"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 26 de janeiro de 2014

A solução está com o povo


 Mario Cesar Flores 

Duas estruturas institucionais controlam hoje o Brasil. A primeira, o governo de coalizão – um modelo imposto pela existência de dezenas de partidos programática e doutrinariamente amorfos, mais propensos à participação no poder e seu usufruto do que aos grandes projetos nacionais -, em que a repartição de cargos e a liberação de recursos de interesse paroquial eleitoreiro dos congressistas asseguram o apoio ao viés populista-voluntarista do Executivo. A segunda, a burocracia administrativa preenchida (aparelhada…) menos pelos critérios de capacitação e mérito e mais pela conveniência política.

Como em qualquer esquema de poder, o funcionamento do brasileiro depende da competência e da consistência ética de sua base estrutural – o poder político eleito. Poder político lato sensu: a responsabilidade estende-se aos Legislativos da União, dos Estados e municípios, embora nosso povo, indiferente à (ou desconhecendo a) dinâmica completa da democracia, só se interesse (quando se interessa) pela eleição dos Poderes Executivos. Em destaque a do presidente da República, que, na mão inversa à Federação sadia, a centralização tributária transforma no agente de nossa ilusão cultural de que o Estado pode tudo.

O pecado original do esquema está, portanto, na formação (na eleição) de sua base estrutural, que, prejudicada pela vulnerabilidade do povo à ilusão, não assegura valor adequado ao produto. Políticos dos vários partidos “surfam” na onda do brasileiríssimo “me engana que eu gosto”, valendo-se da publicidade inebriante e fantasiosa (a propagada pela televisão impacta sem precisar ler e entender) orquestrada por marqueteiros hábeis na criação de imagens míticas, no travestir meias-verdades e fantasias em verdades e fatos e no “vender” ao povo boas intenções tão óbvias quanto vazias (alguém é contra reduzir a pobreza…?).

E políticos já no poder acrescentam à psicose publicitária a exploração demagógica de programas assistencialistas que, a par de pertinentes – mas nem sempre aplicados corretamente -, são formadores de imensos currais eleitorais dependentes da máquina estatal controlada politicamente. A publicidade esfuziante e o uso demagógico do assistencialismo criam versões contemporâneas do “pão e circo” romano; em evidência, hoje, as bolsas disso e daquilo e a Copa do Mundo de Futebol, com seu hexa (?) e suas “arenas” à Coliseu, onde teremos futebol para divertir e anestesiar.

A dissonância entre o potencial e a realidade socioeconômica do Brasil evidencia as limitações do modelo de governo de coalizão com pandemônio partidário, conduzido pelo produto de processo eleitoral viciado e operado por burocracia politicamente aparelhada, carente de competência e firmeza ética. Dissonância transparente em projetos fantasiosos e comumente inacabados, inflação teimosa, carga tributária alta, crescimento pífio do produto interno bruto (PIB), industrialização marcando passo e balança comercial tropeçando, 85.º lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, da ONU) entre 186 países, caos na saúde, transporte público e (hoje muito citado) sistema carcerário, infraestrutura logística e educação insatisfatórias. E transparente já à beira da pandemia dramática, na delinquência generalizada, da corrupção política e administrativa, sonegação de impostos e desordem e violência epidêmicas, à rotina do crime abjeto e dos delitos banais, já assimilados na cultura popular.

Um cenário dessa natureza conduz naturalmente à desmoralização da (e à desesperança na) democracia clássica. Processo já sensível no Brasil, seus sintomas estão claros na indiferença e na descrença crescentes pela política. Em particular pelos Poderes Legislativos, bem refletidos ao estilo lúdico (e no caso, irresponsável) brasileiro na eleição de personagens exóticas: Tiririca foi eleito deputado federal (votação expressiva) por seus méritos políticos ou como demonstração de insatisfação e desesperança…?

Na História a fraqueza sempre induziu a tentação do milagre. Corremos o risco de emersão da ideia – vem emergindo, sem força expressiva, embora não nula – de que em países ainda em desenvolvimento, de populações enormes, grande parte delas em déficit cultural e socioeconômico, a democracia em sua integralidade anglo-saxã não resolve, há que adaptá-la à respectiva realidade nacional. O que seria isso varia com a propensão ideológica.

Não existe a ameaça de nosso quadro melífluo desembocar no autoritarismo explícito, só imaginável com saturação social e “rolezões” nacionais de alto risco, que exigissem controle autoritário. Mas são plausíveis as alternativas “mais ou menos” democráticas. Uma delas já se instilando no Brasil: a democracia populista de tendência voluntarista (o modelo esboçado no início deste artigo) protagonizada por lideranças que, simultaneamente, falam pela grande massa e se harmonizam com o grande capital – uma mistura confusa de Getúlio do paradigma “trabalhadores do Brasil”, Rousseau adaptado à multidão (minorias militantes interpretando a “vontade geral”) e Marx inautêntico (socialista-capitalista). Como em qualquer regime de fisionomia voluntarista, também a moderada versão brasileira precisa de inimigos. Na moda, hoje, a liberdade de imprensa e expressão, cujo controle já foi aventado aqui e está instalado nas “democracias” (?) chavista e kirchnerista, bem vistas pelo nosso populismo voluntarista.

Resumindo: vivemos um quadro nacional confuso, à moda sul-americana. A “cambalhota institucional” é implausível, mas não a paulatina e camuflada ascensão, sem traumas e à sombra de sistemática eleitoral viciada, do modelo em que a visão voluntarista-populista do governo precede o interesse do Estado e o rigor democrático: um chavismo tupiniquim ao gosto de parte do nosso mundo político e aceito sem ponderada avaliação por parcela expressiva do povo, apático e/ou iludido.

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