"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Socialismo, Comunismo, Corporativismo… PT!

1 DE JULHO DE 2011 

Ete texto busca oferecer algumas hipóteses sobre o malogro, em nossa história política, dos partidos do tipo social-democrata e comunista, mais ou menos semelhantes aos que existiram na Europa. Nossa hipótese principal é de que o corporativismo e o populismo bloquea¬ram a expansão do socialismo e do comunismo no Brasil. Certamente, o marxismo influenciou fortemente a cultura política nacional, mas os partidos socialistas e comunistas, como organização, tiveram mais influência na intelligentsia de classe média ou de classe alta do que nas classes operárias e populares. Mas essas mesmas estruturas ajudaram a ascensão do PT, o único partido considerado de esquerda que conseguiu ter êxito eleitoral e controlar altos postos da administração pública municipal, estadual e federal .

O Socialismo

Façamos um breve retrospecto para que essas afirmações não fiquem inteiramente no ar. Os primeiros grupos de propaganda que se definiam como socialistas começaram a aparecer no País no final do século XIX. Não tiveram nenhuma importância na política brasileira. Por isso, convém pular para a redemocratização política do final do Estado Novo, quando foi criado um PSB vindo da antiga Esquerda Democrática . Não teve presença significativa na política brasileira.

Damos apenas um exemplo: em 1950, o PSB lançou um candidato a presidente da República. O escolhido foi João Mangabeira, de uma ilustre família de políticos baianos. Recebeu cerca de 9 500 votos. Getúlio, que voltava a competir eleitoralmente depois do fim do Estado Novo, foi eleito presidente com aproximadamente 8,8 milhões.

Posteriormente, o PSB teve minúsculos êxitos eleitorais. Mas foi por meio da aproximação a lideranças de grande prestígio popular, como o apoio a Jânio Quadros em 1953, para a prefeitura de São Paulo. Depois da reforma partidária dos militares de 1966, que impôs o bipartidarismo, um novo partido socialista reapareceu no início da década de 1980. Só obteve algum êxito atraindo para a legenda – ou nela aceitando – políticos de prestígio que nada tinham de socialista, como Eduardo Campos, eleito governador de Pernambuco, e Cid Gomes, eleito governador do Ceará.

Assim, o partido cresceu eleitoralmente. Em 2006, 27 deputados federais foram eleitos sob sua legenda. Em 2010, conseguiu eleger 34 deputados federais e seis governadores. Finalmente, o PSB atingia o status de partido médio. Teria, finalmente, chegado a hora e a vez da social-democracia em nosso País? Parece-nos que não, pela razão básica de que o “novo” PSB não é um partido social-democrata ou socialista. A social-democracia, se tomarmos por comparação os partidos filiados à II Internacional, surgiu e se desenvolveu conectada com a expansão do sindicalismo que, por sua vez, estava ligado a uma classe operária formada principalmente de trabalhadores fabris e assalariados manuais. Foi tipicamente o partido operário de uma etapa da industrialização capitalista, cuja expansão levava ao contínuo aumento da mão de obra e favorecia as correntes políticas que captavam voto nas camadas operárias.

Não é o caso da etapa atual do desenvolvimento econômico. Nenhum partido – nem os de esquerda – pode ter alguma chance de êxito eleitoral querendo ser partido de apenas uma classe, segmento social ou confessional. Precisa ser catch-all party. Contudo, o alargamento do campo de captação de votos não acarreta o fim de vínculos e compromissos partidários preferenciais com grupos de interesses.

Partidos “de esquerda”, em comparação com os de “direita” ou de “centro”, continuam a recrutar suas potenciais chefias mais nos segmentos das classes médias assalariadas do que nas classes altas e empresariais. São justamente os membros mais ativos e politicamente competentes das classes médias e populares os que, para entrar na política, precisam do apoio dos sindicatos e dos movimentos sociais.

No caso brasileiro, PT e PCdoB beneficiaram-se eleitoralmente de suas relações com as organizações sindicais e populares. Os socialistas, porém, não tiveram o mesmo êxito. Apesar de seu crescimento parlamentar, o PSB não conseguiu ligação equivalente com os movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores da estrutura corporativa. Permaneceu como um partido eleitoral voltado para a competição nas urnas, fato que o afasta da social-democracia. Damos dois curtos exemplos. Na eleição de 2006 para a Câmara dos Deputados, dos 27 eleitos sob a legenda do PSB, apenas um era sindicalista. Na de 2010, só dois entre 34 .

