"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 26 de junho de 2008

D.Pedro II, Caxias e Zacarias



A grande vantagem da existência do Poder Moderador.

Tralho publicado no jornal Tribuna de Petrópolis,de propriedade de D. Francisco Humberto de Orleans e Bragança - 30/07/2000

• Otto de Alencar de Sá-Pereira


Quando lecionamos a disciplina "Realidade Social Brasileira" um dos assuntos que abordamos intitula-se "Poder Nacional e Política Nacional".


Não querendo desvirtuar esse artigo em uma aula de RSB, passamos "au vol d'oiseau" sobre conceitos básicos, indispensáveis para que o assunto se torne claro. Poder Nacional, como diz a palavra, é o poder da nação.


Esta, quando já possui, bem desenvolvidos, seus elementos básicos, quais: a população, o território e as instituições, e, quando, entre estas, cresce a instituição política, conseguindo a autodeterminação da nação, podemos afirmar o surgimento de um Estado Soberano.


Por isso o poder do Estado chama-se Poder Nacional. Origina-se da Nação. O Estado não é senão um mero instrumento nas mãos da nação, para que esta passe a se governar, ter leis, ordem, desenvolvimento. Enfim tudo, que é necessário para alcançar o "Bonum Comune" ou "bem estar social", que, afinal de contas, é a própria finalidade da existência do Estado.


Por isso, o Estado existe para servir à nação e não o contrário, como apregoavam e apregoam os estados totalitários (de direita ou de esquerda). Nesta tarefa de atingir o bem estar social, o Estado se utiliza da Lei, da Força e da Política Nacional. Esta última não deve ser confundida com politicagem.


Ela é uma ciência. Constitue-se em um processo determinado pelo Estado, para atingir o bem comum. Entretanto, no dinamismo deste processo, muitas vezes surgem obstáculos, que impedem ou prejudicam alcançar o alvo da política nacional, qual seja o bem estar da nação.

A ciência política distingue três tipos de obstáculos:


1 - "Fatores adversos";


2 - "Antagonismos" e


3 - "Pressões".


O 1º - Fatores adversos se relacionam com todas as deficiências humanas ou problemas da natureza que a política nacional deva enfrentar ( Exemplo: Corrupção de políticos, inflação, leis desatualizadas; cataclismas, como nevascas, , terremotos, epidemias, etc...);


O nº 3 - Chamado "pressões": não passam de "antagonismos" que se valem da violência ( exemplo: terrorismo). Mas, se pulamos o nº 02 - "antagonismos", foi propositalmente, porque é sobre ele que queremos desenvolver estas linhas, para chegarmos a um interessante episódio, durante a guerra contra o Paraguai, cujos personagens principais foram o próprio Imperador, o então Marquês de Caxias, Luiz Alves de Lima e Silva e o político Zacarias de Goes e Vasconcellos, e onde se evidencia, de maneira insofismável, a enorme utilidade do Poder Moderador de um Chefe de Estado, que não é Chefe de Governo, no processamento de uma política nacional autêntica.


O antagonismo seria uma oposição mal entendida. Todo governo democrático, para caracterizar bem seu aspecto de demos = povo, kratos = governo, deve conceder liberdades às opiniões contrárias, o que faz nascer, como é natural, a oposição. Assim, o governo é a situação e seus oponentes constituem a oposição.


Entretanto a finalidade de uns e outros é a mesma, pois pertencem à mesma nação: é o "bem comum" . Os processos para se atingir este bem comum é que podem variar por opiniões diferentes, da situação ou da oposição. Acontece entretanto que, muitas vezes, a oposição não entende assim, e, torna-se um obstáculo à política nacional, pois sempre manifesta-se contra a situação, esteja esta agindo bem ou mal. Quando isto acontece a oposição, perde sua característica democrática e transforma-se em "antagonismo". Caracteriza-se o obstáculo nº 2 à política nacional: "o antagonismo".

