"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 23 de junho de 2013

Proteção Constitucional da Criança e do Adolescente

Vulnerabilidade e Gênero no Sistema de Direito Brasileiro: algumas reflexões dialogais

“A Justiça é a primeira virtude das instituições sociais”

Sobressai da ordem social preconizada na Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII, Título VIII, a explícita priorização na proteção da criança e do adolescente, com o estabelecimento de uma ordem de proteção máxima e especial que lhes fora atribuída, conforme se constata do caput do art. 226, “A Família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” combinado com o art. 227 e seu § 3º, 

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” e “o direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos”.

Nesta mesma preocupação protetiva do constituinte com a criança e o adolescente, se encontra a destinação de recursos da seguridade social para as ações governamentais e política pública nesta especificidade, segundo se verifica do § 7º do mencionado dispositivo constitucional e do caput do art. 204 da Constituição cidadã: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com bases nas seguintes diretrizes”.

Num célebre ensino sobre uma atuação constitucional, é oportuna a doutrina do príncipe dos constitucionalistas lusitanos, Dr. J.J. Gomes Canotilho, a respeito do papel de garantia e proteção da constituição:

“Uma das principais funções da constituição é a ‘função garantística’. Garantia de que? Desde logo, dos direitos e das liberdades… (omissis). Nas constituições modernas os direitos constitucionalmente garantidos e protegidos representavam a positivação jurídico-constitucional de direitos e liberdades inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado”.

Tal função garantista da Carta Magna deve ser compreendida com a convocação do meta-princípio da dignidade da pessoa humana – aqui de relevo e previamente, servimo-nos da doutrina de Ronald Dworkin, ao distinguir as normas dos princípios: os princípios fazem referencia à Justiça e à Equidade (fairness).

Enquanto que as normas se aplicam ou não se aplicam, os princípios dão razões para decidir em um sentido determinado. Porém, diferentemente das normas, seu enunciado não determina as condições de sua aplicação - entendida esta dignidade da pessoa humana em seu sentido universal, isto é, como o ser que é dotado de razão e de consciência.  A Constituição confere, assim, uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim do Estado.

É de se frisar que a dignidade da pessoa humana exige a contraprestação do respeito à integridade física, psíquica e moral, com abrangência da preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. A dignidade da pessoa humana encontra-se no centro da construção dos direitos fundamentais.

Não se deve olvidar que a ligação jurídico-positiva entre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana, consoante a cátedra de Jorge Miranda, só começa com o Estado Social de Direito e, mais rigorosamente, com as Constituições e os grandes textos internacionais subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. E que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade e da paz no mundo.

Os direitos da criança e do adolescente, tais como o direito à vida, à integridade física e psíquica, à educação, à saúde, à alimentação, etc, em sua grande maioria, estão inseridos na Constituição Federal de 1988, dentre a categoria de direitos sociais (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e como tal, são direitos fundamentais, que advieram do esforço nacional de inserir os direitos humanos da criança e do adolescente na ordem positivada pátria. Tem razão Peces-Barba quando assevera que não podem existir direitos fundamentais que não tenham sido reconhecidos pelo ordenamento jurídico estatal.

Em verdade, os direitos fundamentais “constituem a principal garantia com que contam os cidadãos de um Estado de Direito de que o sistema jurídico e político em seu conjunto se orientará com a finalidade de respeito e promoção da pessoa humana”. Assim, é de se compreender, conforme asseverou Perez Luño, que a positivação dos direitos fundamentais não tem um mero caráter declarativo de reconhecimento de uns direitos ou valores jurídicos prévios, mas, sim constitutivo, na medida que se trata de dar vida no ordenamento jurídico estatal a umas normas que regulam situações subjetivas, com independência do seu conteúdo material e sem fazer remissão a fontes legitimadoras alheias a própria ordem jurídica positiva.

Destarte, os direitos fundamentais se apresentam na vida normativa constitucional como um “conjunto de valores objetivos básicos (Grundwert, da doutrina germânica), e ao seu tempo, como o marco de proteção das situações jurídicas subjetivas”.A “felicidade comum” ou “fraternidade” enquanto fim da sociedade, assumiu-se como a expressão moderna dos direitos humanos.