Convém uma rápida comparação com o PCdoB e com o PT. Em 2006, o PCdoB, eleitoralmente bem mais fraco do que o PSB, elegeu treze deputados federais. Entre os quais, porém, sete ex-diretores de sindicatos, isto é, 54% de sua bancada. Em 2010, elegeu quinze parlamentares, dos quais oito ex-sindicalistas, 53% da bancada.

Apesar disso, em comparação com a legenda de Lula, em termos absolutos, os resultados do PCdoB são modestos. O PT, em 2006, elegeu 83 deputados, dos quais 41 ex-sindicalistas (49% da bancada). Em 2010, 88 petistas foram para a Câmara dos Deputados, entre os quais 50 vindos do sindicalismo (57% da bancada) .

Dados sobre eleições anteriores (cuja apresentação tomaria muito espaço) vão no mesmo sentido: mostram o PT como o grande canal de entrada de ex-sindicalistas na classe política e, daí, para o Estado. A considerar apenas esse aspecto, o partido de Lula poderia ser visto como um autêntico representante da social-democracia no Brasil. Mas há outras variáveis que precisam ser levadas em conta e que afastam o perfil do PT do da social-democracia e, na verdade, do perfil de outros partidos de esquerda. Voltaremos a esse ponto depois de considerarmos o caso do PCB.

O comunismo

Comecemos com uma rápida descrição das aventuras e desventuras do comunismo no Brasil, a corrente de esquerda que, até o aparecimento do PT, tinha conseguido maior influência na vida política nacional. Contudo, o começo do comunismo no País foi bem difícil e refletiu muito de perto os meandros da política externa soviética, ante a qual todos os partidos comunistas estiveram sempre subordinados. Lembremos alguns fatos. Criado em 1922, em Niterói, o “congresso” de fundação do PCB teve a participação de somente nove delegados representando 73 membros de grupos comunistas espalhados no País.

Com essa origem, o PCB só ocuparia espaço nos jornais em novembro de 1935 com o levante da Intentona Comunista, formalmente dirigido pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), porém, de fato, pelo PCB e pela Internacional Comunista (IC). Com a ANL, o PCB cresceu muito mais entre setores da intelligentsia civil de classe média e entre militares dos escalões intermediá­rios do Exército. Na classe operária, o levante não teve a menor repercussão, mas deu legitimidade para feroz repressão ao partido, quase acarretando seu desaparecimento.

O imediato pós-guerra foi um dos melhores momentos eleitorais do PCB. Seu candidato à Presidência da República receberia 10% dos votos nas eleições de 1946. Para a Câmara, os comunistas elegeram 14 deputados federais e um senador (o próprio Prestes). Nesse momento, o partido possuía uma das maiores cadeias de publicações do País. O PCB, como todos os PCs (e partidos de esquerda, de modo geral), sabia da importância da batalha ideológica e do domínio do campo cultural.

Em maio de 1947, o STF colocou o PCB fora da lei. Depois cassou os mandatos dos parlamentares eleitos sob a legenda comunista. A esses atos, o PCB respondeu desafiadoramente. A partir do início da década de 1950, o PCB abandonou sua política de colaboração de classe. Adotou uma orientação denominada posteriormente de aventureira e ultraesquerdista, formalmente orientada para a revolução.

Contudo, pouco ou nada foi feito para tentar implantar o socialismo no País. Para tomar alguns termos do idioma leninista: as condições objetivas realmente não estavam maduras. Mas não havia aqui um erro de análise da direção brasileira. A nova estratégia resultara dos reflexos do início da guerra fria no Brasil. O PCB, obviamente, colocou-se ao lado da URSS. O governo brasileiro ficou do lado dos EUA. Rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. Por derivação, Getúlio, que era presidente, passou a ser definido pelos comunistas como o maior agente do imperialismo america¬no no Brasil, e o PTB foi classificado como o maior inimigo dos trabalhadores.

Em 1954, porém, com o suicídio de Getúlio, o PCB mudou novamente de orientação. Adotou uma linha “nacionalista e democrática”. Pôs o socialismo de lado. Aproximou-se dos trabalhistas e do presidente João Goulart. Embora com muito menos votos do que o PTB, porém mais disciplinado, o PCB conquistou posições importantes no sindicalismo oficial e dominou o Comando Geral dos Trabalhadores que apoiava o governo de Goulart. Foi o momento em que o PCB teve maior influência no jogo político brasileiro. A partir dessa data, o PCB só viria a declinar.

