"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A Revolução Farroupilha e as manifestações das ruas


Para senadora gaúcha, movimentos de insatisfação merecem a atenção das autoridades. “Que essa façanha sirva de exemplo positivo para todos aqueles que buscam os ideais sociais e de civilidade”

A Revolução Farroupilha, importante data histórica do Rio Grande do Sul lembrada em 20 de setembro, poderia, grosso modo, ser comparada às sucessivas manifestações de insatisfação, intensificadas nas ruas do Brasil no mês de junho. Faz 178 anos que ocorreu a invasão de Porto Alegre por rebeldes vindos de Pedras Brancas, local histórico, berço da Revolução Farroupilha, localizado na mesorregião metropolitana de Porto Alegre, banhada pelas águas do Guaíba e distante 30 quilômetros da capital.

Naquela época, enquanto se iniciava a revolução, o presidente da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, fugia para Rio Grande, localizado a quase 320 quilômetros da capital Porto Alegre. É importante lembrar que a Revolução Farroupilha, ou Guerra dos Farrapos, liderada por Bento Gonçalves, foi um conflito regional de contestação ao governo imperial brasileiro com caráter republicano.

Essa importante mobilização iniciada na madrugada de 20 de setembro de 1835 durou até 1º de março de 1845. Uma revolução de dez anos! Naquela época, obviamente, não existia internet, redes sociais nem a rapidez das “revoluções digitais”. Foi, portanto, o mais duradouro conflito armado da história do Brasil, resultando na independência do Rio Grande do Sul, a antiga República do Piratini.

O mais curioso da história é que a distância que separa os dias de hoje aos primeiros momentos da revolução Farroupilha, não conseguiu afastar do Brasil alguns problemas antigos, ainda presentes no nossa contemporânea democracia. As escolas eram poucas e os salários dos professores eram baixos.

Naquela época, os professores da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul recebiam entre 20 mil réis (20$000) e 150 mil réis (150$000). O valor do aluguel de uma pequena casa, por exemplo, era de 120 mil réis (120$000) anuais. Muitos precisavam gastar quase a totalidade dos recursos recebidos para ter direito a um lugar para dormir, uma moradia. Não é muito diferente dos dias de hoje. Lamentavelmente, as diferenças de renda, sobretudo entre uma região e outra do Brasil, ainda persistem.  Naquela época, as obras também eram paralisadas. Por causa da guerra, a construção do Theatro São Pedro, por exemplo, teve que ser interrompida entre as Ruas do Cotovelo e do Ouvidor.

Quando a obra foi interrompida, após dois anos de iniciada, não existia nada mais que os alicerces. Os 12 membros da associação que fizeram o investimento na construção do edifício, que até hoje é belíssimo e importante cenário artístico e cultural do Rio Grande do Sul, estavam desesperados porque não sabiam como o governo iria reembolsá-los para a finalização das obras. Basta um exemplo dos dias atuais, o da BR-156, para percebermos que alguns problemas do passado, lamentavelmente, se repetem. Essa estrada que corta o Amapá de Sul a Norte até o rio Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa, está em obras faz 70 anos e sem previsão de conclusão. São barreiras que oneram, demasiadamente, os custos finais dos fretes e, em última análise, penalizam os consumidores contemporâneos.

Certamente, algumas dessas insatisfações parecidas, foram componentes que motivaram a revolução e a busca por mudanças, por mais desenvolvimento, liberdade, independência e justiça social. Essa é, a meu ver, a grande lição da Guerra dos Farrapos não apenas para os gaúchos, mas para todos os brasileiros que viram nessas manifestações históricas o caminho para mudar em direção a uma vida melhor.

O que a Revolução Farroupilha consagra é uma história, construída muito mais pelas referências que nos asseguram uma identidade, ao longo dos séculos, do que necessariamente a memória de um confronto com o poder central, cujo desfecho ainda hoje é considerado controverso. Como destacou de modo exemplar o editorial do jornal Zero Hora, no último dia 20 de setembro, a exaltação de nossas virtudes não deve ser confundida com uma pretensa manifestação de superioridade. Que nossas façanhas sejam exemplares, no sentido de que merecem ser reconhecidas, mas nunca entendidas como provas de que pretendemos ser melhores do que outras unidades da federação.

As mobilizações recentes das ruas têm motivações muito diferentes das que levaram os farroupilhas ao conflito armado no sul do Brasil. São, entretanto, movimentos de insatisfação que merecem a atenção das autoridades. São mobilizações diferentes, digitais, mas legítimas, que também contém apelos para uma vida melhor, com mais saúde, educação, segurança e infraestrutura. O que vivemos hoje não são os conflitos entre o presidente deposto, em setembro de 1835, Antônio Rodrigues Fernandes Braga e o comandante dos farroupilhas, Bento Gonçalves. Estamos em um momento de busca por mais transparência e da luta contra a corrupção.

Os questionamentos vigentes são contra a incoerência política e o velho hábito do poder público de usar “dois pesos e duas medidas”. Os eleitores querem justiça para acreditarem mais  na classe política e nos governos, sem autoritarismo, unilateralismo ou arbitrariedades. Os fatos recentes nas três esferas de poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) são claros sobre isso. Os debates no Senado sobre o voto aberto para todas as situações e o frustrante adiamento do processo do mensalão na Suprema Corte do país, por exemplo, são alguns fatos já registrados na história brasileira recente, que explicam as insatisfações populares.

Os ajustes que o poder público têm buscado, com dificuldades, para fortalecer nossas instituições democráticas, públicas e privadas, serão, portanto, muitos e sempre necessários. Por isso a importância de preservarmos valores, virtudes e direitos básicos. Esses, sim, devem prevalecer e serem constantes, afim de motivar mudanças e melhorias.

Não basta pra ser livre, ser forte, aguerrido e bravo. Povo que não tem virtude acaba por ser escravo. Os ideais farroupilhas de liberdade e respeito seguem vivos e atuais, contra uma política centralizadora e autoritária que cobrava altos impostos e pouco se importava com as necessidades sociais dos habitantes do Rio Grande do Sul. A Revolução Farroupilha é a referência da coragem e vontade de um povo que lutou contra o Império em busca de seus ideais. Que essa façanha sirva de exemplo positivo para todos aqueles que buscam os ideais sociais e de civilidade.

Ana Amélia Lemos

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