Um dos debates mais presentes neste processo eleitoral tem sido acerca da influência ou não do julgamento do mensalão sobre os eleitores. Até mesmo o procurador-geral da República emitiu sua opinião, ao afirmar que seria salutar a influência de um sobre o outro – obviamente, punindo as forças políticas condenadas no julgamento. Apesar da torcida dos dois lados – os adversários do PT desejando que o julgamento tenha impacto e o PT querendo que o impacto seja mínimo ou até mesmo nulo – a resposta à pergunta é uma questão de fato e não de juízo de valor.
Um procedimento óbvio é analisar o resultado eleitoral do primeiro turno e procurar saber até que ponto o PT foi prejudicado pelo que acontece em Brasília. Essa avaliação será em breve seguida de avaliação semelhante quanto ao segundo turno da eleição.
O primeiro passo para entender a suposta conexão entre os dois eventos (julgamento do mensalão e resultado eleitoral) é notar que a maioria das pessoas que afirmam existir ligação entre uma coisa e outra são aqueles que seguem a política mais de perto. São os hiperinformados acerca dos acontecimentos políticos. São leitores habituais de jornais, em particular das páginas políticas, assistem a noticiários de TV aberta e fechada, conversam entre si sobre assuntos públicos e muitos vivem, em maior ou menor medida, da política. Para a grande fatia desse grupo de pessoas, o julgamento do mensalão tem relação com a decisão do voto. Muitos não votam no PT, ou deixaram de fazê-lo a partir de 2005, justamente por causa do mensalão. Imaginam que o eleitor médio tende a fazer o mesmo que eles fazem. Contudo, o nível de informação do eleitor médio sobre política é muito pequeno.
Aliás, esse é um fenômeno mundial: o eleitor busca mais informação apenas sobre aquilo que diz respeito diretamente a sua vida e a seu bem-estar.
O psicólogo Leon Festinger desenvolveu a teoria da dissonância cognitiva, segundo a qual todos os seres humanos têm a propensão – uns mais, outros menos – de ignorar a realidade ao seu redor quando essa realidade vai contra suas crenças. Dito de outra maneira, quem gosta do PT não acompanha o julgamento do mensalão; se o fizer, as notícias entrarão por um ouvido e sairão por outro. O mesmo vale para quem gosta do PSDB quando ouve denúncias de corrupção que o atingem. Nas próprias palavras de Leon Festinger: “Uma pessoa com convicção dificilmente muda de opinião. Diga que você discorda dele, e ele o ignorará. Mostre-lhe fatos e números, e ele questionará suas fontes. Se você utilizar a lógica, ele não o entenderá”.
O mais famoso estudo de Festinger trata de quando ele e seu grupo de pesquisa infiltraram pesquisadores junto a uma seita que acreditava que uma tempestade de proporções catastróficas destruiria o planeta. Alguns pesquisadores achavam que os seguidores da seita iriam mudar de opinião diante da evidência irrefutável de que a tempestade não ocorrera. Não foi isso que ocorreu. Quando a profecia se revelou falsa, o grupo não abandonou sua crença: buscou explicações para sua não realização e apegou-se mais ainda a suas ideias.
Todos os seres humanos evitam a dissonância cognitiva, evitam descasar suas crenças pessoais da realidade que os cerca. No meu caso, evito ler textos de radicais, tanto à esquerda quanto à direita, uma vez que minhas crenças pessoais valorizam o conservadorismo e uma posição política de centro. Aqueles que gostam do PT, que têm votado no PT nas últimas eleições, procuram evitar acompanhar o julgamento do mensalão. Quando têm acesso a notícias relativas ao mensalão – é impossível ficar totalmente sem notícias acerca de um acontecimento muito divulgado – racionalizam o episódio, afirmando que todos os políticos são corruptos e que apenas os do PT estão sendo julgados e condenados. Alguns, ainda, dizem que é pura perseguição, que nada foi realmente provado e que se os réus fossem de partidos adversários os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não teriam sido tão duros.
