controle externo – é o que se realiza por órgão estranho ao que emanou o ato ou procedimento administrativo, a exemplo daquele realizado pelo Tribunal de Contas, pelo Poder Judiciário e pelo Legislativo.

Do Controle Externo 

A origem dos órgãos de controle remonta à gênese embrionária dos Estados, presentes tais controles já aos tempos do Código Indiano de Manu (século XIII a.C.). É notada também na Antiga China a existência de um órgão fiscalizador da administração financeira, chefiado por um censor, que examinava toda a atividade estatal, inclusive a do rei, algo inimaginável até o período do advento do Estado Moderno, sucessor do Estado Absolutista.

Foi, no entanto, nas Antigas Grécia (logistas) e Roma (questores) que a atividade de fiscalização do Estado recebeu institucionalização, servindo de inspiração para as demais gerações. No período medieval, foram criados órgãos de controle na França e Inglaterra, os Chambres de Comptes e Exchequer, respectivamente, os quais delinearam, grosso modo, os atuais modelos de controle: Tribunais de Contas e Controladorias.

Entre nós, a origem do controle das contas pública deu-se com a vinda da Família Real para o Brasil, pois, em 28 de junho de 1808, o Príncipe Regente D. João VI lavrou alvará criando o Erário Régio e Conselho de Fazenda. Vale observar que o referido controle tomou a feição atual com a iniciativa do pranteado baiano Ruy Barbosa, concomitante à instituição da República, através da criação do Tribunal de Contas da União.

Hodiernamente, os doutrinadores são unânimes ao asseverar não haver país democrático sem a presença de um órgão de controle com a missão de fiscalizar e garantia à sociedade a boa gestão do dinheiro público, à exceção dos pseudos Estados de Direito.

Os estudiosos costumam classificar o controle epigrafado em dois principais sistemas, embora encontremos outras formas. Os dois ramos predominantes na atualidade são as Controladorias e os Tribunais de Contas.

As Controladorias são mais encontradiços nos países de tradição anglo-saxônica, difundida na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos, na República da Irlanda, em Israel, dentre outros. 



Referido controle é formado por um órgão monocrático (Controlador-geral, revisor), designado pelo Parlamento e, perante este responsável, um Ofício Revisional, hierarquicamente subordinado àquele. Este modo de controle de contas públicas observa proficuamente o mérito ou economicidade do ato administrativo.

As Cortes de Contas surgem nos países de tradição latina, tendo notável desenvolvimento na França, por Napoleão em 1807. Este modo caracteriza-se pela marcante presença de um órgão colegiado, possuindo seus membros as mesmas garantias e impedimentos dos membros do Poder Judiciário, a quem compete observar a legalidade dos atos administrativos.

Os Tribunais de Contas e Controladorias tenham o mesmo escopo, ou seja, fiscalizar as contas da Administração Pública, possuem profundas distinções, a saber: 



(a) as Controladorias são órgãos monocráticos, já os Pretórios de Contas são órgãos de decisão coletiva; 


(b) as Controladorias têm avançado sistema de fiscalização, dotadas de competência para análise do mérito do ato administrativo, que, segundo Hely Lopes: 


“... consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feita pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência e oportunidade e justiça do ato a realizar”. 


Já o Colégio de Contas analisa a regularidade e conformidade do ato, como corolário do princípio da legalidade, ou seja, investiga a adequação do ato à norma legal. Todavia, com o advento da Carta de 1988, os Tribunais de Contas viram suas competências ser significativamente ampliadas, pois o caput do artigo 70 do referido diploma legal prevê a apreciação da legalidade, legitimidade, economicidade dos atos administrativos da Administração Direta e Indireta.

No tocante à posição do órgão de controle, ele pode ser vinculado ao Judiciário, Executivo ou Legislativo, sendo esta última a mais encontrada. Contudo, a discussão acerca da posição do órgão controlador até hoje persiste, pois existem defensores para cada posição do referido órgão.

Para os que defendem o vínculo ao Poder Judiciário, entendem dever o órgão de controle passar a integrar o corpo da Magistratura, formando, assim, uma justiça especializada, como é o caso da trabalhista, eleitoral e militar.

A vinculação ao Poder Executivo é hoje opinião minoritária entre as nações, malgrado alguns destes órgãos originarem-se no Executivo, especialmente junto à Fazenda Pública, posição comum nos países de regime ditatorial.

