"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 22 de maio de 2011

Imposto sobre Grandes Fortunas



Aborda o perfil constitucional do tributo em voga e algumas considerações que podem ser ponderadas quanto à sua implementação.08/abr/2002


A propósito do quanto feito anunciar pelo Partido dos Trabalhadores sobre sua plataforma para a decantada Reforma Tributária, na qual está inserida a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, esboçamos o perfil constitucional do tributo em voga, e tecemos algumas considerações que podem ser ponderadas quanto à sua implementação.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1.988, por força do seu artigo 153, inciso VII, conferiu competência à União para instituir IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS, NOS TERMOS DE LEI COMPLEMENTAR.

Diante de tais normas, a primeira observação que se impõe está na perplexidade que assoma ao estudioso quanto à surpreendente estreiteza do trato constitucional dado a esse imposto, de maneira diametralmente distinta àquela com que foram versados, no Código Supremo, outros impostos (vg., o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, etc.).

Com efeito, o Constituinte reservou à União a possibilidade de instituição de um imposto cujo suporte material ( GRANDES FORTUNAS) está em fato não desenhado dentro do sistema jurídico (diferentemente do que aconteceu com a eleição, vg, da propriedade predial e territorial urbana, da propriedade de veículos automotores, da propriedade territorial rural, das operações relativas à circulação de mercadorias, da importação de produtos estrangeiros, etc.), deixando grande parte de sua definição ao quase que inteiro arbítrio do legislador complementar, apenas observados os princípios constitucionais tributários e as limitações ao poder de tributar.

Dai a segunda observação, no sentido de que a postura do Constituinte, em relação ao Imposto sobre Grandes Fortunas, confronta com a idéia de um Sistema Constitucional Tributário rígido, complexo e extenso.

Em verdade, conquanto não caiba ao legislador complementar a fixação do aspecto nuclear da hipótese tributária do Imposto sobre Grandes Fortunas, cujos contornos já estão explicitamente definidos no texto constitucional ou podem ser implicitamente retirados do Sistema, quer nos parecer, e com surpresa, que, no caso do IGF, contrariamente ao que sucede com outros impostos, a liberdade do legislador complementar é por demais grande.

Imperioso é se admitir o nuto do legislador infraconstitucional na demarcação dos lindes de um aspecto fundamental da hipótese legal do imposto, qual seja o QUANTITATIVO.

Nesse diapasão, forçoso reconhecer que não há nenhum princípio ou regra constitucional posta que impeça o legislador complementar de fixar como base imponível do Imposto sobre Grandes Fortunas os patrimônios das pessoas físicas que sejam superiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais) !!!

De outro lado, inarredável é a premissa de que não existe nenhuma barreira para que este mesmo legislador implemente, por meio da aplicação de alíquotas crescentes sobre bases de cálculo igualmente crescentes, um imposto marcadamente progressivo, principiando, por exemplo, com um percentual de 2% e finalizando com um percentual de 20%.

Uma e outra atitudes seriam perfeitamente realizáveis pelo legislador menor, porquanto quase que absolutamente ilimitada sua liberdade no delinear o aspecto quantitativo do Imposto sobre Grandes Fortunas.

Nesse passo, a terceira observação: afirmar-se que o legislador complementar não tem espaço para plasmar o verdadeiro substractum do Imposto sobre Grandes Fortunas é negar a própria força do comando constitucional.

Como conclusões, temos que o perfil constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas é extremamente pobre (quando cotejado com o trato que a Carta Política dispensou a outros impostos), e tão singelo e resumido que conflita com o pressuposto de que possuimos um Sistema Constitucional Tributário rígido, complexo e extenso, sobrando, inusitadamente, ao legislador complementar uma dose incomum de poder para a definição do verdadeiro alcance do imposto, pela liberdade que lhe foi outorgada na fixação do aspecto quantitativo da hipótese de incidência tributária.

Postas nossas considerações sobre o que chamamos "Perfil Constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas", reportemo-nos, em continuação, às sábias palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho:

"... Quem se propuser a conhecer o direito positivo não pode aproximar-se dele na condição de sujeito puro, despojado de atitudes ideológicas, como se estivesse perante um fenômeno da natureza. A neutralidade axiológica impediria, desde o início, a compreensão das normas, tolhendo a investigação ...".

Assim fazemos, com o objetivo de procurar dar respaldo lógico às conclusões havidas, sempre acentuando que todo o juízo é ato axiológico, permeado de valores.

No contexto de nosso Sistema Constitucional Tributário, se mostra efetivamente inusitada a idéia de que a União seja dotada de competência para a instituição de um imposto, cuja hipótese de incidência, em seu aspecto fulcral, qual seja o quantitativo, venha a ser desenhada pelo legislador infraconstitucional, e isto por postura assumida pelo próprio Constituinte.