Talvez a principal razão tenha sido a crise do stalinismo na URSS. No Brasil, a direção stalinista foi expulsa no V Congresso (1960). Prestes foi preservado. Os “reformistas” assumiram a direção do partido. A meta estratégica passou a ser a instalação de um “governo nacionalista e democrático” a ser alcançado por via pacífica. Logo depois, em 1961, uma conferência nacional mudou o nome de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro.

Na segunda metade da década de 1960, novas dissidências, desta vez mais à esquerda, ocorreriam no comunismo brasileiro. Os dissidentes criticavam a moderação da direção reformista. Defendiam, sob inspiração cubana, a luta armada pela derrubada do governo militar e instauração do socialismo. A mais importante das cisões foi a do PCdoB, que tentou implantar um foco guerrilheiro rural, na região do Araguaia (1967). O Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, ficou fora dos experimentos revolucionários. Seus dirigentes entraram para o MDB e permaneceram no campo da oposição legal ao regime militar.

O comunismo no Brasil, em declínio, sofreria novos conflitos internos, tornando-se mesmo difícil para um observador externo entender, nas disputas de facções, quem era quem. Em 1992, no X Congresso do PCB, foi aprovada a mudança de nome para Partido Popular Socialista (PPS). O nome “comunista” e a foice e o martelo foram abandonados como símbolos partidários.

As cisões e brigas de facções no comunismo brasileiro, porém, não estavam terminadas. Uma facção mais radical, inconformada com o desaparecimento do PCB, convocou outra reunião com o mesmo nome de “X Congresso”. Decidiu-se, aí, manter o mesmo nome, a mesma sigla e os mesmos símbolos do velho Partidão. Em 1995, esse grupo conseguiu no TSE registro definitivo da legenda, mas não teve a menor influência no País. Já o PCdoB – que desde a anistia de 1979 adotara uma linha política muito moderada – aproximou-se do PT. Obteve pequenos êxitos eleitorais e razoável penetração no meio sindical.

A descrição anterior não exigiu muito esforço. “Ir às causas” é mais complicado. Mas nos arriscamos a tentar algumas relações causais. Comecemos por uma variável que é frequentemente citada: a inexistência, no País, de uma classe numerosa de trabalhadores industriais que servisse de apoio social e político para partidos de tipo social-democrata. Esse tipo de abordagem, de base sociológica, funda-se numa análise de causa e efeito muito mecanicista, mas não necessariamente equivocada. Uma economia industrial (e uma sociedade mais modernizada e urbana) tende a ter, juntamente com uma classe operária de mais peso, uma classe de empresários industriais importante. Nesse caso, considerando o exemplo dos países com movimento sindical forte, seria possível supor que o conflito Capital vs. Trabalho teria um desdobramento menos “legalista”, menos marcado pelo intervencionismo governamental, pela predominância da burocracia estatal .

Pode-se contra-argumentar lembrando que a variável “importância da classe operária” teria os mesmos efeitos para o PCB. E, contudo, os “revolucionários” comunistas sempre foram bem mais importantes do que os “reformistas” socialistas. Mas apenas na visão dos próprios comunistas o PCB (tal como outros PCs) seria partido da classe operária. De fato, do ângulo da composição social de sua liderança, não o seria. Na alta cúpula predominavam os dirigentes de classe média. (A ideologia “proletária transforma pequeno-burgueses em operários).

Façamos um parênteses: no Brasil, o único levante comunista, o da Intentona, foi dirigido por militares de classe média tradicional. Na realidade, o peso reduzido da classe operária não foi, em parte alguma, obstáculo para a implantação de regimes comunistas que nunca surgiram de “revoluções proletárias” . Pelo contrário, poderia atrapalhar: uma classe operária social e politicamente importante significa poderosos sindicatos e partidos de tipo reformista. As chefias sindicais sabem que é no capitalismo que podem encontrar maior poder. Por isso, não lhes apetece entregar a direção das organizações sindicais aos intelectuais de esquerda e entrar em aventuras revolucionárias. Como Lênin já denunciara desde 1902, a classe operária não é revolucionária. Cumpre submetê-la ao partido e ao comando dos intelectuais, de onde saem os verdadeiros revolucionários. No caso do PT, as teses de Lênin encontravam plena confirmação na oposição das tendências mais à esquerda à liderança de Lula, mais do que reformista conciliadora.

