"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 18 de janeiro de 2014

O sistema judicial é seletivo e sacrifica o mais fraco


O site Congresso em Foco publicou reportagem sobre os disparates do sistema penitenciário brasileiro. Chama a atenção para o fato de que o sistema penal como um todo é seletivo, pois considera crimes ou pune de modo mais severo atos que podem ser praticados, preponderantemente, pelas camadas menos favorecidas da população. O resultado disso é visto nas prisões brasileiras.

A matéria confirma o que, há poucos dias, disse o ministro Luís Roberto Barroso: “Para ir preso no Brasil, é preciso ser muito pobre e muito mal defendido. O sistema é seletivo, é um sistema de classe. Quase um sistema de castas”.

Pouco ou nada falamos sobre esse estado de coisas. Mas, como afirmei em outro texto desta coluna, não se trata de mero conformismo. Afinal, não apenas vivemos como se não tivéssemos nada a ver com problemas como esses. Beirando ao cinismo, chegamos a encontrar justificativas para que as coisas sejam como são. Assim como, por exemplo, a mesma sociedade que critica a violência decorrente do tráfico de drogas o alimenta, consumido carreiras em baladas chiques.

Os problemas acontecem não apenas no âmbito do processo penal. O acesso das pessoas mais pobres à Justiça, no âmbito civil, também é difícil. Exemplos: a Defensoria Pública ainda encontra-se deficitária, em boa parte do Brasil; em alguns estados do país, o valor das custas processuais é excessivamente elevado; as sedes dos tribunais, em muitos casos, encontram-se muito distantes da comarca ou subseção judiciária, o que torna dispendioso o deslocamento do advogado da parte para acompanhamento da causa; etc.

Mas, se de um lado faltam investimentos ou gestão de recursos financeiros que olhem para as pessoas mais fragilizadas, o que há, do outro lado?

Há exemplo recente, que bem demonstra o modo como o Estado pode criar leis “seletivas”, também no âmbito civil. Refiro-me à Lei 12.663/2012, conhecida como “Lei da Copa”.

Tenho defendido que essa lei padece de inconstitucionalidade.

Há na “Lei da Copa” disposições que revelam a absoluta subserviência do Estado brasileiro à Fifa, como o artigo 23, segundo o qual “a União assumirá os efeitos da responsabilidade civil perante a Fifa, seus representantes legais, empregados ou consultores por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos Eventos”, ou o artigo 53, que isenta “a Fifa, as Subsidiárias FIFA no Brasil, seus representantes legais, consultores e empregados” do adiantamento de custas judiciais e estabelece, ainda, que eles “não serão condenados em custas e despesas processuais”.

O artigo 68 da Lei 12.663/2012, ao afastar a incidência de vários dispositivos da Lei 10.671/2003 (Estatuto da Defesa do Torcedor), viola, a meu ver, os artigos 5º, inciso XXII, e 170, inciso V, da Constituição, mas é, sobretudo, um dispositivo imoral, concebido com o intuito de favorecer uma pessoa e o grupo com ela relacionado em detrimento do torcedor, protegido pela Lei 10.671/2003.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que isenta a Fifa de uma série de obrigações, a referida lei cria tipos penais específicos que tutelam os interesses da entidade (cf. artigos 30 ss. da “Lei da Copa”).

Vê-se, pois, que a “Lei da Copa” foi criada para proteger uma pessoa ou grupo em detrimento do povo brasileiro. Nenhuma surpresa, pois, como afirmam os dirigentes da Fifa, menos democracia é melhor para se organizar uma Copa.

O Estado e seus principais agentes, quando realmente querem, agem para mudar as coisas. Mas o Estado, em todos os seus níveis e dimensões, existe para servir à sociedade, e não a uma pessoa ou a um determinado grupo. Deve o Estado atuar com o objetivo de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, como diz a Constituição (artigo 3º, inciso I). Solidário é o Estado se tem interesse na sociedade, pois solidariedade significa, essencialmente, importar-se e, no caso, o Estado deve importar-se, essencialmente, com o povo (CF, art. 1º, parágrafo único). Esse, pois, é o sentido, tanto como motivo da existência quanto como rumo a ser seguido pelos órgãos do Estado.

Assim, todos os agentes públicos devem atuar em prol da sociedade, e não do próprio aparato estatal e, evidentemente, não de interesses pessoais, próprios ou de pessoas ou grupos específicos, em detrimento do bem comum. Não sendo assim, restará ao Estado apenas a forma estrutural, desvinculada do serviço que lhe dá sentido, que é cuidar dos interesses do povo.

O sistema judicial, penal ou civil, não pode ser seletivo, ou de castas.

José Miguel Garcia Medina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário