"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 21 de outubro de 2012

Quem não quer não vê, não ouve



Um dos debates mais presentes neste processo eleitoral tem sido acerca da influência ou não do julgamento do mensalão sobre os eleitores. Até mesmo o procurador-geral da República emitiu sua opinião, ao afirmar que seria salutar a influência de um sobre o outro – obviamente, punindo as forças políticas condenadas no julgamento. Apesar da torcida dos dois lados – os adversários do PT desejando que o julgamento tenha impacto e o PT querendo que o impacto seja mínimo ou até mesmo nulo – a resposta à pergunta é uma questão de fato e não de juízo de valor.

Um procedimento óbvio é analisar o resultado eleitoral do primeiro turno e procurar saber até que ponto o PT foi prejudicado pelo que acontece em Brasília. Essa avaliação será em breve seguida de avaliação semelhante quanto ao segundo turno da eleição.

O primeiro passo para entender a suposta conexão entre os dois eventos (julgamento do mensalão e resultado eleitoral) é notar que a maioria das pessoas que afirmam existir ligação entre uma coisa e outra são aqueles que seguem a política mais de perto. São os hiperinformados acerca dos acontecimentos políticos. São leitores habituais de jornais, em particular das páginas políticas, assistem a noticiários de TV aberta e fechada, conversam entre si sobre assuntos públicos e muitos vivem, em maior ou menor medida, da política. Para a grande fatia desse grupo de pessoas, o julgamento do mensalão tem relação com a decisão do voto. Muitos não votam no PT, ou deixaram de fazê-lo a partir de 2005, justamente por causa do mensalão. Imaginam que o eleitor médio tende a fazer o mesmo que eles fazem. Contudo, o nível de informação do eleitor médio sobre política é muito pequeno.

Aliás, esse é um fenômeno mundial: o eleitor busca mais informação apenas sobre aquilo que diz respeito diretamente a sua vida e a seu bem-estar.

O psicólogo Leon Festinger desenvolveu a teoria da dissonância cognitiva, segundo a qual todos os seres humanos têm a propensão – uns mais, outros menos – de ignorar a realidade ao seu redor quando essa realidade vai contra suas crenças. Dito de outra maneira, quem gosta do PT não acompanha o julgamento do mensalão; se o fizer, as notícias entrarão por um ouvido e sairão por outro. O mesmo vale para quem gosta do PSDB quando ouve denúncias de corrupção que o atingem. Nas próprias palavras de Leon Festinger: “Uma pessoa com convicção dificilmente muda de opinião. Diga que você discorda dele, e ele o ignorará. Mostre-lhe fatos e números, e ele questionará suas fontes. Se você utilizar a lógica, ele não o entenderá”.

O mais famoso estudo de Festinger trata de quando ele e seu grupo de pesquisa infiltraram pesquisadores junto a uma seita que acreditava que uma tempestade de proporções catastróficas destruiria o planeta. Alguns pesquisadores achavam que os seguidores da seita iriam mudar de opinião diante da evidência irrefutável de que a tempestade não ocorrera. Não foi isso que ocorreu. Quando a profecia se revelou falsa, o grupo não abandonou sua crença: buscou explicações para sua não realização e apegou-se mais ainda a suas ideias.

Todos os seres humanos evitam a dissonância cognitiva, evitam descasar suas crenças pessoais da realidade que os cerca. No meu caso, evito ler textos de radicais, tanto à esquerda quanto à direita, uma vez que minhas crenças pessoais valorizam o conservadorismo e uma posição política de centro. Aqueles que gostam do PT, que têm votado no PT nas últimas eleições, procuram evitar acompanhar o julgamento do mensalão. Quando têm acesso a notícias relativas ao mensalão – é impossível ficar totalmente sem notícias acerca de um acontecimento muito divulgado – racionalizam o episódio, afirmando que todos os políticos são corruptos e que apenas os do PT estão sendo julgados e condenados. Alguns, ainda, dizem que é pura perseguição, que nada foi realmente provado e que se os réus fossem de partidos adversários os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não teriam sido tão duros.