Pois bem, durante o julgamento do mensalão, a popularidade da presidente Dilma Rousseff melhorou. Dilma era uma política inteiramente desconhecida do eleitorado, foi apresentada ao grande público por Lula. Lula e seu governo foram os principais atingidos pelo escândalo do mensalão. Dilma era ministra em 2005 e se tornou a sucessora desse mesmo governo. É razoável, portanto, imaginar que, se o julgamento do mensalão tivesse impacto sobre a popularidade e, consequentemente, sobre o voto dos políticos do PT, a presidente seria, obviamente, a primeira a ser atingida. A soma de “ótimo” e “bom” de Dilma melhorou no mesmo mês em que os políticos do PT foram condenados pelo STF. O eleitorado separou um processo jurídico do processo de governar. Dilma é avaliada pelas pessoas em função do desempenho da economia e não com base em qualquer julgamento que seja.
Uma evidência igualmente importante de que o julgamento do mensalão não teve impacto na eleição é o destino inteiramente diferenciado dos candidatos do PT. Em Recife, o candidato petista, Humberto Costa, começou em primeiro lugar e apenas caiu nas pesquisas. Lá venceu o candidato de oposição à administração do PT e sequer houve segundo turno. Em Salvador, Fortaleza e João Pessoa, os candidatos do PT cresceram durante a campanha; tiveram, portanto, trajetória oposta à de Humberto Costa. Aqui entra o ônus da prova. Quem afirma que o mensalão teve impacto terá que explicar porque esse impacto foi negativo no Recife e inexistiu nas demais capitais nordestinas citadas.
Aliás, essa lista pode ser bastante ampliada. Há vários municípios nos quais os candidatos do PT começaram na frente e foram derrotados. Há outros tantos municípios nos quais aconteceu o oposto. Os candidatos do PT começaram atrás, cresceram com a campanha e acabaram vencendo. Ora, o impacto do julgamento do mensalão não poderia ter tamanha seletividade país afora.
Os resultados eleitorais em primeiro turno, se comparados com o primeiro turno de 2008, revelam que o PT cresceu. Agora em 2012, foi o partido com a maior quantidade de votos, e aumentou o número e a proporção tanto de vereadores quanto de prefeitos eleitos. A influência do julgamento do mensalão poderia, ainda assim, ter ocorrido. Qualquer um que conhece metodologia científica pode afirmar que, sem esse julgamento, o PT poderia ter crescido a um ritmo mais rápido do que ocorreu na eleição.
Esse argumento pode ser questionado, se analisarmos a taxa de eleição de candidatos petistas. Em 1996, o PT conseguiu eleger somente 10% de todos os candidatos a prefeito lançados pelo partido. Na eleição municipal seguinte, a eficiência aumentou para 14% e em 2004 o PT elegeu 21% de todos os candidatos lançados. Em 2008, o partido de Lula conseguiu eleger um terço de seus candidatos e agora em 2012 foram eleitos 35% dos candidatos.
Isso significa que a eficiência do partido, quando comparamos o número de eleitos em função do número de candidatos lançados, continuou aumentando. Alguém poderia dizer que o aumentou se deu em ritmo menor do que nas eleições anteriores. Isso é a mais pura verdade. É praticamente impossível, porém, afirmar se isso se deveu ou não ao julgamento do mensalão. Considerando-se as demais evidências – melhoria da aprovação de Dilma, desempenho diferenciado dos candidatos petistas etc. – afirmaríamos que não. Se isso for verdade, o PT teria continuado a lançar muitos candidatos sem chances eleitorais. É fácil aumentar a taxa de conversão de candidatos em prefeitos eleitos. Basta lançar somente candidatos que têm mais chances. É exatamente isso que fazem PMDB e PSDB, cujas taxas de conversão de candidatos em eleitos ficam sempre em torno de 45%. Aliás, é surpreendente a regularidade desse indicador.
A prudência é o melhor guia quando fazemos afirmações que dizem respeito a fatos. Por isso, é possível dizer que as afirmações que corroboram a pequena (quase nula) influência do julgamento do mensalão nos resultados desta eleição são muito mais fortes do que as evidências contrárias. O segundo turno tende a deixar isso ainda mais claro.
Alberto Carlos Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário