"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sinal de desgaste do contrato social

24 de junho de 2013 

Impossível não tratar o tema das enormes manifestações que ocorrem há várias semanas em diversas cidades do país. Meu entendimento é que os protestos representam um sinal de que o contrato social da redemocratização brasileira está desgastado.

Desde a Constituição de 1988, foi-se consolidando a decisão da sociedade de construir um abrangente Estado de bem-estar social. Universalizamos a educação fundamental e avançamos muito em direção a universalizar o ensino médio.

Instituímos o SUS, um serviço de saúde universal e integral, isto é, que cobre todos os procedimentos médicos. Finalmente, os diversos programas sociais para idosos, em associação com a aposentadoria do INSS e do funcionalismo, universalizaram, na prática, a aposentadoria.

Além desses programas universais, criamos diversas iniciativas para ajudar as famílias a enfrentar riscos típicos das economias de mercado. Foram criados o seguro-desemprego, o auxílio-doença, a aposentadoria por invalidez e o Bolsa Família, entre outros programas.

Finalmente, introduziu-se o Minha Casa, Minha Vida, que subsidia a aquisição da casa própria por pessoas de baixa renda. Recentemente, o programa foi estendido, com a criação de um subsídio adicional para a aquisição de mobiliário e eletrodomésticos.

A partir da virada na política econômica em 2009, o governo trouxe para a agenda os interesses da indústria. Acumulamos reservas internacionais para ajudar a manter o câmbio mais desvalorizado, e o Tesouro emprestou quantias expressivas de recursos para o BNDES, com o objetivo de elevar o volume de crédito subsidiado ao investimento produtivo.

Adicionalmente, a agenda da indústria levou a inúmeras medidas de desoneração de tributos e à elevação da alíquota de importação para diversos produtos, com o objetivo de aumentar a competitividade manufatureira.

O resultado é um Estado que arrecada muito, por volta de 35% do PIB, transfere muitos recursos às famílias na forma de aposentadoria e programas sociais, cerca 14% do PIB, e gasta muito com juros e subsídios. Apesar da queda da taxa básica, a Selic, o custo de carregamento das reservas e dos subsídios implícitos nas operações do BNDES onera muito a conta de juros.

Não sobram, portanto, recursos para investimentos em logística, que poderão ser viabilizados se o governo aceitar taxas de remuneração maiores nos leilões de concessão. Mas, principalmente, faltam recursos para investimento em infraestrutura urbana.

Para terminar essa longa lista, é preciso lembrar que, apesar de termos caminhado muito na agenda de extensão de direitos, há o crônico problema da baixa qualidade dos serviços públicos, principalmente em educação e saúde. Nesse desafio, como em outros, pouco temos avançado.

O crescimento mais elevado no governo Lula deixou a sociedade em torpor com relação às fragilidades do contrato social da redemocratização. O crescimento bem mais baixo ao longo do mandato da presidente Dilma, que, provavelmente, fechará seu quadriênio com expansão média do PIB próxima a 2%, explicitou à sociedade os limites existentes à melhora da situação de cada um.

Aparentemente, o atual movimento de protestos levanta bandeiras pela melhoria da qualidade dos péssimos serviços públicos de educação, saúde e transporte urbano, entre outros. O aumento da passagem de ônibus e o reconhecimento dos elevados custos dos eventos esportivos serviram com detonadores da insatisfação.
A notícia que circulou na semana de que a adoção do passe livre requererá dobrar a alíquota de imposto predial coloca a discussão em bases racionais. Pode-se considerar a criação do pedágio urbano. Outras possibilidades podem ser imaginadas.

Com relação à melhora da qualidade dos serviços de saúde e educação, há uma extensa agenda que depende da criação de instrumentos que tornem a gestão desses serviços mais eficiente.

Não há saída simples e indolor nas escolhas das políticas públicas para enfrentar as deficiências do contrato social da redemocratização.

Oxalá o processo eleitoral de 2014 sirva para que a sociedade amadureça esses temas e encontre os caminhos mais adequados.

 Samuel Pessoa

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