"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 12 de julho de 2014

A lógica do poder e a sociedade


Para condicionar a conquista do poder à ética, organizações da sociedade civil não podem defender causas corporativas potencialmente danosas.

A maioria dos políticos (felizmente, não todos) trabalha na lógica do poder, e não na lógica do bem-estar da população. É o que está ocorrendo no Brasil e em muitos países, provocando uma enorme crise de legitimidade da representação dos partidos políticos. O que importa é conquistar e manter o poder, que passa a ser o norteador da maioria das decisões e das ações.

O dinheiro das campanhas pode ser por dentro ou por fora (caixa 2). Não importa de onde e como vier. Os doadores são retribuídos com contratos e favores à custa do dinheiro público. Para ganhar tempo na televisão, firmam-se alianças espúrias sem questionar a afinidade ideológica ou a ética do parceiro. A conta vem na forma de benefícios aos partidos (cargos, recursos públicos etc.), feitos a despeito do interesse público.

Na lógica do poder, o objetivo dos partidos é combater e enfraquecer as legendas rivais. A análise das propostas e das políticas não passa pelo crivo do interesse público, mas por avaliar se aquela medida favorece ou prejudica o partido. Oposição e situação consideram péssimo tudo o que o adversário faz e propõe. Raramente se coloca como fator de avaliação e de decisão o interesse da população. Por exemplo, às vésperas de eleições, é comum esconder a gravidade de determinados problemas e deixar de tomar medidas preventivas, como ocorre com a crise da água em São Paulo.

As organizações da sociedade civil não conseguem mudar essa lógica, mas podem condicionar a conquista e a manutenção do poder ao comportamento ético e ao atendimento das demandas da população. Precisam acompanhar o trabalho dos gestores públicos e dos legisladores, o cumprimento das promessas eleitorais e os resultados das gestões, mobilizando a população e informando os eleitores.

Para isso, precisam ganhar credibilidade e legitimidade. Em primeiro lugar, colocar demandas que atendam ao interesse público, e não defender causas corporativas que possam ser danosas para a população. Em segundo lugar, evitar cair na lógica do poder, desvirtuando os objetivos que deram origem à organização social. O risco é começar a tomar decisões que visem, em primeiro lugar, fortalecer o poder da própria entidade, e não o alcance de sua missão.

Em terceiro lugar, ter uma gestão, práticas e ações coerentes com os princípios e valores que propaga. “Temos que ser o mundo que queremos”, como dizia Mahatma Gandhi. Em quarto lugar, acompanhar a atuação dos governos e dos legisladores e avaliar se cumpriram suas promessas eleitorais, se estão tratando com ética os recursos públicos e se estão de fato melhorando a qualidade dos serviços públicos e, consequentemente, a qualidade de vida da população. E, por último, ter uma atuação totalmente apartidária, pois, ao se vincular a um partido político, a organização perde sua autonomia, sua independência e sua legitimidade diante da sociedade e passa a atuar na mesma lógica de poder desses mesmos partidos.

As cidades e os países mudam e se transformam pela qualidade das políticas e serviços públicos. Pela sua escala, pela abrangência, são as políticas públicas de educação, saúde, habitação, mobilidade, tributos, economia etc. que provocam impactos no Brasil e em qualquer país do mundo. Cabe à sociedade trabalhar para que a conquista e a permanência no poder dos partidos políticos sejam condicionadas ao cumprimento das promessas eleitorais e das metas da gestão, à ética e à melhora dos indicadores sociais, econômicos e ambientais.

 Oded Grajew

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