"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 30 de agosto de 2008

O Brasil e os cegos.



por: Dom BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA.


A artificial popularidade de Lula parece ter se esvaído, de um momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução O BRASIL vive uma conjuntura inesperada e que causa perplexidade.Fatores até contraditórios parecem conjugar-se, gerando situações ora confusas, ora auspiciosas, ora trágicas, ora reveladoras.


Dir-se-ia que uma misteriosa mão revolveu o tabuleiro de xadrez da conjuntura político-social brasileira, derrubando certas peças, trocando outras de lugar, fazendo com que umas perdessem seu sentido e outras se sentissem confusas e desnorteadas. Sou obrigado a concordar com o deputado Fernando Gabeira -em cujos antípodas ideológicos me encontro- quando escreveu, há dias, nesta Folha: "Há algo no ar além dos poucos aviões de carreira. É uma sensação de que o governo, diante da crise, deixou de fazer sentido, deixou de dizer coisa com coisa. As pessoas não acreditam ainda no que estão ouvindo" ("A bruxa na cabeça", 28/7, pág. A2).


Por que afinal o governo "deixou de fazer sentido"? E terá sido apenas o governo? Relembro aqui razões pertinentes, já exaustivamente apontadas: a generalizada incompetência; o aparelhamento do Estado pelo PT e partidos aliados; um governo voltado para a autolouvação e a propaganda; a submissão de todos os atos políticos a uma ideologia. Há, entretanto, a meu ver, uma razão mais profunda que vejo pouco mencionada ou referida sem o devido destaque.


Obcecados por uma ideologia utópica, com tintas de fanatismo, Lula, seus colaboradores e conselheiros mais próximos muito falam do povo, mas pouco conhecem dele. O que se nota em suas convicções -melhor diria, em suas crenças- e modos de atuar é um desconhecimento fundamental da índole de nossa gente.


Inúmeros historiadores, sociólogos e analistas de renome se debruçaram e escreveram sobre ela. Sirvo-me aqui das palavras de Plinio Corrêa de Oliveira, um dos pensadores e homens de ação que, a meu ver, com maior acuidade discorreram a respeito dos traços de alma, dos sentimentos, da mentalidade de nosso povo: "O povo brasileiro se destacou desde as origens, por seu caráter ameno, afetivo e cordato. Ademais, habituou-se ele a considerar com otimismo as várias crises econômicas por que tem passado. Ele confia em Deus ("Deus é brasileiro", afirma um velho dito popular). (...) Com "jeitinho" (o "jeitinho" é uma instituição nacional), bonomia e paciência -julga a imensa maioria dos brasileiros- tudo se arranjará. O brasileiro é infenso à ansiedade.


Detesta rixas. Cuida pacatamente de si e de sua família e considera com um olhar algum tanto desinteressado e cético a política e os políticos (...). Em comparação com o imenso contingente populacional assim disposto, publicistas, políticos etc. representam uma minoria que por certo faz ruído, pois está nos postos-chaves de onde o ruído se difunde sobre as multidões. Mas essas multidões constituem um povo que pouca atenção dá a tal ruído" ("Sou Católico: Posso Ser contra a Reforma Agrária?", Vera Cruz, 1981, pp. 57 58).


Talvez por esse motivo a tão simbólica vaia do Maracanã tenha deixado surpreso e desorientado o presidente Lula e desconcertados seus assessores; talvez por esse motivo políticos petistas e aliados se tenham dedicado a exercícios abstratos e especulativos sobre os motivos da vaia em vez de se voltarem para o país profundo, que está mudando de modo irreversível. A artificial popularidade de Lula, mantida à custa de uma fabulosa máquina de propaganda, regada generosamente a números de pesquisas, tratada com uma cuidadosa ausência de oposição, parece ter se esvaído, de um momento para o outro, como um encantamento que perde sua sedução.


O terrível e trágico acidente da TAM, dias depois, teve o condão que, paradoxalmente, têm certas tragédias, de operar um choque salutar nos que arrastavam indolentemente sua insatisfação. Num clarão de dor e de morte, aos olhos de grande parte dos brasileiros se tornaram patentes o descomunal desastre e a imensa tragédia histórica para a qual o chamado lulo-petismo arrasta a nação.


Pela primeira vez, das camadas profundas da sociedade surgem manifestações de inconformidade ativa, de um descontentamento que há muito germinava e só o lulo-petismo parecia não levar em conta, em sua marcha utópica por cima do Brasil. Afinal, só isso explica as reações absurdas como a tristemente célebre frase da ministra Marta Suplicy; o escárnio da afirmação do ministro Guido Mantega; o sumiço do presidente Lula ante uma tragédia sem nome; os gestos desqualificados de Marco Aurélio Garcia; as piadas presidenciais e as gargalhadas na posse do novo ministro da Defesa.


Parecem não saber avaliar o desgaste profundo de seu projeto de poder nas mentalidades. E o desgaste das multidões é um dos fenômenos mais difíceis de ser revertido. Afinal, não se caminha impunemente ao arrepio de um povo, sobretudo quando sobre esse povo pairam os desígnios e a proteção da virgem Aparecida. Mas, para o lulo-petismo, tudo se reduz a uma disputa eleitoral, tudo é golpismo. O pior cego é aquele que não quer ver: e o Brasil está aí, aos olhos de todos... menos dos cegos.

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