"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 18 de janeiro de 2014

O Estado delinquente


Todo criminoso deve ser punido. Cabe ao Poder Judiciário condená-lo, após o devido processo legal e respeitada a ampla defesa. É o que determina a lei suprema (artigo 5º, incisos LIV e LV).
Nas democracias, o processo penal objetiva defender o acusado, e não a sociedade, que, do contrário, faria a justiça com as próprias mãos.

O condenado deve cumprir a sua pena nos estabelecimentos penais instituídos pelo Estado, em que o respeito à dignidade humana necessita ser assegurado.Quando isso não ocorre, o Estado nivela-se ao criminoso. Age como tal, equiparando-se ao delinquente, da mesma forma que este agiu contra sua vítima.
A função dos estabelecimentos penais é a reeducação do condenado, para que, tendo pago sua pena perante a comunidade, retorne à sociedade preparado para ser-lhe útil.

Os cárceres privados constituem crime. Quem encarcera pessoas, tirando-lhes a liberdade, deve ser punido e sofrer pena que o levará a experimentar o mesmo mal que impôs a outrem.E o cárcere público? Quando um criminoso já cumpriu o prazo de sua pena e tem direito à liberdade, mas o Estado o mantém encarcerado, torna-se o ente estatal um delinquente como qualquer facínora.

Todo condenado deve cumprir sua pena, mas nunca além daquela para a qual foi condenado. Se o Estado o mantém no cárcere além do prazo, torna-se responsável e deve ser punido por seu ato. Como não se pode encarcerar o Estado, deve-se pelo menos pagar indenizações à vítima pelos danos morais causados.
A tese vale também para aqueles que forem condenados a regimes abertos ou semiabertos e acabarem por cumprir a pena em regimes fechados, por falta de estrutura estatal, pois estarão pagando à sociedade algo que lhes não foi exigido, com violência a seu direito de não permanecerem atrás das grades. Nesses casos, devem também receber indenização por danos morais.

A tese de que todos são iguais e não deve haver privilégio seria correta se o Estado mantivesse estabelecimentos que permitissem um tratamento pelo menos com um mínimo de respeito à dignidade humana. Como isso não ocorre, a tese de que todos devem ser iguais e, portanto, devem “gozar” das péssimas condições que o Estado oferece é simplesmente aética, para não dizer algo pior. Em vez de o Estado dar exemplo de reeducação dos detentos, a tese da igualdade passa a ser garantir a todos tratamento com “igual indignidade”.

Enquanto a Anistia Internacional esteve no Brasil, pertenci à entidade. Lutávamos, então, não só contra a tortura, mas contra todo o tratamento indigno aos encarcerados, pois não cabe à sociedade nivelar-se a eles, mas dar-lhes o exemplo e tentar recuperá-los.

Por isso, ocorreu-me uma ideia que sugiro aos advogados penalistas e civilistas –não atuo em nenhuma das duas áreas–, qual seja, a criação de uma associação, semelhante àquela que Marilena Lazzarini criou em defesa dos consumidores, para apresentar ações de indenização por danos morais em nome das pessoas que:

a) cumpram penas superiores àquelas para as quais foram condenadas;
b) cumpram penas em regimes fechados, quando deveriam cumpri-las em regime aberto ou semiaberto;
c) cumpram penas em condições inadequadas.

Talvez assim o Estado aprendesse a não nivelar-se aos delinquentes. Sofrendo o impacto de tais ações, quem sabe poderia esforçar-se por melhorar as condições dos estabelecimentos penais, respeitar prazos e ofertar dignidade no cumprimento das penas.

Todo criminoso deve cumprir sua pena, mas nos estritos limites da condenação e em condições que não se assemelhem às dos campos de concentração do nacional-socialismo.

 Ives Gandra

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