"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 1 de julho de 2013

País deve estancar a injustiça da ineficiência legislativa

No Brasil, tem-se verificado a presença cada vez mais manifesta de um fenômeno denominado Ativismo Judicial, o qual se coloca como meio hábil, por via de interpretações proativas do Poder Judiciário, à potencialização do texto constitucional.

A expressão Ativismo Judicial foi empregada pela primeira vez em uma matéria intitulada The Supreme Court publicada na Revista Fortune e escrita pelo historiador Arthur Schlesinger Jr., a quem coube narrar a ascensão de Jackson à Corte.

No artigo, foi empregada a expressão judicial activism contrapondo-se ao self restraint. Tais expressões designavam as posições assumidas pela Suprema Corte americana diante de temas controvertidos e com conotação política.

O jornalista, ainda, dividiu a Corte em duas correntes. Os componentes da primeira — Hugo Black, Willian O. Douglas, Frank Murphy e Wiley Rutledge — chamou judicial activists (ativistas judiciais), haja vista tais magistrados exercerem papel afirmativo no exercício do bem-estar social.

Por seu turno, os juízes Felix Frankfurter, Harold Burton e Robert H. Jackson, integrantes da segunda corrente, foram chamados champions of self-restraint (campeões do autocomedimento), visto que, para eles, o judiciário tinha um papel limitado dentro do sistema estadunidense.

Sumariado o contexto histórico-terminológico da expressão, cumpre destacar a finalidade do ativismo judicial.

Hipertrofia compensatória

Dá-se o nome de hipertrofia compensatória ou vicariante quando, tendo em vista o mau funcionamento ou perda de um rim, cabe ao outro a função de substituí-lo. É importante mencionar que apenas tal situação é compatível com a vida, pois a agenesia renal bilateral, isto é, a inexistência de ambos os rins inviabiliza a vida, uma vez que sem rim não se produz urina.

A vicariância, contudo, não está associada apenas a fenômeno do corpo humano. Pasquale Cipro Neto, v.g., ao explanar sobre o emprego da vírgula, aduz que à vírgula substitutiva de formas verbais subentendidas atribui-se o nome de vicária. O professor acerca da temática cita como exemplo um título jornalístico, o qual despertou grande curiosidade nas pessoas: “Estevão é preso; suplente, denunciado; e Roriz, investigado”; verifica-se da frase a função da vírgula vicária, qual seja, substituir o verbo “ser”.

O ativismo judicial, dentro dessa comparação, nada mais é do que um Judiciário vicariante, substituindo os Poderes Legislativo e Executivo ante a inércia e a morosidade em efetivar planos dispostos na carta cidadã.

Essa proatividade judiciária, assim chamada por Luís Roberto Barroso, não atinge apenas o Pretório Excelso, ou seja, as instâncias inferiores também são alcançadas, uma vez que estão buscando cada vez mais efetivar a justiça, precisando, para isso, ir além do texto legal.

Gláucia Milício traz à colação exemplos de práticas ativistas em instâncias inferiores:

Recentemente, um juiz da cidade de Taperoão (PB) determimou toque de recolher às 21h para menores de 12 anos. Em Conceição de Coité (BA), um juiz condenou um homem por furto, mas não mandou para cadeia. A pena, neste caso, foi arrumar um emprego. Na Paraíba, o toque de recolher imposto teve como base os altos índices de violência na região. Na Bahia, o juiz agraciou o acusado por entender que ele passou a infância e adolescência lançado à sorte, esquecido pelo Estado.

Desse modo, conclui-se que o objetivo do ativismo judicial funda-se na busca de uma participação mais acentuada e intensa do Judiciário no concernente à concretização de valores e fins constitucionais, sendo necessária a interferência nos outros dois Poderes, ou ocupação diante de espaços vazios.

Práticas de ativismo judicial, embora moderadamente desempenhadas pela Corte Suprema em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos, ainda mais se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.

De acordo com Eduardo Dieder Reverbelr, o juiz ativista transpassa o campo de direito e ingressa no campo político, resolvendo problemas políticos com critérios jurídicos. Isso em virtude do desprestígio da lei, da ineficiência da política, da dificuldade da Administração e malversação dos recursos públicos.

O ativismo judicial vem, pois, potencializar o texto constitucional, conferindo a ele concretização.

Função vicariante

A função vicariante — ativismo judicial — do Judiciário coloca-se essencial à medida que colima potencializar o texto constitucional. Saul Tourinho Leal afirma que o Judiciário, ao adentrar uma esfera substancialista, reformula-se, deixando para trás o procedimentalismo exacerbado.