Doutrinas na década de 1930

Mas voltemos ao fio da meada para introduzir, na discussão, a variável ideológica, ou seja, as doutrinas que, na década de 1930, se apresentavam como opções para o País. Os tecnocratas e intelectuais do recém-criado Ministério do Trabalho (1930), que se incumbiram da montagem da estrutura sindical, eram influenciados por ideias socialistas e corporativas. Eram antiliberais e favoráveis às concepções autoritárias. Alguns tinham, mesmo, um passado de ativismo sindical e entendiam sua ação paternalista no meio trabalhista como protetora do Trabalho ante o poder do Capital .

A presença desse intervencionismo assistencialista e autoritário – que ao mesmo tempo protegeu e controlou o sindicalismo – constituiu uma das barreiras que impediu a formação de um sindicalismo autônomo ante o poder público, capaz de se associar a partidos de tipo socialista.

No plano da liderança, uma deficiência do socialismo no Brasil foi a inexistência de uma chefia única, de tipo carismático, de prestígio nacional, capaz de encarnar o partido, como aconteceu com Luís Carlos Prestes e o PCB, Getúlio e o trabalhismo, Plínio Salgado e a Ação Integralista Brasileira e, mais recentemente, Lula e o PT .

Os partidos socialistas brasileiros, pela composição de seus dirigentes, foram agremiações urbanas de classe média, geralmente de escolaridade alta. Situaram-se sempre no campo democrático. Foram organizações eleitorais num país que mantém especial encanto por revoluções e golpes de Estado. Quiseram também ser um partido que deveria crescer confiando na capacidade de organização autônoma da classe operária, ou seja, baseando-se na militância dos trabalhadores, justamente num país com excesso de oferta de mão de obra e de baixa escolaridade da massa operária. Acabaram espremidos entre o corporativismo e o comunismo.

Já o PCB, segundo as regras da concepção leninista, deveria ser uma organização partidária com disciplina militar, uma mística salvacionista e um chefe único carismático. Era, na ideologia, o partido da classe operária, mas levantava também a bandeira do nacionalismo, que encantava grande fatia das classes médias e da intelectualidade.

PT e a social-democracia

O desenvolvimento econômico e a abertura política na década de 1980 poderiam, finalmente, ampliar as oportunidades de cresci¬mento de um partido socialista reformista no Brasil. Entretanto, para adquirir um perfil social-democrata, esse partido deveria ter vínculos fortes com o proletariado e com o sindicalismo e, teoricamente, ter o marxismo como guia teórico. Desse modo, poderia atrair os intelectuais de esquerda e chegar à composição social sine qua non para ser um partido de esquerda: elevada proporção de sindicalistas e intelectuais (ou semi-intelectuais) nos diferentes escalões da estrutura partidária.

Mas essa possibilidade foi bloqueada pelo aparecimento de um partido que, com razão, foi classificado de uma “novidade” na política brasileira. Do interior das estruturas sindicais corporativas – e, no início, aparentemente contra elas – surgiu uma liderança com mais autenticidade para pretender representar a classe operária, como foi a de Lula, o metalúrgico, o autêntico operário que os anteriores partidos de esquerda brasileiros nunca tiveram como number one.

No entanto, apesar de certos traços comuns, o PT não foi um partido social-democrata, corrente ideológica, aliás, que renegava explicitamente. A social-democracia nasceu na Europa com objetivos socialistas explícitos. Por várias décadas, teve de lutar arduamente para conseguir um lugar ao sol no interior de sociedades que, embora burguesas, conservavam fortes traços do passado aristocrático antidemocrático.

Desse ângulo comparativo, o PT nasceu em berço esplêndido. Sua liderança máxima foi paparicada por amplos setores das classes dominantes e das cúpulas políticas antes mesmo do desmonte final do autoritarismo militar e da criação do PT . Além disso, o Partido dos Trabalhadores foi poupado da árdua tarefa de criar organizações sindicais poderosas. Como mencionamos, existia já uma ampla e sólida estrutura sindical corporativa. Bastou enfraquecer e depois eliminar o controle ministerial para que o modelo sindical, outrora definido como “fascista”, se transformasse (como de fato se transformou) num poderoso instrumento para mobilizações grevistas de baixíssimo risco para as lideranças.

Por outro lado, para as lideranças dos sindicalistas outrora “autênticos” e “combativos”, o novo partido iria revelar-se um poderoso canal de ascensão política e, a fortiori, social e econômica. Nesse aspecto, o PT não difere dos partidos social-democratas. Já com relação aos partidos comunistas, a comparação é mais problemática. Em todo mundo capitalista, os PCs tiveram mais dificuldade para exercer o governo em economias de mercado, entre outras razões porque mantiveram, até a dissolução da URSS, uma fidelidade inquebrantável à pátria soviética. Com isso, tornavam-se pouco confiáveis para instituições como as Forças Armadas, a Igreja, os empresários, a alta burocracia pública, etc. Não se acreditava que stalinistas pudessem administrar responsavelmente o capitalismo, como o fizeram os sociais-democratas.

