Oscar Vilhena Vieira
Há uma percepção generalizada de que o Supremo Tribunal
Federal passou a ocupar uma posição de vanguarda na proteção dos direitos
fundamentais na última década. Essa percepção decorre do fato de que o tribunal
declarou constitucionais questões controvertidas como ação afirmativa,
pesquisas com células-tronco, o controle de armas, além de ter se demonstrado
simpático a diversas políticas distributivistas relacionadas à saúde e
educação.
O fato, porém, é que na grande maioria desses casos o papel
do Supremo foi o de ratificar constitucionalmente políticas majoritárias,
gestadas pelo Executivo e aprovadas pelo Legislativo. Esses casos apenas
chegaram ao tribunal porque minorias inconformadas com suas derrotas no campo
político buscaram revertê-las na Justiça.
Há que se reconhecer também as situações em que o Supremo
supriu a omissão do legislador, como no caso da regulamentação do direito de
greve dos funcionários públicos ou no caso da união homoafetiva, em que
reconheceu direitos de uma minoria insular e discriminada, que não teve suas
pretensões acolhidas por um Congresso e um Executivo pouco dispostos a se
contrapor às suas bases eleitorais.
Com a consolidação do poder de bancadas no Congresso que
representam sobretudo o atraso, e, agora, a assunção ao Executivo de um gabinete
claramente conservador, há fortes indícios de que os avanços conquistados ao
longo das duas últimas décadas podem ser colocados em risco.
Recentemente a Comissão de Constituição e Justiça do Senado
aprovou um projeto de emenda constitucional, de relatoria do então senador
Blairo Maggi (agora ministro), que simplesmente substitui a necessidade de
licenciamento ambiental por um mero estudo de impacto ambiental. Também com o
objetivo de atender aos interesses da bancada ruralista, encontram-se na pauta
do Congresso projetos voltados a paralisar as demarcações das terras indígenas
e a responsabilização dos que mantêm pessoas em condições análogas à
escravidão.
No campo moral, em atendimento aos interesses da bancada de
orientação religiosa, ganham força as discussões sobre o Estatuto da Família,
que essencialmente busca reverter a decisão do Supremo que reconheceu a união
homoafetiva, e o Estatuto do Nascituro, que tem por objetivo restringir ainda
mais as hipóteses de aborto legal, hoje previstas no Código Penal. A mesma
bancada apresentou uma emenda que, se aprovada, conferirá legitimidade às
entidades religiosas para propor ações diretas de constitucionalidade perante o
STF.
Por fim, a bancada da bala já se encontra engatilhada para
fazer avançar a erosão do Estatuto do Desarmamento e mesmo o Estatuto da
Criança e do Adolescente, em especial no que se refere à redução da idade
penal. Isso sem falar num sem número de medidas que terão um forte impacto
sobre o crescimento da população carcerária.
Nesse contexto de claro retrocesso da agenda emancipatória
estabelecida pela Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal será
certamente convocado para ocupar um novo papel na arena político-institucional
brasileira: o de instância contramajoritária.
Ou seja, de uma instituição voltada a proteger os direitos
fundamentais do ímpeto de maiorias de ocasião de fraudar nosso pacto
constitucional.
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