Para uma melhor compreensão da construção histórica dos direitos da criança e do adolescente, oportuna se faz uma ligeira menção à Declaração dos Direitos da Criança, emitida pela ONU, em 20 de novembro de 1959, que é um marco divisor na construção do direito da criança e do adolescente, considerados como titulares de interesses juridicamente protegidos. Entretanto, o reconhecimento internacional de que crianças e adolescentes são titulares de direito, restou coroado somente com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990.

Esta Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, como reconheceu Garrido de Paula, tem forte lastro na concepção da dignidade da pessoa humana:

“Os princípios da Carta das Nações – liberdade, justiça e paz no mundo – se fundamentam no reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana e que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Reconhece que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão, que deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e ser educada especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. Expressamente consigna que “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” 

No tocante aos direitos fundamentais específicos da criança e do adolescente, é de se constatar, precipuamente, que o disposto no § 2º, 1ª parte do art. 5º da CF/88, ao dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados… (omissis)”, não encerrou em numerus clausus os direitos fundamentais elencados nos incisos I a LXXVIII do mencionado art. 5º, mas deixando em aberto a possibilidade de outros, por este sistema aberto de consagração dos direitos fundamentais.

A Constituição de 1988 conferiu dignidade à criança especialmente pelo reconhecimento da titularidade de direitos, rompendo com a concepção de proteção reflexa. Igualmente representou o coroamento de uma luta contra a discriminação decorrente de idade, em mais uma evidência do que se conhece por culturalismo reativo. Mas não só, eis que a CF/88 foi além da proclamação dos interesses protegidos, enfatizando as obrigações correspondentes da Família, Sociedade e do Estado, numa clara preocupação com a concretude das normas através de uma forma de dicção dos direitos e dos conseqüentes deveres. É o que se verifica do citado art. 227.

Vale ressaltar também que o legislador constituinte ao estatuir o modelo de garantia contra a discriminação no caput do art.5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade” contemplou, evidentemente, a distinção em razão da idade, deixando absolutamente reconhecível a cidadela jurídica da criança e do adolescente.

Destarte, a Constituição da República de 1988 promove a dignidade da criança através da prescrição de direitos, igualando sua condição com as demais pessoas humanas, não permitindo distinção relativa à idade, conforme a referida vedação do art. 5º, supra destacado. Complementando a proteção da criança e adolescente, adveio a Lei nº 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que reafirma esses direitos constitucionais fundamentais bem como confere proteção integral, conforme o teor do art. 3º: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidade e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

A finalidade declarada do ECA é a proteção integral da criança e do adolescente, que consiste no desenvolvimento saudável e na garantia da integridade.  Assenta-se a Lei, segundo doutrina dominante, em dois princípios fundamentais: respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento e prioridade absoluta. Dedica esta significativa norma infraconstitucional, todo o Título II, do Livro I, aos direitos fundamentais da criança e adolescente, sendo que, no capítulo I faz a proteção aos direitos à vida e à saúde; e no capítulo II, ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.

Explicitar essas qualidades e condições de vida através de formulações jurídicas, aclarando o conteúdo de cada uma delas e propiciando uma maior vinculação dos obrigados, na visão de Garrido de Paula, representou inegável desafio: a primeira tarefa foi assentar a regra da igualdade, com o que contribuiu com isso, o art.15 do ECA: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.

O passo seguinte consistiu na explicitação de alguns aspectos do direito à liberdade, o que o fez de forma exemplificativa no art.16:

“O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se.

O direito de brincar deve ser levado a sério neste nosso país, aonde ainda existem violações e desrespeitos aos direitos humanos, sufragados tais direitos neste particular pela OIT, que veementemente condena o trabalho infantil. Inegável, inclusive sua caracterização como direito fundamental.

Ademais, é de se destacar no art. 17 do ECA, o meta principio da dignidade, especialmente considerado para estas duas categorias jurídicas de criança  e de adolescente: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”.

