"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Conseqüências

CONSEQÜÊNCIAS

Para chegarmos ao verdadeiro conceito do que é uma Constituição temos agido com grande cautela, lentamente. É possível que alguns dos meus ouvintes, muito impacientes, tenham achado o caminho um pouco longo para chegar ao fim almejado.

De posse desse resultado, as coisas desenvolveram-se depressa e, como agora já podemos encarar o problema com mais clareza, poderemos estudar diversos fatos que têm a sua origem nos diferentes pontos de vista que temos estudado.

PRIMEIRA CONSEQÜÊNCIA.

Tivemos ocasião de ver que não foram adotadas as medidas que se impunham para substituir os fatores reais do poder dentro do país para transformar o Exército, de um Exército do rei num instrumento da nação.

Certo que foi feita uma proposta encaminhada para consegui-lo, que representava o primeiro passo para esse fim e que era a sugestão apresentada por Stein na qual constavam medidas que teriam obrigado a todos os oficiais reacionários a resignar seus postos solicitando a sua aposentadoria.

Aprovada essa proposta pela Assembléia Nacional de Berlim, toda a burguesia e a maior parte da população protestaram gritando: A Assembléia nacional deve preocupar-se da nova Constituição e não perder seu tempo atacando ao Governo e provocando interpelações sobre assuntos que competem ao poder executivo!

Ocupai-vos da Constituição e somente da Constituição! — gritavam todos.

Como podem ver os meus ouvintes, aquela burguesia e a metade da população do país não tinham a mais remota idéia do que real e efetivamente era uma Constituição.

Para eles fazer uma Constituição escrita era o de menos; não havia pressa; uma Constituição escrita pode ser feita num caso de urgência, em vinte e quatro horas; mas, fazendo-a desta maneira, nada se consegue, se for prematura.

Afastar os fatores reais e efetivos do poder dentro do país, intrometer-se no Poder executivo, imiscuir-se nele tanto e de tal forma, socavá-lo e transformá-lo de tal maneira que ficasse impossibilitado de aparecer como soberano perante a nação.

É isto o que quiseram evitar, era o que importava e urgia afim de que mais tarde a Constituição escrita não fosse mais alguma coisa do que um pedaço de papel.

E como não se fez ao seu devido tempo, à Assembléia nacional foi-lhe impossivel organizar tranqüilamente a sua Constituição por escrito; vendo então, embora tarde, que o Poder executivo ao qual tanto respeitara, em vez de pagar com a mesma moeda, deu-lhe um empurrão, valendo-se daquelas mesmas forças que, com delicadeza, a Assembléia conservara.

SEGUNDA CONSEQÜÊNCIA.

Suponhamos que a Assembléia nacional não tivesse sido dissolvida, e que esta tivesse chegado ao seu fim sem contratempos; isto é, conseguir o estudo e votação de uma Constituição para o país.

Se isto tivesse acontecido, que modificações teria havido na marcha das coisas?

Possivelmente, nenhuma; mais categórico: absolutamente nada e a prova está nos fatos. É certo que a Assembléia nacional foi dissolvida, mas o próprio rei, recolhendo a papelada póstuma da Assembléia nacional, proclamou em 5 de dezembro de 1848 uma Constituição que na maior parte de seus pontos correspondia exatamente àquela Constituição que da própria Assembléia Constituinte podíamos esperar.

Esta Constituição foi o próprio rei quem a proclamou; não foi obrigado a aceitá-la; não lhe foi imposta; decretou-a ele voluntariamente, desde o seu monumento de vencedor.

À primeira vista parece que esta Constituição, por ter nascido assim, teria de ser mais viável e vigorosa.

Mas, infelizmente não foi assim.

