O Poder Moderador, estabelecido no Brasil pela Constituição
Imperial de 1824, outorgada pelo Imperador Dom Pedro I e posteriormente
referendada pelas então poderosas Câmaras Municipais do Império, era definido,
nos termos da própria Constituição, como "a chave de toda a organização Política", sendo
"delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da
Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos." (Artigo 98)
Eram prerrogativas do Poder Moderador, nos termos do Artigo
101 da Constituição Imperial:
"Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador
II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos
intervallos das Sessões, quando assim pede o bem do Império.
III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa
Geral,
para que tenham força de Lei : Art. 62.
IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções
dos Conselhos Provinciaes : Arts. 86, e 87.
V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a
Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado
convocando immediatamente outra, que a substitua.
VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de
Estado.
VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas aos Réos
condemnados por Sentença.
IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim
aconselhem a humanidade, e bem do Estado."
Aqui, analisaremos cada uma dessas prerrogativas
particulares, visando desmistificar esse controverso poder.
No inciso I, atribui-se ao Imperador a função de nomear os
senadores, nos termos do Artigo 43 da Constituição, que dispõe que as eleições
para senador "serão feitas pela mesma maneira, que as dos Deputados, mas
em listas triplices, sobre as quaes o Imperador escolherá o terço na totalidade
da lista.", nestes termos, cada província, que teria direito a eleger
tantos senadores quanto o dobro de seus deputados, diminuindo-se em caso de
número ímpar (Artigo 41), elegeria o triplo de seus senadores, que posteriormente
seriam selecionados pelo Imperador.
Exemplo:
No inciso II, atribui-se ao Imperador a prerrogativa de
convocar extraordinariamente a Assembléia Geral nos intervalos das sessões, que
deveriam ser iniciadas no dia três de maio com a Sessão Imperial de Abertura
(Artigo 18), onde o próprio Imperador leria a Fala do Trono, as sessões
durariam quatro meses (Artigo 17), ou seja, até o dia três de setembro, cabendo
ao Imperador convocar extraordinariamente (entre quatro de setembro e dois de
maio de cada ano) a Assembléia Geral caso alguma situação assim o exigisse.
No inciso III, atribui-se-se ao Imperador o direito de
sancionar leis, nos termos do (Artigo 42), que dispõe:
"Se qualquer das duas Camaras, concluida a discussão,
adoptar inteiramente o Projecto, que a outra Camara lhe enviou, o reduzirá a
Decreto, e depois de lido em Sessão, o dirigirá ao Imperador em dous
autographos, assignados pelo Presidente, e os dous primeiros Secretarios,
Pedindo-lhe a sua Sancção pela formula seguinte - A Assembléa Geral dirige ao
Imperador o Decreto incluso, que julga vantajoso, e util ao Imperio, e pede a
Sua Magestade Imperial, Se Digne dar a Sua Sancção.",
No inciso IV, garante-se ao Imperador o poder de aprovar as
resoluções dos Conselhos Provinciais, dispondo o Artigo 86 que, não sendo
possível reunir a Assembléia Geral para deliberar sobre a resolução
"o Imperador as mandará provisoriamente executar, se
julgar que ellas são dignas de prompta providencia, pela utilidade, que de sua
observancia resultará ao bem geral da Provincia.", raramente, porém,
empregou-se essa atribuição pois, com o advento do Ato Adicional de 1834,
garantiu-se ao Presidente da Província a prerrogativa de sancionar as medidas
aprovadas pelas novas Assembléias Legislativas Provinciais, mais poderosas do
que que os abolidos Conselhos Provinciais, podendo agora legislar sobre uma
ampla matéria sem precisar da aprovação de cada um dos seus atos por parte do
poder legislativo central. Era o início do federalismo brasileiro.
No inciso V, garante-se ao Imperador o direito de aumentar a
duração da sessão da Assembléia Geral, ou de adiar sua convocação, assim como o
direito de dissolver a Câmara dos Deputados. Vale lembrar aqui que a Câmara dos
Deputados é apenas uma das casas formadoras, juntamente com o Senado, da
Assembléia Geral, e o Senado, ao qual cabe, nos termos do primeiro inciso do
Artigo 47
"conhecer dos delictos individuaes, commettidos pelos
Membros da Familia Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e
Senadores; e dos delictos dos Deputados, durante o periodo da
Legislatura.",
com o advento do parlamentarismo, em 1847, Dom Pedro II
passou a utilizar este inciso de acordo com a requisição do gabinete de governo
de então, abandonando-se a idéia de "salvação do Estado" em prol das
convenções parlamentaristas, com a Lei n° 234 de 1841, passou-se a exigir
também que o Imperador consultasse sempre o Conselho de Estado antes de
exercitar esta e qualquer outra prerrogativa do Poder Moderador, além de
algumas outras, o que restringia bastante o poder de intervenção imperial
originalmente atribuído, já que seus atos ficavam sujeitos ao voto do Conselho.
No inciso VI, atribui-se ao Imperador o poder de nomear e
demitir seus ministros, através dos quais o Imperador exercia o Poder
Executivo, até 1847, quando se deu a instituição do parlamentarismo no Brasil.
Até então, os ministros não dependiam da confiança da Câmara dos Deputados para
permanecer no cargo, o Brasil era apenas uma monarquia constitucional, como era
o Império Alemão (1871-1918).