Assim, vamos aplicar estas idéias aos fatos: quando fomos agredidos por Solano Lopez, ditador do Paraguai, em nossa Monarquia parlamentarista, reinava como Chefe de Estado, como sabemos, o maior dos brasileiros, D. Pedro II. O Chefe do Governo era entretanto o Senador Furtado, com o posto de Presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), que pertencia ao Partido Liberal, pois tal partido vencera nas urnas e constituia-se majoritário no Parlamento.


O Partido Liberal manteve-se no poder durante toda a Guerra do Paraguai, mas, às vezes, havia mudanças de governo. Foi assim que, ao iniciar-se a guerra, o Senador Furtado passou a chefia do governo a outro liberal, o Marquês de Olinda ( Pedro de Araújo Lima, que fora regente na minoridade de D. Pedro II). O novo Presidente do Conselho de Ministros ao organizar seu gabinete, nomeia para a pasta da Guerra, o General Angelo Ferraz (futuro Barão de Uruguaiana - inimigo político e pessoal de Caxias).


O mais importante chefe militar brasileiro era incontestavelmente o General Luiz Alves de Lima e Silva, Barão, Conde e Marquês de Caxias (futuro Duque de Caxias), mas que pertencia ao Partido Conservador.


Na rendição de Uruguaiana onde D. Pedro II, acompanhado de seus dois genros o Conde d'Eu e o Duque de Saxe, estivera presente para assistir aquele episódio que, na época, foi considerado o fim da guerra (grande número de Tropas Paraguaias rendeu-se ao Exército Brasileiro, no mesmo ano do início da guerra - 1865), o General Marquês de Caxias também acompanhou o Imperador como mero assistente, pois o governo liberal não quis nomeá-lo para nenhum comando.


Este fato pode ser analisado, em Ciência Política, segundo o que antes explicávamos, como um "antagonismo". Um obstáculo à Política Nacional que, naquele momento, tinha como meta principal do "bem comum", ganhar a guerra.


Como ganhar a guerra, se o maior guerreiro brasileiro estava participando como mero assistente? O General Ferraz, ministro da guerra organizara dois grandes corpos de tropas, um sob o comando de Osório (futuro Marquês do Herval) e outro sob o comando do Conde de Porto Alegre, ambos do Partido Liberal. Grandes generais, sem dúvida alguma, mas que não chegavam aos pés da estatura de Caxias.


Por um tratado diplomático, tinha sido determinado que naquela fase da guerra, o comando em chefe coubesse ao Presidente Argentino (General Bartolomeu Mitre). Havia a Tríplice Aliança de Brasil, Argentina e Uruguai, contra o Paraguai, pois os três países tinham sido igualmente agredidos pelo ditador paraguaio.


Consequentemente os dois Exércitos Brasileiros, de Osório e Porto Alegre, deviam obediência a Mitre. Entretanto para evitar melindres o Presidente General Mitre só comandava suas próprias tropas, assim como o presidente-general Flores só comandava as tropas uruguaias. O que acontecia portanto era o fato completamente paradoxal, de quatro exércitos (Mitre, Flores, Osório e Porto Alegre) combatendo os Paraguaios, sem um comando unificador que os conduzisse à uma certeira estratégia militar.


Apesar de algumas vitórias, entre elas a rendição de Uruguaiana, o resultado desta desunião foi a derrota das nossas tropas aliadas em Curupaití. A grande vitória paraguaia trouxe desânimo total entre brasileiros, uruguaios e argentinos. Talvez a única pessoa que não tenha entrado em desânimo, tenha sido o nosso Imperador D. Pedro II.


Compreendeu o Imperador que a derrota dera-se em função da falta de unidade estratégica entre os quatro exércitos. Os corpos brasileiros estavam independentes porque nem Osório mandava em Porto Alegre, nem vice-versa. O Presidente Mitre da Argentina não ousava exercer o seu comando em chefe, unindo brasileiros, argentinos e uruguaios. Muito menos o General Flores, Presidente uruguaio. Daí a desunião e portanto a derrota. O que estava faltando? Um verdadeiro líder militar que unisse os brasileiros, que eram a maioria (no princípio da guerra 22.000 homens), os argentinos (12.000 homens) e os uruguaios (2.000 homens), contra os 80.000 homens do exército de Solano Lopez.