Podem os meus ouvintes plantar no seu quintal uma macieira e segurar no seu tronco um papel que diga: “Esta árvore é uma figueira”. Bastará esse papel para transformar em figueira o que é macieira? Não, naturalmente. E embora conseguissem que seus criados, vizinhos e conhecidos, por uma razão de solidariedade, confirmassem a inscrição existente na árvore de que o pé plantado era uma figueira, a planta continuaria sendo o que realmente era e, quando desse frutos, destruiriam estes a fábula produzindo maçãs e não figos.

Igual acontece com as Constituições.

De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder.

Com aquela folha de papel datada a 5 de dezembro de 1848, o rei, espontaneamente, concordava com uma porção de concessões, mas todas elas iam de encontro à Constituição real; isto é, contra os fatores reais do poder que o rei continuava a dispor, integralmente, em suas mãos.

E aconteceu o que forçosamente devia acontecer.

Com a mesma imperiosa necessidade que regula as leis físicas da gravidade, a Constituição real abriu caminho, passo a passo, até impor-se à Constituição escrita.

Assim, embora aprovada pela Assembléia encarregada de revê-la, a Constituição de 5 de dezembro de 1848, foi modificada pelo rei, sem que ninguém o impedisse, com a célebre lei eleitoral de 1849 que estabeleceu os três grupos de eleitores já expostos anteriormente.

A Câmara criada à raiz dessa lei eleitoral foi o instrumento por meio do qual podiam ser feitas na Constituição as reformas mais urgentes, a fim de que o rei pudesse jurá-la em 1850 e, uma vez feito o juramento, continuar a deturpá-la, a transformá-la sem pudor.

Desde essa data não passou um único ano sem que a mesma fosse modificada.

Não existe bandeira, por muito velha e venerável que seja, por centenas de batalhas que tenha assistido, que possa apresentar tantos buracos e frangalhos como a famosa carta constitucional prussiana.

TERCEIRA CONSEQÜÊNCIA.

Quando os meus ouvintes saibam que um partido político tem por lema o grito angustioso “de cerrar fileiras em torno da Constituição!”, que devemos pensar?

Fazendo essa pergunta, não faço um apelo aos vossos desejos, não me dirijo à vossa vontade.

Pergunto, simplesmente, como a homens conscientes: Que devemos pensar de um fato desses?

Estou certo de que sem serdes profetas respondereis prontamente: essa Constituição está nas últimas; podemos considerá-la morta, sem existência; mais uns anos e terá deixado de existir.

Os motivos são muito simples.

Quando uma Constituição escrita responde aos fatores reais do poder que regem um país, não podemos ouvir esse grito de angústia. Ninguém seria capaz de fazê-lo, ninguém poderia se aproximar à Constituição sem respeitá-la; com uma Constituição destas ninguém brinca se não quer passar mal.

Onde a Constituição reflete os fatores reais e efetivos do poder, não pode existir um partido político que tenha por lema o respeito à Constituição, porque ela já é respeitada, é invulnerável.

Mau sinal quando esse grito repercute no país, pois isto demonstra que na Constituição escrita há qualquer coisa que não reflete a Constituição real, os fatores reais do poder.

E se isto acontecer, se esse divórcio existir a Constituição escrita está liquidada; não existe Deus nem força capaz de salvá-la.

Essa Constituição poderá ser reformada radicalmente, virando-a da direita para a esquerda, porém mantida integralmente, nunca.

Somente o fato de existir o grito de alarme que incite a conservá-la é uma prova evidente da sua caducidade para aqueles que saibam ver com clareza.

Poderão encaminhá-la para a direita, se o Governo julgar necessária essa transformação para opô-la à Constituição escrita, adaptando-a aos fatores reais do poder, isto é, ao poder organizado da sociedade.

Outras vezes é o poder inorgânico desta que se levanta para demonstrar que é superior ao poder organizado. Neste caso, a Constituição se transforma virando para a esquerda, como anteriormente o tinha feito para a direita; mas, num como noutro caso, a Constituição perece, está irremediavelmente perdida, não pode salvar-se.

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