Inegável que essa dimensão protetiva e de reconhecimento dessa cidadania, fez surgir duas novas categorias de cidadãos: o cidadão-criança e o cidadão-adolescente, que se estratifica solidamente através dos artigos 15 a 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Resumindo: o art. 15 consagra esta cidadania, reafirmando que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos fundamentais; o art. 16 versa sobre a liberdade, em seus diversos aspectos; o art.17 cuida da dignidade, ao mencionar o “direito ao respeito” e o, por último, no art.18, o culturalismo reativo, visando resgatar esta dignidade da criança e do adolescente, a partir de sua violação.

Ainda considerando a ordem de proteção especial à criança e ao adolescente, é de se ressaltar, o que o constituinte estabeleceu no § 4º do citado art.227 da CF/88: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”. Assim, o legislador infraconstitucional, no afã de proporcionar proteção sexual de vulnerável pela menoridade, tanto no Código Penal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentou tipificando as condutas criminosas específicas e as penas que incidem sobre as mesmas. No Código Penal, esta proteção sexual de vulnerável se verifica com a penalização das seguintes condutas:

1) o art. 217-A, acrescentado ao CPB pela Lei 12.015/2009, estatuiu o tipo estrupo de vulnerável;

2) o art.218 previu o tipo do induzimento de menor à lascívia;

3) o art.218-A, o crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança e adolescente; e

4) o art.218-B, o de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, penalizou distintas e múltiplas condutas nos tipos dos arts. 228 a 244-A, que vão além da proteção sexual da criança e adolescente, estatuindo diversos crimes praticados contra a criança, num esforço de tentar alcançar qualquer ato contrário à dignidade da criança e do adolescente, que não se limitam a práticas sexuais ilícitas e repugnáveis face à maior vulnerabilidade destas vítimas que não possuem ainda a capacidade de querer e determinar-se segundo seu entendimento, face ao incompleto desenvolvimento humano, biológico, psíquico, emocional, social, cultural ou ainda em qualquer de sua dimensão existencial. Assim, não se pode negar que o grau de proteção constitucional e legal disponibilizado a esta categoria jurídica de criança e adolescente, é maior, mais intensa e mais ampla que a proteção disponibilizada ao gênero.

Nesta esteira de raciocínio, o enfrentamento institucional dos crimes contra criança e adolescente, independente de qualquer condição – por exemplo, se o infante é do sexo feminino ou masculino ou se é dessa ou daquela raça ou etnia ou ainda pertencente a classes sócio-econômicas mais baixas ou mais altas ou ainda insistindo neste raciocínio, se é de família que pratica tal ou qual religião – deve ser feito com o mesmo rigor e seriedade, por profissionais especializados na matéria e segundo as normas da organização judiciária local, respeitando-se neste caso os princípios constitucionais do Juiz Natural e da Específica Competência. Destarte, não se pode jamais abandonar estes princípios, que se transformam em exigências para aqueles encarregados da prestação jurisdicional.

Ademais, a denegação deste direito àquelas vítimas de maior vulnerabilidade, de serem protegidas pelo juiz natural e competente, afronta norma constitucional e legal, constituindo-se assim em grave violação das normas aplicáveis às espécies, podendo, salvo melhor juízo, ser considerado inconstitucional qualquer posicionamento por ato administrativo ou decisão judicial que atente contra tais direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Nesta ordem de ideias, é de considerar-se, de que maneira se encontra regulamentada esta especial competência nas leis estaduais de divisão e organização judiciária, para assim verificar se a mesma se encontra contemplada, na unidade da federação em apreço, com uma unidade jurisdicional própria de proteção à criança e adolescente ou se a distribuição desta especial competência está reservada, de forma destacada a uma das varas criminais existentes nas comarcas. Na primeira hipótese, tal unidade jurisdicional (vara especializada de proteção à criança e adolescente, ainda que não possua esta nomenclatura), é a única competente para processar e julgar os crimes cometidos contra infantes e adolescentes, sem qualquer distinção de gênero.

Assim, considerar as unidades jurisdicionais especializadas em combate à violência doméstica e familiar, contra a mulher, que foram criadas sob a égide da Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha (e, portanto, sob o manto de proteção ao gênero feminino), como competente para julgar os crimes cometidos contra meninas é atentar contra o conceito de gênero que foi o critério escolhido pelo legislador nacional ao enfrentar, no plano legislativo, este tipo especialíssimo de violência contra a mulher.