Este homem não existia? Claro que sim! Mas estava sendo impedido de assumir o seu papel histórico por um "antagonismo" à política nacional: o governo pertencia ao Partido Liberal e o Marquês de Caxias ao Partido Conservador. Era preciso muito altruísmo e patriotismo para um governo liberal nomear um General Conservador em um momento tão grave e importante da história pátria. Se o governo fosse republicano, não haveria nunca esta possibilidade, pois no sistema presidencialista, o presidente, sendo ao mesmo tempo chefe de estado e de governo e possuindo um partido, não haveria a menor probabilidade de nomear um general da oposição, mesmo em se tratando da salvação nacional.


Se a república fosse parlamentarista, a situação poderia apresentar-se menos catastrófica, mas, igualmente péssima, pois o presidente parlamentarista não ousaria contrariar a determinação do 1º Ministro, mesmo tendo em vista a segurança nacional. Mas, graças a Deus, o Brasil era uma Monarquia. E mesmo sendo parlamentarista, e mesmo o Presidente do Conselho de Ministros sendo do Partido Liberal, a nomeação de um General do Partido Conservador, foi possível graças àquele que representava toda a Nação e o Estado, aquele que era supra-partidário, aquele que via, antes de tudo, o bem estar da Nação, aquele que era a própria encarnação do Brasil, graças à sua posição de Chefe de Estado monárquico, detentor de um poder fiscalizador aos outros três poderes, o Poder Moderador, aquele que era o Imperador do Brasil.


D. Pedro II, depois da derrota de Curupaití, compreendeu que a nomeação de Caxias era interesse e objetivo nacional, pairava acima das paixões políticas ou rusgas individuais.
Por este tempo, já não era mais Olinda o presidente do Conselho de Ministros e sim Zacarias de Góes e Vasconcellos, outro Liberal, outro inimigo de Caxias e que conservara Angelo Ferraz na pasta da Guerra.


A situação política tornara-se portanto ainda mais dificultosa em função da participação de Caxias na guerra. De repente, um espanto geral: Zacarias, convoca o ministério e propõe a nomeação do Marquês de Caxias para o comando em chefe das operações de guerra no Paraguai. Os ministros, sentindo que se tratava de uma verdadeira aspiração nacional, concordam, menos o Ministro da Guerra, o General Angelo Ferraz, que se demite.


O parlamento aprova, Caxias é nomeado. O espanto era grande!! Mas compreendia-se, dizia-se à boca pequena: "Foi o homem de S. Cristovão!". De fato, o que se passara? O Imperador convocara Zacarias a uma audiência no Paço de S. Cristovão e lá apelara para o patriotismo e senso do dever do grande político Zacarias. Por um momento Zacarias ainda hesitara, mas o Imperador fez-lhe ver que não se tratava de liberais, ou conservadores.


Estava em jogo o Brasil, a vitória indispensável de nossas tropas para a honra nacional e para livrar nosso Império de uma vizinhança perniciosa e perigosa representada por Solano Lopez. Zacarias acedeu, o parlamento aprovou. Caxias foi nomeado. A sorte da guerra mudou: sucederam-se as vitórias brasileiras, até a tomada de Assunção!


Isto foi possível não só pela forma monárquica de governo, apresentando um Imperador acima de todos os partidos e facções, que visava somente o bem estar do Brasil, mas também porque a forma monárquica esculpia políticos, militares e homens públicos desta envergadura, aliando virtudes como a humildade e patriotismo de Zacarias à genialidade militar de Caxias e à grandeza de um verdadeiro Chefe de Estado, D. Pedro II.

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