A Ação Penal Originária 470, conhecida como “Mensalão”, teve início no dia 1º de agosto passado e chega ao fim (ressalvada a interposição de recursos) neste mês de dezembro. A população brasileira, decepcionada com o sistema judicial, foi surpreendida com o andamento inexorável do julgamento, presidido com suave rigor pelo ministro Ayres Britto e relatado com empenho pelo ministro Joaquim Barbosa.
Dos 38 denunciados, 25 foram condenados pela prática de diversos crimes, como corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, gestão fraudulenta, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
As penas foram severas, acima da benevolente fixação no mínimo legal, que é regra geral em nossos tribunais, inclusive no STF. Para dar apenas um exemplo, jamais vi pena corporal como a imposta à presidente do Banco Rural, Katia Rabello, condenada a cumprir 16 anos e 8 meses de reclusão.
Com alguns protestos isolados, cuja ressonância não ecoa além dos locais fechados em que ocorrem, aproxima-se a ação penal do fim. E daí virá a fase de execução da pena. Alguns aspectos merecem atenção. Quais os próximos passos? Ainda que o rumo possa ser outro, a experiência revela que:
a) Serão interpostos embargos de declaração (CPP, art. 619) por todos ou, pelo menos, pela maioria. Uma vez julgados, novos embargos sobrevirão. E, quiçá, outros tantos depois.
b) Tornando-se definitivo o acórdão. Serão interpostos embargos infringentes e de nulidade, uma vez que a decisão colegiada não foi unânime (CPP, art.609, par. único). Pelo CPP não cabe dito recurso, porque ele se dirige a decisão não unânime de segunda instância. No caso a decisão colegiada equivale a uma sentença e se trata de instância única. Porém, na verdade o artigo 333, inciso I do Regimento Interno do STF prevê dito recurso em decisão do Plenário não unânime. Mas o parágrafo único exige no mínimo 4 votos vencidos. Assim, poderá ser aceito dito recurso em algumas hipóteses, por exemplo, nas que na dosagem da pena o condenado teve 4 ou 5 votos favoráveis.
c) Enquanto estes recursos não forem decididos em definitivo — e isto pode levar meses — as penas não serão executadas, ou seja, não haverá prisões. Isto porque foi o STF que, interpretando a Constituição, afirmou que a presunção de inocência impede a execução provisória da pena.
d) Supondo que foi ultrapassada a fase de recursos, terá início a execução. Aí poderá surgir a hipótese de algum condenado evadir-se. Sabidamente, isto é fácil com ou sem passaporte. A fronteira do Brasil é enorme e não policiada. Poderá dar-se pelo simples atravessar a rua em Santana do Livramento, RS, ou cruzando o rio Madeira em Guajará-Mirim, RO. Mas evadir-se é uma sanção também, pois o condenado se verá distante de seu país, família, amigos, vivendo sempre com receio de ser capturado. Ficará anos aguardando a prescrição de sua pena.
e) Mas, supondo que foi expedido mandado de prisão e os 25 condenados foram presos, para onde eles irão? A Lei de Execuções Penais afirma no artigo 65 que o juiz indicado na lei local promoverá a execução e o artigo 66 define sua competência (p. ex., conceder progressão de regime). Sendo os condenados de locais diferentes, presume-se que cumprirão em diversos presídios, sempre próximos de suas famílias.
Uns, condenados até 4 anos, se beneficiarão do regime aberto, ou seja, trabalhando de dia e dormindo em casa do albergado. Outros do semiaberto (condenações de 4 anos e 1 dia a 8 anos), trabalhando em colônia agrícola, ou mesmo em local externo e podendo sair para estudar. Outros, condenados a mais de 8 anos, se sujeitarão a regime fechado. Cogita-se do ministro relator executar a sentença.
Tal medida destoaria de toda a tradição brasileira, pois o juiz da condenação nunca é o da execução. As condenações já ocorridas nos TJs e TRFs sempre foram executadas pelo juiz da execução. Ademais, parece estranho que um ministro do STF, com uma enorme carga de processos, passe a despachar sucessivos pedidos de remoção de presídio, saída no Dia das Mães ou permissão para estudar na escola da cidade vizinha.
f) No mesmo mandado os condenados serão intimados a recolher a multa a que foram condenados, em 10 dias (CP, art. 50). Os valores são altos. Por exemplo, para Delúbio Soares R$ 320.000,00. Alguns foram condenados a mais de um milhão. É difícil imaginar que qualquer um deles depositará o valor em Juízo.
Pois bem, basta ele ficarem omissos que o juiz determinará a remessa de cópia da sentença para a Procuradoria da Fazenda Nacional para que seja inscrita em dívida ativa. Isto feito, será proposta uma execução fiscal na Vara das Execuções Fiscais. E daí o devedor poderá embargar, discutir, interpor recursos. As Varas de Execuções Fiscais são a declaração de falência do sistema judicial.