Pode-se reconhecer que a violência de gênero é revestida de atributos assaz específicos, e de um grau de especialidade elevado, em razão da própria dificuldade de compreensão do conceito de gênero por parte daqueles que não lidam com a matéria. Por isso, não é incomum encontrar-se entre os atores do direito (advogados, promotores e juízes), quem não saiba discernir, com rigor e precisão, entre gênero e sexo.

Logo, se o profissional do direito não lida com a matéria cotidianamente, por causa deste grau de especialidade e daqueles atributos específicos que são próprios do conceito de gênero, é compreensível esta confusão conceitual. Tal distinção tem repercussões que escapam, em muito, ao tecnicismo acadêmico, por importar em reflexões de ordem prático-operacional, como o de saber aonde ajuizar as demandas de responsabilização de crimes contra a mulher ou mesmo dos crimes cometidos contra criança e adolescente. Na hipótese de maus tratos ou de violência sexual ou ainda de outro tipo de violência contra meninas – compreendidas estas aquelas personas que ainda não atingiram o limite de idade de 18 (dezoito) anos – indagar-se-ia, de quem é a competência para processar e julgar tais crimes? Da vara especializada em repressão aos crimes contra criança e adolescente? Ou da vara especializada em combater os crimes contra a mulher, criadas sob a égide da Lei Maria da Penha? Bem, a resposta, segundo as considerações retro expostas, somente pode ser atribuída à vara de proteção à criança e adolescente, por causa da maior vulnerabilidade de quem ainda não conta com o pleno desenvolvimento pessoal; que não se confunde da vulnerabilidade em razão do gênero ou mesmo de idosos ou de portadores de necessidades especiais.

Considere-se ademais que o conceito de gênero, para tal situação, somente se verifica quando o ser do sexo feminino atingir a maioridade, aos 18 (dezoito) anos de idade. Antes disso não se pode falar em gênero, mas sim em especial proteção de criança e adolescente. Uma menina é menina, é criança ou adolescente, pois enquanto não se desenvolver completamente em seus aspectos biológico, psicológico, moral e social, ainda não é mulher e nem detém a plena capacidade de querer e de determinar-se por si só, necessitando do auxílio dos pais ou responsáveis para os atos da vida civil e também não responde pelos crimes eventualmente cometidos, por não serem imputáveis.

A vulnerabilidade das crianças e adolescentes é maior do que a de gênero. Assim quis o legislador constituinte, quando estabeleceu no caput do art.227 que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (sem negrito no original).

É de se notar ainda, que toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, mas nem toda violência contra a mulher é violência de gênero. Verbi gratia, se uma mulher é agredida fisicamente no meio da rua por um transeunte (que ela sequer conhecia) ou se é assaltada ou ainda estuprada, trata-se esta hipótese de violência contra a mulher e nunca de violência de gênero. E assim a competência para tais crimes é de uma das varas criminais comuns, segundo a Lei de Divisão e Organização Judiciária.

Vale a colação do art. 5º da Lei 11.340/06, que configura a opção legislativa pelo gênero, ao definir o entendimento de violência doméstica e familiar contra a mulher, como sendo: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (negritos nossos), nos âmbitos da unidade doméstica (espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas) e da família (a comunidade formada por indivíduos que são ou se considerem aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa) e em qualquer relação íntima de afeto (extraído dos incisos I a III do mencionado art.5º, LMP).

À guisa de conclusão, é de se convocar novamente John Rawls, em sua maravilhosa afirmação:

“a Justiça só será efetiva se os homens tiverem um sentido de justiça e se respeitarem uns aos outros”.

É no respeito ao outro, independente de ser criança, adolescente ou ser integrante do sexo feminino (ou qualquer outra condição), e no reconhecimento de que somos todos iguais, sem qualquer distinção, e ainda, valorizando a dignidade destes nossos semelhantes de forma fraternal, que construiremos uma sociedade melhor, mais justa e solidária.

NELSON M. DE MORAES REGO 

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