"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 18 de janeiro de 2014

Estamos longe de superar os preconceitos do cotidiano


Com a morte de Nelson Mandela, no útimo dia 5 de dezembro, várias reportagens sobre sua história tem sido publicadas. Mensagens com suas frases mais famosas tem sido compartilhadas intensamente nas redes sociais.

Enquanto lia as muitas matérias e posts que lamentavam a partida de Mandela, fiquei a pensar em nosso preconceito de cada dia, e no quanto estamos dispostos a seguir, em todos os níveis e dimensões, aquilo que líder sul-africano defendia.

Nossa sociedade é preconceituosa. Não me refiro apenas ao racismo. Há, entre nós, várias ordens veladas de preconceito. Quando trato de preconceito, não faço alusão apenas a “conceito prévio”, nem à discriminação, embora tudo isso se relacione. Refiro-me a preconceito marcado pelo cinismo, como disfarce para o ódio bem comportado, ou humilhação justificada, ou aversão irracional bem explicada, e por aí vai.

É o preconceito que permite que se olhe o “diferente” de maneira diferente e aversiva, que justifica a separação, que “explica” porque é certo ficar longe de quem é diferente ( “inferior” a você). É o preconceito que autoriza humilhar o mais fraco, que ordena a violência contra quem ou o que é não é igual.

Há, além de preconceito racial ou sexual, também, dentre tantos exemplos, o preconceito contra aquele de origem pobre, que justifica que vivamos em um apartheid social.

A lei, não raro, é complacente com isso. Devemos atuar para que desapareçam as desigualdades geradas na lei, evidentemente. Mas não podemos silenciar enquanto ainda houver desigualdade perante a lei.

Veja-se, por exemplo, o preconceito contra pessoas portadoras de deficiência. A regra prevista no artigo 208, III da Constituição estabelece que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. A meu ver, a garantia prevista no artigo 208, III abrange qualquer deficiência, aí incluídos os mais variados transtornos psiquiátricos, ainda que não especificados na Lei 9.394/2006, recentemente atualizada pela Lei 12.796/2013. O texto constitucional, e as leis que o esmiúçam, vem sendo observado?

Nem sempre. Prepondera, entre nós, a ideia de que alunos que precisem atenção devem ser, de algum modo, “segregados”. Nem todas as escolas aceitam alunos que precisem de um cuidado especial. É o que revelam os variados casos julgados pelo Judiciário. De fato, estamos longe de alcançar o desiderato constitucional.

Em outros casos, não obstante haver previsão normativa, e chegar a haver reconhecimento, ao final, do direito, a causa tramita por tempo nada razoável — o que acaba por significar, ao final, muito mais que o adiamento da tutela jurisdicional. É o que revela caso recentemente julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Não raro, deparamo-nos com edifícios ou áreas públicas que dificultam a locomoção de pessoas portadoras de deficiência. Isso ocorre, inclusive, em escolas. Recentemente, decidiu o STF que o estado de São Paulo deveria adaptar escola para alunos com deficiência. Há algo de curioso no caso referido, contudo: o recurso extraordinário foi provido — o que, sem dúvida, representa uma vitória —, mas tramitou no Supremo Tribunal Federal desde 2005. Não deixa de ser um desalento. Quando casos graves como esse são finalmente resolvidos através da intervenção judicial, o são muito tardiamente.

Deparamo-nos com muitos outros exemplos de preconceito, em nosso dia a dia, a respeito dos quais o Judiciário vem sendo chamado a se manifestar. As hipóteses reveladas pela jurisprudência revelam que ainda temos longo caminho a percorrer, até conseguirmos tornar, de fato, o que a Constituição prevê, de direito. De nada adiantará lamentar a morte de Mandela ou celebrar seus feitos, se não alterarmos nossa práxis.

José Miguel Garcia Medina 

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