A título de elucidação da fase de outrora (procedimentalista), o professor cita o caso Maria Prestes.

Maria Prestes é Olga Benário, importante revolucionária comunista da década de 30, no século XX, a qual, ao ser presa e acusada por cometer delitos contra a ordem social, teve decretada por despacho administrativo sua expulsão do Brasil, bem como sua submissão à jurisdição alemã.

Ocorre que Olga era judia, alemã e, sobretudo, encontrava-se grávida. Logo suas chances de sobrevivência eram mínimas. Desse modo, seu advogado, impetrou habeas corpus, alegando, em síntese, que a impetrante deveria ser expulsa do país apenas após condenação, consoante a constituição vigente e os princípios da ampla defesa e contraditório.

Heitor Lima, ainda, arguiu outras teses, como: direito à maternidade e à vida, as quais foram derrubadas sob a alegação de que se vivia em um estado de exceção. Assim, Olga Benário foi expulsa, confinada em um campo de concentração e assassinada em janeiro de 1941. À época, vivia-se, como se verifica, sob a égide de um Poder Executivo agigantado e opressor, um Legislativo silente e um Judiciário submisso.

Hodiernamente, avança o Judiciário para um viés substancialista. Como exemplo, no ano de 2012, dentre as importantes causas julgadas, o STF, visando coibir práticas de violência doméstica contra a mulher ainda de modo mais eficaz, adotou posicionamento protecionista à mulher em ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI 4424), possibilitando ao Ministério Público dar início à ação penal, no delito de lesão corporal de natureza leve, sem a necessidade da representação da vítima.

Tecidos comentários sobre a posição que vem assumindo o Judiciário, é preciso retomar a alusão feita à vicariância renal. Destarte, o rim sadio, o qual trabalha duplamente, em virtude da disfunção renal, pode sofrer um inchaço, vindo a crescer excessivamente, hipertrofiando-se, pois.

Do mesmo modo, a hipertrofia pode se dar com o Judiciário, ainda que essa disfunção dê-se de modo gradativo, pois, de acordo com o professor Elival da Silva Ramos, haverá usurpação doutro poder, o que ocasionará estremecimento na Tripartição de Montesquieu.

Ramos defende uma reforma política, i.e., instituição de um parlamento à francesa ou à portuguesa, bem como voto distrital, com vistas a reduzir o número de partidos políticos, além de instituir a figura do primeiro ministro. Referidas medidas combateriam o ativismo judicial, o qual, para ele, independentemente do resultado é ruim.

O professor é favorável, no entanto, a uma interpretação criativa cujo cerne centra-se numa interpretação sistemática, tendo em vista a defasagem da legislação e da jurisprudência. Outrossim, salienta que é preciso prender-se a parâmetros normativos, ou seja, necessária se faz a existência de norma para interpretações com fins ativistas. Desse modo, critica, por exemplo, a vedação ao nepotismo por mera súmula, a qual somente deveria advir de lei.

Barroso, por sua vez, não se mostra contrário ao ativismo, asseverando que, até o momento, tem sido empregado como solução, não como problema. Entretanto, ao compará-lo com um antibiótico, alerta que deve ser usado de modo comedido, pois doses excessivas podem levar a morte por cura.

Referido autor, no que toca ao Judiciário ativista, entende que os riscos decorrentes desse ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias.

Por derradeiro, aponta que tais riscos podem ser prevenidos por meio das seguintes soluções: diante da existência de norma regendo a situação, ela deve prevalecer, isto é, deve preponderar o Poder Legislativo, o que evitará usurpação de competência; quanto às interpretações ativistas, elas devem se pautar nos cânones da racionalidade, objetividade e fundamentação das decisões; e, por fim, deve haver deferência das valorações feitas pelas instâncias especializadas, desde que, por óbvio, sejam observados a razoabilidade e o procedimento adequado.

Assim, analisados os prós e contras, cabe a adoção de um posicionamento acerca do fenômeno in comento, pois se quedar sobre o muro não é a medida mais acertada a que se propõe o presente artigo.

Portanto, é ululante que nosso país urge de reformas políticas. Todavia, é ainda mais patente a necessidade de ser estancada a injustiça decorrente da ineficiência legislativa e executiva.

Logo, o posicionamento de Barroso mostra-se muito mais coerente com as necessidades atuais, pois é melhor ter um problema solucionado a assistir de camarote injustiças se assomando.

No sentido figurado empregado a priori: é melhor o hipertrofismo à agenesia renal bilateral, ora porque viabiliza a vida (sistema), ora porque se apresenta como solução mais plausível.

Por: José Augusto dos Santos Diniz e Eduardo Luiz Santos Cabette

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