Algumas dessas Varas chegam a mais de 100.000 processos. E lá estará o do réu condenado. Será apenas um a mais. E se o processo não tiver andamento por 5 anos ocorrerá a prescrição intercorrente, beneficiando o devedor. Ainda, se o devedor não tiver bens a penhorar, a execução ficará suspensa, sem outras consequências. Como se vê, dos 25 condenados talvez nenhum pague a multa a que foi condenado.
g) Os detentores de cargo público condenados a mais de 4 anos, perderão o cargo por força do disposto no artigo 92, inc. I, alínea “b” do Código Penal. A redação do “caput” do artigo 92 fala em “cargo, função pública ou mandato (eletivo)”. Assim, se um servidor público for condenado a mais de 4 anos, o caminho previsto pela lei é o acórdão reconhecer a perda do cargo e comunicar à chefia do órgão.
Por outro lado, os deputados merecem especial referência. O artigo 55, inciso VI da Constituição menciona que deputados e senadores podem perder o cargo em virtude de sentença criminal transitada em julgado.
Disto resulta discussão sobre se cabe à Casa Legislativa decidir a respeito. Já foram proferidos três votos no sentido de que a decisão cabe ao Poder Judiciário. A meu ver, com razão, pois a opção do Poder Legislativo restringe-se aos casos em que o Judiciário não for explícito na sua decisão. Por exemplo, uma condenação por lesões corporais a pena de 6 meses de detenção, evidentemente, cabe ao Legislativo avaliar se ela justifica a perda do mandato.
Não, todavia, uma pena superior a 4 anos ou, mesmo menor, que explicitamente decrete a perda. Caso contrário, estar-se-ia diante de cerceamento à atividade jurisdicional e também à quebra de isonomia, porque os parlamentares receberiam tratamento diverso dos representantes de outros Poderes de Estado.
h) Indenizações fixadas. Nas condenações há sempre referência a valores a serem ressarcidos pelos condenados a favor da União Federal. O artigo 387, inciso IV, do CPP manda ao juiz que fixe na sentença penal o valor mínimo para a reparação dos danos causados. Ora, sendo presumível que nenhum dos 25 condenados recolherá nada a tal título, considerando que vítima no caso é a União Federal, o único caminho a seguir será extrair-se cópia da decisão judicial e encaminhar à AGU para que promova a cobrança.
Bem, estes são os passos presumíveis da mais famosa ação penal do Brasil em toda a sua história. Resta aguardar. A sociedade civil e a mídia, com certeza, acompanharão todas as fases das execuções nos próximos anos.
Vladimir Passos de Freitas
Dos 38 denunciados, 25 foram condenados pela prática de diversos crimes, como corrupção ativa, corrupção passiva, peculato, gestão fraudulenta, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
As penas foram severas, acima da benevolente fixação no mínimo legal, que é regra geral em nossos tribunais, inclusive no STF. Para dar apenas um exemplo, jamais vi pena corporal como a imposta à presidente do Banco Rural, Katia Rabello, condenada a cumprir 16 anos e 8 meses de reclusão.
Com alguns protestos isolados, cuja ressonância não ecoa além dos locais fechados em que ocorrem, aproxima-se a ação penal do fim. E daí virá a fase de execução da pena. Alguns aspectos merecem atenção. Quais os próximos passos? Ainda que o rumo possa ser outro, a experiência revela que:
a) Serão interpostos embargos de declaração (CPP, art. 619) por todos ou, pelo menos, pela maioria. Uma vez julgados, novos embargos sobrevirão. E, quiçá, outros tantos depois.
b) Tornando-se definitivo o acórdão. Serão interpostos embargos infringentes e de nulidade, uma vez que a decisão colegiada não foi unânime (CPP, art.609, par. único). Pelo CPP não cabe dito recurso, porque ele se dirige a decisão não unânime de segunda instância. No caso a decisão colegiada equivale a uma sentença e se trata de instância única. Porém, na verdade o artigo 333, inciso I do Regimento Interno do STF prevê dito recurso em decisão do Plenário não unânime. Mas o parágrafo único exige no mínimo 4 votos vencidos. Assim, poderá ser aceito dito recurso em algumas hipóteses, por exemplo, nas que na dosagem da pena o condenado teve 4 ou 5 votos favoráveis.
c) Enquanto estes recursos não forem decididos em definitivo — e isto pode levar meses — as penas não serão executadas, ou seja, não haverá prisões. Isto porque foi o STF que, interpretando a Constituição, afirmou que a presunção de inocência impede a execução provisória da pena.
d) Supondo que foi ultrapassada a fase de recursos, terá início a execução. Aí poderá surgir a hipótese de algum condenado evadir-se. Sabidamente, isto é fácil com ou sem passaporte. A fronteira do Brasil é enorme e não policiada. Poderá dar-se pelo simples atravessar a rua em Santana do Livramento, RS, ou cruzando o rio Madeira em Guajará-Mirim, RO. Mas evadir-se é uma sanção também, pois o condenado se verá distante de seu país, família, amigos, vivendo sempre com receio de ser capturado. Ficará anos aguardando a prescrição de sua pena.
e) Mas, supondo que foi expedido mandado de prisão e os 25 condenados foram presos, para onde eles irão? A Lei de Execuções Penais afirma no artigo 65 que o juiz indicado na lei local promoverá a execução e o artigo 66 define sua competência (p. ex., conceder progressão de regime). Sendo os condenados de locais diferentes, presume-se que cumprirão em diversos presídios, sempre próximos de suas famílias.