O PT, também nesse ponto, foi favorecido. Não teve de superar a violenta rejeição das facções mais conservadoras das camadas empresariais e das classes altas. A acusação de “comunismo ateu”, pespegadas no PCB pela Igreja Católica nos tempos da Liga Eleitoral Católica, nunca pôde ser colada no Partido dos Trabalhadores. A Igreja Católica estava entre os fundadores mais ou menos ocultos do PT que incorporou, nos seus órgãos dirigentes, grande número de militantes católicos progressistas . Por esse aspecto, o PT fica mais próximo de uma democracia-cristã do que de um partido social-democrata, o que do ponto de vista prático trouxe muitas vantagens porque permitiu a penetração do PT entre os eleitores católicos.

Mas, se, por um lado, o apoio da Igreja como instituição viabilizou o PT e barrou a expansão do comunismo e do socialismo, por outro lado, barrou também a existência de partidos democrata-cristãos ou social-cristãos de alguma expressão .

PT nunca foi marxista

No plano ideológico e programático, o PT nunca foi oficialmente marxista. A maior parte dos sindicalistas da corrente majoritária do partido, a começar pelo chefe máximo, não tinha nenhuma ideologia e não estava preocupada com socialismo . Desse ângulo, a escolha do nome “Partido dos Trabalhadores” foi perfeita porque não comprometia o novo partido com nenhuma ideologia, como habitualmente acontece com as organizações partidárias. A ambiguidade para a definição precisa de quem é trabalhador permitia abranger inclusive os empresários e pequenos proprietários, só excluindo explicitamente os ociosos.

É nossa hipótese de que foi justamente a ausência de teoria socialista um dos fatores que permitiram o êxito do PT. Mais precisamente: em lugar de marxismo, um leve, confuso e difuso esquerdismo de cunho populista dirigido contra os ricos e as elites de olhos azuis, mas não contra os grandes empresários e a propriedade privada. Aqui, é preciso reconhecer o papel fundamental de Lula. Como operário autêntico e ex-pobre, tinha legitimidade suficiente para contrariar as tendências mais radicais infiltradas no PT. Tratava-se dos pequeno-burgueses que, como era denunciado, sob a camisa petista vestiam a de outra organização mais à esquerda.

Mencionemos ainda algo desagradável: o modelo corporativo fascista. Embora as cúpulas sindicais e a esquerda petista façam ouvidos moucos para o fato, a “novidade” petista dificilmente teria tido êxito não fosse a estrutura corporativa à qual Lula parecia se opor quando se projetou na política brasileira . Essa imensa máquina com fontes consideráveis de recursos, uma vez livre do controle do Ministério do Trabalho, pôde ser usada como poderoso instrumento de atuação política e de fortaleci¬mento do PT.

Damos dois exemplos recentes: deixando de lado os parlamentares vindos do sindicalismo, nas eleições de 2006, o partido de Lula, em lugar das 83 cadeiras que conseguiu, teria apenas 42 na Câmara dos Deputados, bem abaixo do PFL (65 cadeiras) e muito próximo do PP (41). Nas eleições de 2010, excluindo os ex-sindicalistas, o PT teria 38 deputados em lugar dos 88 que obteve. Estaria em quinto lugar, abaixo do PR (40 deputados) . Fica evidente o fato de o PT ser basicamente um partido de sindicalistas, ou ex.

É pouco provável, nos próximos anos, que a máquina sindical saia do controle do PT, especialmente depois das vantagens financeiras que Lula, quando presidente, concedeu às centrais sindicais. Se assim for, parece também pouco provável que o modelo instaurado por Getúlio Vargas sofra alguma alteração significativa nos próximos anos. Pelo contrário: a permanecer a atual distribuição de forças políticas, a tendência mais forte irá na direção de um redobrado esforço para estender o corporativismo da área das representação de interesses profissionais para outros setores da economia, do Estado e da sociedade, aumentando, e muito, a força das chefias sindicais. Isso, certamente, não significaria o fim da economia de mercado e da propriedade, mas maior controle do Estado sobre o setor privado e sobre a classe empresarial. Em poucas palavras: maior domínio do político sobre o econômico, maior espaço para os sindicalistas e políticos ante a classe empresarial.

LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES é professor titular de Ciência Política da USP e da UNICAMP

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