Se o ICMS e o IPI têm como bases imponíveis ( que derivam dos próprios aspectos materiais das respectivas regras-matrizes de incidência constitucionalmente explicitadas) os valores das operações relativas à circulação de mercadorias e prestações de serviços e os valores das operações que envolvam produtos industrializados, se o IPTU e o IPVA têm como bases de cálculo, intuitivamente hauridas das suas respectivas regras "mater" constitucionais, os valores dos imóveis urbanos e dos veículos automotores, o IGF terá como um dos seus aspectos quantitativos aquilo que o legislador menor entender como razoável, plausível. adequado.

Quer nos parecer, pois, que, em dissonância com os postulados pré-jurídicos que inspiraram a formulação do Sistema Constitucional Tributário da Carta de 88, e, mais ainda, confrontando com o conjunto das normas jurídicas que o compõem, o Constituinte deu um verdadeiro "cheque em branco" à União, conferindo-lhe competência para a instituição de um imposto com total e inaceitável liberdade na determinação das medidas objetivas de sua incidência.

Se o direito de propriedade é garantia fundamental (art. 5º , inciso XXII, da CF), é inegável que o arbítrio do legislador complementar, na configuração do que sejam "grandes fortunas" para os efeitos de exigência do IGF, poderá representar instrumento limitatório de tal preceito, na proporção em que, como já observamos, poderá plasmar imposto tão fortemente progressivo a ponto de constranger um dos direitos básicos da cidadania e anular uma das pilastras essenciais do regime econômico que elegemos.

Poder-se-á opor ao quanto supra asseveramos, a limitação constitucional ao poder de tributar inserta no princípio de que é vedada a utilização de tributo com efeito de confisco.

Sem embargo, é de se convir que a caracterização da existência de confisco, diante da ausência de qualquer parâmetro no direito positivo, é tarefa extremamente subjetiva e sempre representará um juízo impregnado pelas crenças, pelos valores, pela ideologia, dos construtores das chamadas "normas jurídicas concretas", o que não nos parece compatível com o modelo político, social e econômico pelo qual a sociedade brasileira optou.

Imaginemos, sem grande esforço, que uma nova Presidência da República, no início do seu mandato, preocupada com a geração de caixa para seus intentos e afinada com o ideário distributivo de renda , resolva propor ao Congresso Nacional, de imediato e em regime de urgência, a aprovação de Lei Complementar instituindo, a partir do exercício de 2.004, a cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas, fixando como seu fato imponível a detenção, por pessoas físicas, em 1º de janeiro de 2..004, de patrimônio (conjunto de bens e direitos, deduzidas as obrigações) igual ou superior a R$ 500.000,00, com alíquota inicial de 1%, crescente na medida da elevação do montante patrimonial, até o percentual de 30%.

Não é difícil calcular que a proposta teria franca receptividade popular e, como tanto, poderia ser aprovada pelo Congresso.

De se indagar, de outro lado, se o universo de todos aqueles que fossem atingidos pela nova exação e com ela não se conformasse, quer pela circunstância de que não se confortam com a caracterização de seus patrimônios como representando "grandes fortunas", quer pelo fato de que estarão sendo compelidos a se desfazer de bens e direitos para cumprir as obrigações tributárias, terá algum meio de se opor eficazmente à validade das regras impositivas ???

A resposta se nos mostra NEGATIVA, dentro dos termos do que dispõe a Constituição Federal, em sue artigo 153, VII, compreendido dentro do contexto do Sistema Constitucional Tributário Brasileiro.

Para com essa hipótese, que não é quimérica, não acedemos, quer como cidadão, quer como estudioso do direito.

Se politicamente decidimos por um ordenamento jurídico-tributário em que as normas fundamentais devem estar consubstanciadas em regras rígidas e exaustivas, de sorte a que não reste ao legislador menor qualquer espaço para constranger mais os patrimônios dos particulares do que naquela medida que estes conferiram aos Poderes Tributantes , a possibilidade de que a União possa atingir as riquezas privadas quase que ao seu completo arbítrio, sem limitação mais explícita, mostra-se como um desvio inaceitável do modelo escolhido.

Essas últimas considerações nos parecem, lamentavelmente, "de lege ferenda".

O Constituinte de 88 construiu um sistema constitucional tributário quase que inflexível e exaustivo, exercendo a opção de pouco ou quase nada deixar ao legislador ordinário, assim fazendo inspirado em premissas políticas e ideológicas que, por nossa tradição histórica, se afiguravam as mais corretas.

Errou, sem embargo, e de maneira primária e flagrante, ao outorgar competência ao legislador infraconstitucional para, ao seu talante, fixar o aspecto quantitativo do Imposto sobre Grandes Fortunas. 

Luiz Fernando Mussolini Júnior
luizmussolini@bol.com.br

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