"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O PERFIL NADA CONSERVADOR DE NOSSA FAMÍLIA IMPERIAL QUANDO NO PODER

Há, no Movimento Monarquista do Brasil, uma corrente expressiva que defende a tese de que nossos príncipes devem, necessariamente,  cultivar um pensamento político conservador, assim considerado o que se apega aos  ditos valores tradicionais.

Este posicionamento é  respeitável, porque, se queremos um regime monárquico democrático, temos que praticar a democracia interna, respeitando a opinião alheia, ainda mais quando ela encontra eco em algumas das mais proeminentes lideranças da Família Imperial. Não quer dizer, entretanto, que tenhamos de concordar, ou não devamos expressar discordância,  por  temor reverencial.

Quando se fala em “conservador” se o faz em contraposição aos chamados “reformistas”, e, com mais razão, quanto aos “revolucionários”.

Revolução é, como a História demonstra, um caminho cheio de armadilhas, que geralmente conduz a resultados bem diferentes, quando não opostos, aos inicialmente pretendidos.

A Revolução Francesa se fez sob a divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e desembocou no Terror. Após trucidada a nobreza, os revolucionários de ontem tomaram o lugar dos nobres na guilhotina, e os libertários passaram  a decepar cabeças uns aos outros, a pretexto de dissenções  internas. Nem o próprio Guilhotin, inventor da guilhotina,  escapou! A ordem foi restabelecida por Napoleão, que, simplesmente, implantou uma nova monarquia, embora sem legitimidade dinástica. E, mais uma vez, a Coroa de França se perdeu em guerra contra os ingleses. Um espetáculo “déjá vu”.

A Soviética, desde o início, não escondeu ao que veio: eliminar a burguesia como classe social, inclusive fisicamente. Até conseguiu, mas logo as facções  passaram a matar entre elas, aos milhares. É um erro pensar que o maior dizimador de esquerdistas foi algum governante de direita. Na verdade, ninguém matou e perseguiu mais comunistas, trotkistas, e anarquistas, que Stalin. Passava-se de “herói popular” a “inimigo do povo”, com uma canetada.

Descartada a opção revolucionária para os monarquistas, resta- lhes seguir o conservadorismo, ou partir para o reformismo, embora previsivelmente  não de forma homogênea.

Note-se, contudo, que o   confronto entre reformas e valores tradicionais, é relativo .

Reformar não e sinônimo de destruir tudo . O que é bom deve ser mantido, e, com maior razão, se é tradicional. Não se conhece nenhum reformista que pregue a abolição de valores tradicionais como honestidade, patriotismo, solidariedade, trabalho. O que se discute é a respeito de  modelos políticos e econômicos, e, quanto a estes, não são perenes, na medida em que as relações sociais são dinâmicas, e o que é  aceitável em um determinado momento histórico, passa a ser obsoleto no seguinte.
Naturalmente, não apenas o reformista não é conservador, mas, igualmente, o transgressor. Este, também, não conserva, e antes destrói que modifica.

Nossos dinastas, quando no poder, estiveram longe do conservadorismo.

D. Pedro I fez a Independência.

Uma vez independente  o país em 1822, promulgou a Constituição de 1824, sem dúvida a mais democrática e liberal de sua época.

Surpreendeu ainda mais, ao se tornar Grão-Mestre da Maçonaria, movimento perseguido em grande parte da Europa por erguer, como bandeira, o fim das monarquias absolutistas, e que tivera grande influencia na Revolução Francesa.

Abdicando à Coroa do Brasil, se juntou aos remanescentes da Revolução Liberal , nos Açores, enfrentando e derrotando o absolutismo monárquico representado por seu irmão D. Miguel, que  usurpara o trono luso, a que tinha abdicado em favor de sua filha portuguesa .

Então, no campo político, jamais se poderia atribuir a D. Pedro I ser um conservador. Muito menos em matéria de vida privada, (aliás, nem tão privada assim...), como é de todos sabido, e seria ocioso reportar.

Já Dom Pedro II, além de se empenhar em trazer para o país os avanços da tecnologia, foi, até em excesso, o antípoda do absolutismo . Como pode ser conservador quem, além de aceitar com extrema liberalidade as críticas mais desrespeitosas, lutou vitoriosamente pelo fim da escravatura? São de seu período a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o ingresso de novos cativos no país, a do Ventre Livre, a dos Sexagenários . Esta, não apenas libertou por limite de idade, como criou estímulos aos agricultores para substituírem a mão de obra escrava pela de trabalho livre, em troca do perdão de dívida tributária .