A posição do órgão de controle vinculado ao Legislativo é a adotada em larga escala na maior parte do mundo, inclusive no Brasil. O Tribunal de Contas no Estado Brasileiro exerce o controle externo em auxílio ao Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa Estadual ou Câmara de Vereadores, como órgão autônomo e com competências claramente fixadas pela Constituição, não ocupando posição de subordinação ao Parlamento, mas de colaboração técnica com a respectiva Casa Legislativa.

Cabe abordar a posição de independência e autonomia do órgão de controle externo, no que atine à autonomia administrativa e funcional, à exclusividade de sua competência e à investidura e garantias de seus membros.

Referente à autonomia administrativa e funcional, observa-se constituir pré-requisito para o funcionamento adequado dos órgãos de controle e, sem esse componente, os Tribunais de Contas tornam-se meros departamentos submetidos ao interesse do Governo, portanto, incapazes de fiscalizá-lo.

A exclusividade de competência é facilmente encontrada na maioria dos países que possuem um desenvolvido órgão de controle, pois, na verdade, as competências funcionais dos Tribunais e Controladorias estão, via de regra, previstas no Estatuto Maior de cada país.

A problemática maior agora se põe, pois refere-se à investidura dos integrantes dos órgãos de controle. A forma de indicação de seus membros, bem como a situação em que estes executam a tarefa de controle, acabará informando a própria localização da instituição como órgão independente ou meramente submetidos ao interesse do Governo.

Aqui, como alhures, existem várias formas de investidura dos membros dos Tribunais e Controladorias. Entrementes, a forma geral de indicação segue as mesmas regras adotadas nas indicações de juízes de tribunais superiores dos respectivos países.

O Brasil adota o sistema misto, onde parte dos membros são indicados pelo próprio Legislativo, e por ele aprovada, e parte constitui-se de indicações do Executivo, com a aprovação do Legislativo. Poder-se-ia questionar tal forma de investidura que na sua forma pura, poderia ser escorreita, todavia, foi desvirtuada, pois os pretensos representantes do povo nomeiam os Ministros e Conselheiros ao seu talante e da forma mais conveniente.

Acerca das garantias, os membros do controle gozarão das mesmas inerentes ao Poder Judiciário, ou seja, as insculpidas no artigo 95, I a III da Carta Magna, a saber: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio. No que concerne às vedações são igualmente adotadas as aplicadas aos Magistrados.

Antonio Roque Citadini, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e autor de livros sobre o controle externo, com muita propriedade discorre sobre os desafios que o Controle Externo terá com a volta da política liberal, ou seja, o Estado Mínimo do ideário francês Laissez Faire. 



Conforme o citado autor: “... um desafio aos Tribunais de Contas e Controladorias é ajustar-se ao novo modelo do Estado para bem desempenhar sua missão de fiscalizar a boa aplicação dos recursos do orçamento público e ter padrão de avaliação de resultados para dar a sociedade a satisfatória informação que ela espera”.

Destarte, na atual conjuntura, os órgãos controladores tiveram suas competências substancialmente alargadas, passando a observar não apenas a legalidade dos atos como também a sua economicidade. Por conseguinte, os órgãos de controle deverão ser considerados instrumentos de suma importância, não só para a boa aplicação do dinheiro público, e sim para a manutenção da ordem jurídica posta pelo Estado de Direito.



Considerações finais

Entende-se que o Estado Democrático de Direito contemporâneo organizado de forma a limitar os poderes dos governantes, com as devidas garantias individuais, sendo unanimidade doutrinária que quanto maior o desenvolvimento democrático de um Estado, mais eficiente será o controle das finanças públicas.

Parece ser óbvio que, com o desenvolvimento e mesmo a multiplicidade de ações dos Estados contemporâneos maior revelar-se-á a necessidade do controle, o que é de se lastimar, especialmente porque estamos em um século de princípios e não apenas de Leis e Códigos. Por conseguinte, se os ordenadores de despesa observassem os princípios insculpidos no artigo 37 da Lex Fundamentalis despiciendo seria o fortalecimento de tais órgãos de controle.

Todavia, é evidente ser tal pensamento por demais utópico. Sendo assim, resulta indispensável o controle externo, mormente nos países que almejam a boa versação do dinheiro público, pois é através de um controle independente e atuante que tal objetivo será atingido.

Márcio Gondim do Nascimento
mngondim@hotmail.com

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