Uns, condenados até 4 anos, se beneficiarão do regime aberto, ou seja, trabalhando de dia e dormindo em casa do albergado. Outros do semiaberto (condenações de 4 anos e 1 dia a 8 anos), trabalhando em colônia agrícola, ou mesmo em local externo e podendo sair para estudar. Outros, condenados a mais de 8 anos, se sujeitarão a regime fechado. Cogita-se do ministro relator executar a sentença.
Tal medida destoaria de toda a tradição brasileira, pois o juiz da condenação nunca é o da execução. As condenações já ocorridas nos TJs e TRFs sempre foram executadas pelo juiz da execução. Ademais, parece estranho que um ministro do STF, com uma enorme carga de processos, passe a despachar sucessivos pedidos de remoção de presídio, saída no Dia das Mães ou permissão para estudar na escola da cidade vizinha.
f) No mesmo mandado os condenados serão intimados a recolher a multa a que foram condenados, em 10 dias (CP, art. 50). Os valores são altos. Por exemplo, para Delúbio Soares R$ 320.000,00. Alguns foram condenados a mais de um milhão. É difícil imaginar que qualquer um deles depositará o valor em Juízo.
Pois bem, basta ele ficarem omissos que o juiz determinará a remessa de cópia da sentença para a Procuradoria da Fazenda Nacional para que seja inscrita em dívida ativa. Isto feito, será proposta uma execução fiscal na Vara das Execuções Fiscais. E daí o devedor poderá embargar, discutir, interpor recursos. As Varas de Execuções Fiscais são a declaração de falência do sistema judicial.
Algumas dessas Varas chegam a mais de 100.000 processos. E lá estará o do réu condenado. Será apenas um a mais. E se o processo não tiver andamento por 5 anos ocorrerá a prescrição intercorrente, beneficiando o devedor. Ainda, se o devedor não tiver bens a penhorar, a execução ficará suspensa, sem outras consequências. Como se vê, dos 25 condenados talvez nenhum pague a multa a que foi condenado.
g) Os detentores de cargo público condenados a mais de 4 anos, perderão o cargo por força do disposto no artigo 92, inc. I, alínea “b” do Código Penal. A redação do “caput” do artigo 92 fala em “cargo, função pública ou mandato (eletivo)”. Assim, se um servidor público for condenado a mais de 4 anos, o caminho previsto pela lei é o acórdão reconhecer a perda do cargo e comunicar à chefia do órgão.
Por outro lado, os deputados merecem especial referência. O artigo 55, inciso VI da Constituição menciona que deputados e senadores podem perder o cargo em virtude de sentença criminal transitada em julgado.
Disto resulta discussão sobre se cabe à Casa Legislativa decidir a respeito. Já foram proferidos três votos no sentido de que a decisão cabe ao Poder Judiciário. A meu ver, com razão, pois a opção do Poder Legislativo restringe-se aos casos em que o Judiciário não for explícito na sua decisão. Por exemplo, uma condenação por lesões corporais a pena de 6 meses de detenção, evidentemente, cabe ao Legislativo avaliar se ela justifica a perda do mandato.
Não, todavia, uma pena superior a 4 anos ou, mesmo menor, que explicitamente decrete a perda. Caso contrário, estar-se-ia diante de cerceamento à atividade jurisdicional e também à quebra de isonomia, porque os parlamentares receberiam tratamento diverso dos representantes de outros Poderes de Estado.
h) Indenizações fixadas. Nas condenações há sempre referência a valores a serem ressarcidos pelos condenados a favor da União Federal. O artigo 387, inciso IV, do CPP manda ao juiz que fixe na sentença penal o valor mínimo para a reparação dos danos causados. Ora, sendo presumível que nenhum dos 25 condenados recolherá nada a tal título, considerando que vítima no caso é a União Federal, o único caminho a seguir será extrair-se cópia da decisão judicial e encaminhar à AGU para que promova a cobrança.
Bem, estes são os passos presumíveis da mais famosa ação penal do Brasil em toda a sua história. Resta aguardar. A sociedade civil e a mídia, com certeza, acompanharão todas as fases das execuções nos próximos anos.
Vladimir Passos de Freitas
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