Mais ainda: após a Abolição foi o pioneiro da reforma agrária no Brasil, propondo, à Assembléia Geral do Império, a desapropriação de terras improdutivas à margem das ferrovias, para nela assentar ex-escravos libertos e imigrantes. É o que se lê da transcrição da “Fala do Trono” na Abertura da 4ª Sessão da 20ª Legislatura, em 3.05.1989: “... resolvereis sobre a conveniência de conceder ao governo o direito de desapropriar, por utilidade pública, os terrenos marginais das estradas de ferro, que não são aproveitadas pelos proprietários e podem servir para núcleos coloniais”.

Como um Governante que extingue o tradicional modo de produção pré-capitalista, promove sua substituição pelo novo modo, capitalista, contrariando os interesses dos latifundiários,  a maior força política e econômica da época , pode ser    tido por conservador ?!

Some-se, a isto, sua atitude na Questão Religiosa, quando, embora não sendo maçom, como o fora o pai,  arbitrou em favor da Maçonaria a controvérsia mantida com bispos que pretendiam aplicar, no Brasil, uma bula papal de excomunhão genérica aos membros daquela ordem  .

Esta norma, face ao sistema de Padroado que se acordara com a Santa Sé, e ao art. 102, Item 14, da Constituição de 1824, dependia de  beneplácito régio  para aqui vigorar (“art. 102 – O Imperador é o chefe do poder executivo, e o exercita pelos seus ministros de Estado. Suas principais atribuições são 1)........., 14) Conceder, ou negar o beneplácito aos decretos dos concílios, e letras apostólicas, e quaisquer outras constituições eclesiásticas que se não opuserem á Constituição; e precedendo aprovação da Assembléia, se contiverem disposição geral.”)

O regime de Padroado, era um sistema de pesos e contrapesos. A Religião Católica era a oficial, os bispos  recebiam remuneração dos cofres públicos, a exemplo dos  funcionários, mas, em contrapartida, Sua Santidade os nomeava de comum acordo com Sua Majestadade, e, para que as disposições  eclesiásticas vigorassem no Brasil, dependiam do beneplácito do Imperador e, eventualmente, da aprovação da Assembléia, como no caso .

Tudo isto era consensual, pois, evidentemente, se assim não fosse, a Igreja não admitiria que seus dignatários recebessem os estipêndios.

Pode-se concordar ou discordar do sistema , mas censurar o Imperador por exigir respeito às prerrogativas que lhe assegurava, obriga ao absurdo de censurar o Papa por nele haver consentido. Afinal, é princípio elementar que acordos existem, para que sejam cumpridos.

Quanto à Princesa Isabel, embora discordando do pai quanto à Questão Religiosa, era entusiasta adepta, não apenas da abolição da escravatura e seu complementar projeto de reforma agrária, como, ainda do voto feminino. Como uma Sufragista ainda em pleno Sec. XIX, abolicionista, e junto com seu pai, pioneira em matéria de reforma agrária, pode ter sido conservadora ?!

Conservadores, isto sim, eram os republicanos que os depuseram, imbuídos dos mais primitivos sentimentos, como machismo e racismo . Quanto a este último, em carta de 2 de janeiro de 1889, ao Dr. José Mariano Carneiro da Cunha, Deputado Liberal na Assembléia Provincial de Pernambuco, advertiu o grande Joaquim Nabuco: “Os republicanos falam abertamente em matar negros como se matam cães. Eu nunca pensei que tivéssemos no Brasil a guerra civil depois, em vez de antes, da abolição. Mas haveremos de tê-la. O que se quer hoje é o extermínio de uma raça e como ela é a que mais tem coragem, o resultado será uma luta encarniçada” (in “D. Isabel I – A Redentora” textos e documentos sobre a Imperatriz exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento” - IDI, Rio, 2006, pag 151)

Uma princesa que confraterniza com um intelectual negro que escreve tais coisas, é conservadora?!
Esquerda e direita são conceitos imprecisos e obsoletos. Não se é de esquerda, mas se está à esquerda de algo. Idem quanto  à direita . Mas, para isso, é necessária uma referência, o centro. E quem está autorizado a definir o que seja centro ?!

Independente da imprecisão, não  há base lógica para se pretender que nossos príncipes – e com maior razão, seus apoiadores – devam ser “de direita”, “de centro”, ou “de esquerda" . O Rei é rei de todos os súditos, não apenas dos católicos ou dos protestantes, dos progressistas ou dos reacionários, dos empregadores ou dos empregados, dos rubronegros ou dos vascaínos ...

Cada um seja  pelo que quiser, e, de preferência, evite polemizar no seio do movimento, porque devemos centrar no que nos une, a mudança de forma de governo, e não no que nos divide, as preferências ideológicas, ou mesmo religiosas .

Saboia Bandeira de Mello 

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