Pois bem, durante o julgamento do mensalão, a popularidade da presidente Dilma Rousseff melhorou. Dilma era uma política inteiramente desconhecida do eleitorado, foi apresentada ao grande público por Lula. Lula e seu governo foram os principais atingidos pelo escândalo do mensalão. Dilma era ministra em 2005 e se tornou a sucessora desse mesmo governo. É razoável, portanto, imaginar que, se o julgamento do mensalão tivesse impacto sobre a popularidade e, consequentemente, sobre o voto dos políticos do PT, a presidente seria, obviamente, a primeira a ser atingida. A soma de “ótimo” e “bom” de Dilma melhorou no mesmo mês em que os políticos do PT foram condenados pelo STF. O eleitorado separou um processo jurídico do processo de governar. Dilma é avaliada pelas pessoas em função do desempenho da economia e não com base em qualquer julgamento que seja.

Uma evidência igualmente importante de que o julgamento do mensalão não teve impacto na eleição é o destino inteiramente diferenciado dos candidatos do PT. Em Recife, o candidato petista, Humberto Costa, começou em primeiro lugar e apenas caiu nas pesquisas. Lá venceu o candidato de oposição à administração do PT e sequer houve segundo turno. Em Salvador, Fortaleza e João Pessoa, os candidatos do PT cresceram durante a campanha; tiveram, portanto, trajetória oposta à de Humberto Costa. Aqui entra o ônus da prova. Quem afirma que o mensalão teve impacto terá que explicar porque esse impacto foi negativo no Recife e inexistiu nas demais capitais nordestinas citadas.

Aliás, essa lista pode ser bastante ampliada. Há vários municípios nos quais os candidatos do PT começaram na frente e foram derrotados. Há outros tantos municípios nos quais aconteceu o oposto. Os candidatos do PT começaram atrás, cresceram com a campanha e acabaram vencendo. Ora, o impacto do julgamento do mensalão não poderia ter tamanha seletividade país afora.

Os resultados eleitorais em primeiro turno, se comparados com o primeiro turno de 2008, revelam que o PT cresceu. Agora em 2012, foi o partido com a maior quantidade de votos, e aumentou o número e a proporção tanto de vereadores quanto de prefeitos eleitos. A influência do julgamento do mensalão poderia, ainda assim, ter ocorrido. Qualquer um que conhece metodologia científica pode afirmar que, sem esse julgamento, o PT poderia ter crescido a um ritmo mais rápido do que ocorreu na eleição.

Esse argumento pode ser questionado, se analisarmos a taxa de eleição de candidatos petistas. Em 1996, o PT conseguiu eleger somente 10% de todos os candidatos a prefeito lançados pelo partido. Na eleição municipal seguinte, a eficiência aumentou para 14% e em 2004 o PT elegeu 21% de todos os candidatos lançados. Em 2008, o partido de Lula conseguiu eleger um terço de seus candidatos e agora em 2012 foram eleitos 35% dos candidatos.

Isso significa que a eficiência do partido, quando comparamos o número de eleitos em função do número de candidatos lançados, continuou aumentando. Alguém poderia dizer que o aumentou se deu em ritmo menor do que nas eleições anteriores. Isso é a mais pura verdade. É praticamente impossível, porém, afirmar se isso se deveu ou não ao julgamento do mensalão. Considerando-se as demais evidências – melhoria da aprovação de Dilma, desempenho diferenciado dos candidatos petistas etc. – afirmaríamos que não. Se isso for verdade, o PT teria continuado a lançar muitos candidatos sem chances eleitorais. É fácil aumentar a taxa de conversão de candidatos em prefeitos eleitos. Basta lançar somente candidatos que têm mais chances. É exatamente isso que fazem PMDB e PSDB, cujas taxas de conversão de candidatos em eleitos ficam sempre em torno de 45%. Aliás, é surpreendente a regularidade desse indicador.

A prudência é o melhor guia quando fazemos afirmações que dizem respeito a fatos. Por isso, é possível dizer que as afirmações que corroboram a pequena (quase nula) influência do julgamento do mensalão nos resultados desta eleição são muito mais fortes do que as evidências contrárias. O segundo turno tende a deixar isso ainda mais claro.

Alberto Carlos Almeida 

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