"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 25 de setembro de 2016

STF agora tem como papel atuar contra maiorias opostas à Constituição


Oscar Vilhena Vieira


Há uma percepção generalizada de que o Supremo Tribunal Federal passou a ocupar uma posição de vanguarda na proteção dos direitos fundamentais na última década. Essa percepção decorre do fato de que o tribunal declarou constitucionais questões controvertidas como ação afirmativa, pesquisas com células-tronco, o controle de armas, além de ter se demonstrado simpático a diversas políticas distributivistas relacionadas à saúde e educação.

O fato, porém, é que na grande maioria desses casos o papel do Supremo foi o de ratificar constitucionalmente políticas majoritárias, gestadas pelo Executivo e aprovadas pelo Legislativo. Esses casos apenas chegaram ao tribunal porque minorias inconformadas com suas derrotas no campo político buscaram revertê-las na Justiça.

Há que se reconhecer também as situações em que o Supremo supriu a omissão do legislador, como no caso da regulamentação do direito de greve dos funcionários públicos ou no caso da união homoafetiva, em que reconheceu direitos de uma minoria insular e discriminada, que não teve suas pretensões acolhidas por um Congresso e um Executivo pouco dispostos a se contrapor às suas bases eleitorais.

Com a consolidação do poder de bancadas no Congresso que representam sobretudo o atraso, e, agora, a assunção ao Executivo de um gabinete claramente conservador, há fortes indícios de que os avanços conquistados ao longo das duas últimas décadas podem ser colocados em risco.

Recentemente a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um projeto de emenda constitucional, de relatoria do então senador Blairo Maggi (agora ministro), que simplesmente substitui a necessidade de licenciamento ambiental por um mero estudo de impacto ambiental. Também com o objetivo de atender aos interesses da bancada ruralista, encontram-se na pauta do Congresso projetos voltados a paralisar as demarcações das terras indígenas e a responsabilização dos que mantêm pessoas em condições análogas à escravidão.

No campo moral, em atendimento aos interesses da bancada de orientação religiosa, ganham força as discussões sobre o Estatuto da Família, que essencialmente busca reverter a decisão do Supremo que reconheceu a união homoafetiva, e o Estatuto do Nascituro, que tem por objetivo restringir ainda mais as hipóteses de aborto legal, hoje previstas no Código Penal. A mesma bancada apresentou uma emenda que, se aprovada, conferirá legitimidade às entidades religiosas para propor ações diretas de constitucionalidade perante o STF.

Por fim, a bancada da bala já se encontra engatilhada para fazer avançar a erosão do Estatuto do Desarmamento e mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial no que se refere à redução da idade penal. Isso sem falar num sem número de medidas que terão um forte impacto sobre o crescimento da população carcerária.

Nesse contexto de claro retrocesso da agenda emancipatória estabelecida pela Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal será certamente convocado para ocupar um novo papel na arena político-institucional brasileira: o de instância contramajoritária.


Ou seja, de uma instituição voltada a proteger os direitos fundamentais do ímpeto de maiorias de ocasião de fraudar nosso pacto constitucional.

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