"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 8 de outubro de 2011

Quem deve julgar os juízes?


A ação da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que este limite o poder do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de investigar e julgar magistrados suspeitos de ilegalidades gerou uma grande polêmica, especialmente a partir da  perspectiva, que parecia prevalecer até semana passada, de que o ponto de vista da AMB seria endossado pelo Supremo.


Uma boa parte da discussão tem girado em torno de como a atuação do CNJ afeta o trabalho das corregedorias dos tribunais. Quem se alinha com a tese da AMB defende que o CNJ pode esvaziar as corregedorias, pois estas acabariam por deixar todas as apurações para o Conselho. Quem defende o status quo aponta que uma das razões para a criação do CNJ foi exatamente a inoperância das corregedorias.


Ainda que acalorado, esse debate tem passado ao largo de uma questão fundamental: quem está mais bem posicionado para investigar e julgar os magistrados, o CNJ ou as corregedorias? Em especial, tem-se dado pouca importância a um aspecto crítico dessa situação: os magistrados são julgados por seus pares. 


Em geral, isso significa que o réu ou investigado pode ser colega e engajar-se em múltiplas relações com aqueles que lhe estão julgando. 


Pode-se pressupor que, em geral, o julgador levará em conta essas relações, passadas, presentes e futuras, na hora de decidir. Isso contrasta com o caso de um cidadão comum, em que a relação parte-magistrado é limitada ao julgamento. De fato, em havendo múltiplas relações entre o magistrado e a parte, a boa norma diz que esse deve declarar-se impedido de julgar.


A maior contribuição da mídia é impedir que o caso seja esquecido, já que a sociedade passa a cobrar um desfecho
Dois trabalhos recentes ajudam a responder à questão acima a partir da análise de outras duas situações em que o julgamento de desvios funcionais, na expressão do Ministro Peluso, também é feito pelos pares. Sandro Cabral e Sérgio Lazzarini, em “The ‘Guarding the Guardians’ Problem: An Analysis of Investigations against Police Officers in an Internal Affairs Division”, analisam o caso das corregedorias de polícia. Michele Butto, Carlos Pereira e Mathew Taylor, em “Sunshine or Shadow? The Effect of Secret Voting Procedures on Legislative Accountability”, examinam os julgamentos dos deputados federais.


Os estudos, com base em avaliações empíricas diversas, chegam a quatro conclusões importantes para o caso em questão.


Cabral e Lazzarini concluem que investigações conduzidas por comissões especializadas, em anteposição àquelas formadas caso a caso, em geral chegam a resultados mais rapidamente. Butto, Pereira e Taylor também observam que a composição do conselho julgador é um determinante importante do resultado. 


Isso aponta para a relevância de se ter julgadores com menor número de relações com as partes investigadas ou julgadas, o que claramente é uma vantagem importante do CNJ em relação às corregedorias. Da mesma forma, uma “comissão especializada” como o CNJ é mais visível e fácil de monitorar do que corregedorias espalhadas pelo país.


Segundo, o poder e a senioridade do acusado influem no resultado. Na polícia, oficiais de patente mais alta tendem a ser punidos de forma mais branda, enquanto a investigação é mais rigorosa quando se trata de um novato. 


Na Câmara dos Deputados, o poder do deputado – por exemplo, uma liderança partidária – também afeta a probabilidade de punição. Isso sugere que a investigação e julgamento pelo Conselho Nacional de Justiça é mais crítico no caso de desembargadores do que de juízes de primeira instância, que poderiam ficar sob responsabilidade das corregedorias.


Esse poderia vir a ser um critério para evitar que o Conselho seja eventualmente sobrecarregado de apurações.


Terceiro, a publicidade, em especial a cobertura feita pela mídia, tem grande influência no resultado da investigação. 


A maior contribuição é provavelmente impedir que o caso seja esquecido, na medida em que a sociedade passa a cobrar um desfecho. Essa evidência vai de encontro à proposta do ministro Ari Pargendler, de que as investigações contra magistrados sejam feitas sob sigilo.


Quarto, Cabral e Lazzarini observam que o tipo de delito sendo investigado influi no resultado. Por exemplo, acusações de extorsão tendem a ser tratadas com mais rigor do que aquelas de violência policial. 


Também no caso do Congresso há evidências de maior rigor no julgamento de delitos menos relacionados, na prática, à atividade política: por exemplo, há mais rigor em relação a homicídios do que contribuições ilegais de campanha. Infere-se daí que a atuação do CNJ é especialmente relevante em desvios funcionais menos sérios, uma vez que os casos mais graves, como a venda de sentenças, por exemplo, tenderiam a ser tratados mais duramente pelas corregedorias.


Naturalmente, há que se ter cuidado ao extrapolar inferências obtidas nos casos da polícia e dos deputados federais para o dos magistrados. A boa notícia, porém, é que há dados disponíveis para se fazerem estudos semelhantes para o caso do judiciário. Avaliações recorrentes sobre o tema seriam importantes para garantir o aperfeiçoamento institucional nessa área.

Armando Castelar Pinheiro

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