"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 7 de abril de 2013

Um Conselho Constitucional


O desequilíbrio institucional é tão nocivo quanto o desequilíbrio financeiro. Cada um, a seu modo, é prejudicial ao Estado. O financeiro é mais sensível, porque quantificável. Influi imediatamente. O institucional é diluído no tempo, não quantificável no momento. Flui lentamente. Mas a cobrança da história, se tarda, não falha: a cidadania sempre paga o desacerto das instituições.

Por exemplo, o custo para os cofres da União com a perda tributária – o "custo-Bahia" – resultante da instalação da Ford em Camaçari é perfeitamente calculável. Mas, quanto custaria o "efeito-ACM-FHC", se a Ford não se instalasse na Bahia, por não ter recebido da União os incentivos fiscais? Disseram as bocas pequenas que Antônio Carlos Magalhães assumiria em relação a Fernando Henrique Cardoso uma posição independente que dificultaria mais ainda a já custosa aprovação pelo Congresso das reformas necessárias ao equilíbrio das finanças brasileiras. Esse custo político seria incalculável, ainda que grandemente oneroso para a nação.

Contudo, a ocasião vale antes para pensar grande do que para falar pequeno; e fazer algumas reflexões a propósito do episódio Ford-Bahia.

O Estado brasileiro não pode ser preterido por nenhum estado brasileiro. Ninguém põe em dúvida a legitimidade da pretensão dos estados à prosperidade, mesmo em competição entre si. Mas, na concorrência entre os estados federados, por mais legítimo que seja o interesse regional, sua legitimidade está condicionada ao interesse nacional. Federação não é dissociação de interesses. É sociedade de estados em que – como em toda sociedade – o interesse de um deve compor-se com o interesse de todos. Essa compreensão deve guiar todas as autoridades públicas em todos os níveis e membros da Federação brasileira.

Aliás, dessa compreensão, a Bahia já deu um bom exemplo. Rui Barbosa deixou na primeira Constituição federativa brasileira, cujo anteprojeto foi por ele inteiramente revisto, o princípio constitucional do equilíbrio institucional: São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si (art. 15).

A equação entre o regional e o nacional é essência da Federação. Deve guiar os que nela decidem para refletir-se no que decidem. Sobretudo na ação dos poderes políticos: o Legislativo e o Executivo. O equilíbrio entre quem provê a elaboração e quem provê a execução da lei é indispensável à eficiência do Estado de Direito. Sem ele, arruína se o governo e a administração que depende do governo. No passado, desavenças entre titulares dos Poderes Legislativo e Executivo puseram em risco a solução de questões graves, como podem pôr no presente a reformulação das finanças públicas.

Nesse estado de equilíbrio – que é o próprio Estado de Direito – também entra o Judiciário. Provê a execução da lei em outra função vital: a solução dos litígios individuais e sociais. Mas essa função somente se completa se o Judiciário se equilibra com os demais Poderes, como a si próprio internamente, em consonância com a Constituição. A harmonia com a Constituição é a chave do equilíbrio dentro dos Poderes e dentre os Poderes.

Sem o debate político – a discussão de idéias, a controvérsia de opiniões, o diálogo dos ideais com os fatos – não há regime democrático, nem eficiência do Estado. Mas também é certo que o regime e a eficiência do Estado correrão risco, se na chefia de seus Poderes o interesse nacional for embaraçado por interesses, projetos ou meras vaidades pessoais.

Daí, a preocupação justificada: hoje esse risco existe no Brasil. Alguns dos atritos entre chefes de Poderes nacionais já foram, até, além das fronteiras nacionais. Não pode persistir tal confusão no debate político. A Constituição dispõe o que o próprio senso comum impõe: os interesses particulares – regionais ou pessoais – devem submeter-se ao interesse geral. Na ação institucional, há interesses muito maiores em jogo do que qualquer jogo de interesses entre os chefes das instituições.

Por isso, tradicionalmente, o Poder constituinte se ocupou da harmonia dos Poderes constituídos, refletindo democraticamente a preocupação do titular de todo o Poder: o povo. Por isso, também, aquele princípio constitucional referendado por Rui, como por toda a doutrina e até mesmo pelo mais simples senso comum, além de ser uma norma jurídica, hoje é um conselho que o povo dá a seus chefes institucionais por intermédio da Constituição (art. 2.º): São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 Sérgio Resende de Barros

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