Com o advento do sistema parlamentarista, a prerrogativa de
nomear e demitir os ministros foi mantida, porém, os ministros do gabinete
também poderiam ser removidos por moção de desconfiança proposta pela Câmara
dos Deputados, e as convenções parlamentaristas bloqueavam a possibilidade de o
Imperador demitir o ministério e dissolver a câmara ao mesmo tempo.
A prerrogativa foi amplamente exercida durante todo o
período parlamentarista do Brasil Imperial, em geral porque a hostilidade do
poder legislativo aos gabinetes não levava à renúncia destes últimos, que
ficavam à espera de uma ordem de demissão, tentando conservar-se no poder até a
última hora.
Dos 32 gabinetes de governo do Brasil Imperial, apenas nove
renunciaram diante de ingovernabilidade, todos os outros tentaram uma
dissolução do parlamento. Alguns conseguiram, caso dos ministérios responsáveis
por aprovar leis contra a escravidão, outros não.
No inciso VII, garante-se ao Imperador poder para suspender
os magistrados, na forma do Artigo 154, que dispõe que
"O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra
elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação necessaria, e
ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão
remettidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da
Lei.",
porém, no Artigo 155, diz-se que
"Só por Sentença poderão estes Juizes perder o
Logar".
O Imperador poderia suspender os juízes, mas não cassá-los,
o procedimento para suspensão dos magistrados envolvia uma queixa a ser feita
por qualquer um no prazo de um ano (Artigo 157: "Por suborno, peita, peculato, e concussão
haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e
dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do
Processo estabelecida na Lei.")
e uma ordem expedida pelo Imperador após reunião com o
Conselho de Estado (equivalente brasileira da "order-in-council"
britânica). Com isso, dar-se-ia a suspensão imediata do magistrado em questão,
e a questão da perda do seu cargo seria decidida pela Relação Distrital,
segunda instância do judiciário no Brasil Imperial, da Província em questão através
de sentença.
Sem dar margens a arbitrariedades, dispunha ainda o Artigo
159 que "Nas Causas crimes a Inquirição das Testemunhas, e todos os mais
actos do Processo, depois da pronuncia, serão publicos desde já.",
deixando disponível o processo para quem a ele quisesse ter acesso, em um
grande avanço para uma época onde a grande maioria das questões judiciais
envolvendo o poder público eram resolvidas em segredo. O juiz suspenso e
cassado podia, ainda, apelar ao Supremo Tribunal de Justiça, última instância
judiciária do Brasil naquela época.
No inciso VIII, atribui-se ao Imperador a faculdade de
perdoar ou comutar penas impostas aos réus condenados. Ainda hoje, trata-se de
um poder comum em muitos países, no Brasil, porém, pouco usado, devido às
questões políticas implicadas no ato de um presidente da república reduzir uma
penalidade aplicada a alguém.
Ainda assim, hodiernamente, é raro que se admita que o chefe
de estado perdoe completamente um ato ao qual se atribui pena. No Brasil
Imperial, essa prerrogativa foi utilizada muitas vezes, especialmente por Dom
Pedro II, a título de exemplo teríamos o caso da Questão Religiosa, em que dois
bispos foram condenados a quatro anos de prisão com trabalhos forçados,
comutados pelo Imperador em prisão simples, um ano depois, os bispos foram
libertados por mais uma intervenção do Imperador.
No inciso IX, garante-se ao Imperador o direito de conceder
anistia, aqui, especialmente referente aos casos de condenação à morte. Dom
Pedro II fez uso ostensivo dessa prerrogativa após a execução de Manuel da Mota
Coqueiro (apelidado de "A Fera de Macabu"), que foi enforcado acusado
de matar toda uma família, mas, como descoberto após a execução da sentença,
era inocente.
Depois desse triste incidente, o Imperador passou a anistiar
qualquer condenado a morte que apelasse a ele, usando das atribuições do inciso
VIII para aplicar uma pena diversa com base na gravidade do crime, em geral,
galés ou prisão perpétua. Em alguns casos, porém, o Imperador não tomava
conhecimento do caso a tempo, por questões de distância, e a última aplicação
da pena de morte no Brasil ocorreu de fato em 1876, após esse ano, até 1889,
ainda que o juri condenasse à morte, todas as penas foram comutadas a tempo,
tornando o Brasil pioneiro na abolição, ainda que informal, da pena de morte.
O Poder Moderador não era, como se pode ver, um instrumento
do absolutismo monárquico saído do suposto autoritarismo do Imperador Dom Pedro
I, mas sim uma das mais sofisticadas ferramentas políticas da sua época. O
idealizador do conceito de Poder Moderador foi o pensador suíço Henri-Benjamin
Constant de Rebeque (1767 - 1830).
Os únicos países a aplicarem expressamente a teoria de
Benjamin Constant foram o Brasil, entre 1824 e 1889, e Portugal, entre 1826 e
1910.
A verdade é que, indiretamente, o brilhantismo desse
pensador, segundo o qual é uma primeira necessidade a existência de um chefe de
Estado com prerrogativas constitucionais importantes e com o máximo de
neutralidade possível, tornou-se fundamento do parlamentarismo moderno.
fonte: A.C.I
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