"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 25 de maio de 2014

Democracia é o poder de participar de decisões


Existe uma palavra-chave inerente ao conceito de democracia nem sempre reverenciada: participação. Ao contrário, é deixada de lado no mais das vezes, pois somos levados intuitivamente, ou por indução, a prestar mais atenção no resultado em si do que nas fórmulas que levam a esse resultado.

É normalmente assim na vida comum. Quando entramos em um comércio, chama mais a nossa atenção a decoração do lugar do que a estrutura do prédio que abriga os artefatos do ambiente. Ao entrar no ônibus, no metrô ou no avião nossos olhos procuram enxergar a limpeza do local, se os assentos estão disponíveis ou se existe espaço suficiente entre as poltronas. Essas informações são captadas em átimos e processadas na nossa mente para construir sensações de conforto, de estética ou de satisfações subjetivas. Mas não é comum indagar-se, primeiramente, se o veículo é seguro, se passou por manutenção ou qual a técnica de engenharia empregada nas mencionadas máquinas. Talvez um profissional da área se preocupe com este último aspecto, mas essa exceção ajuda a confirmar a regra.

Algo semelhante ocorre com o processo de formação dos direitos em regimes com características democráticas as quais, para os fins editorais deste texto, são resumidas na noção de poder de participação. Tal poder se destina à elaboração das regras de convivência. É condição elementar à compreensão de democracia que seja reconhecido o direito de participar de decisões que, enfim, constituirão nossos paradigmas morais. Tais paradigmas serão fundamentos para a criação de constituições, leis e outras normas que indicarão direitos como à vida, educação, saúde, segurança pública, moradia, trabalho, segurança alimentar, cultura, meio ambiente e lazer, para ficar com os exemplos mais lembrados.

Se tais direitos são efetivados a todos, nossas expectativas em torno do padrão ideal de igualdade são naturalmente reduzidas, o que não significa dizer que tais direitos possam conceder satisfações pessoais plenas. Mas se tais direitos, previstos em constituições ou em leis não são aplicados — e existindo garantias de liberdade de expressão e de ação dentro da legalidade — a tendência é a reivindicação de tais direitos.

Por outro lado, mesmo quando esses direitos são regulamentados, o processo de sua efetivação poderá ser tenso, pois nem todos concordam com a extensão de sua aplicação. Para alguns seus custos são muito elevados. Para outros, nem todos deveriam recebê-los. Alguns acreditam que o mercado poderá se encarregar de ofertar tais direitos a depender do esforço individual de cada um. O ponto encontradiço é que mesmo quando os direitos de alto peso moral são previstos, divergências podem ocorrer de modo que é difícil dizer com segurança intelectual quem está certo e quem não está. Questões como aborto, liberdade religiosa, cotas para minorias, desmatamento frente ao agronegócio e, mais recentemente, revisão da Lei de Anistia são difíceis de serem solucionadas idealmente e seduzem parte da população a um debate exaustivo, ainda que necessário e indispensável. Essa sedução — justificável pela relevância de cada tema — é o que mais atrai.

Em geral, prestamos mais atenção nos meios de oferta ou na negativa de tais direitos e isso é o que passa a importar. Deixamos de lado o que levou à construção desses direitos e como foram criados. O importante é que tais direitos existem e se existe tensão em torno de sua aplicação, instituições devem ser acionadas para resolver quem tem razão. Modernamente, tem-se em geral recorrido à Suprema Corte para definir, afinal, quem fica com o que em matéria de dilemas morais. Será essa a solução ideal na democracia? Talvez. Quero chamar a atenção, porém, para o poder de participação. Se foi possível sermos capazes de nos organizar para criar direitos, seremos também uma sociedade com habilidades para solver possíveis dilemas dessa criação.

Participar, pois, é votar em condições de igualdade em representantes. Mas é também aperfeiçoar mecanismos de participação que permitam a solução de questões difíceis sobre direitos tão caros a nossa convivência. Não quero dizer com isso que o Parlamento se transformaria em outro Poder Judiciário. Não é isso. A Suprema Corte deve continuar a interpretar a Constituição Federal papel que, aliás, no Brasil, tem desempenhado muito bem.

Por isso, os grandes temas que dividem a sociedade quando a questão é a distribuição de direitos socialmente relevantes poderiam ser alvo de novas deliberações por instrumentos que garantissem a participação dos eleitores, sempre em igualdade de condições. Será duro desacostumar nosso modo de pensar, pois acreditamos que as instituições formais, especialmente a Suprema Corte, substituirá facilmente nosso poder de participação, como se o problema se resolvesse com a simples aplicação dos direitos, doa a quem doer. Temos nos preocupado muito com a aparência do ambiente e deixado à segurança da edificação para que outros se preocupem por nós.

Cleucio Santos Nunes 

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