"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Parte da imprensa sabe o que está em curso, mas se acorvada.


Que a imprensa esteja infiltrada de simpatizantes do bolivarianismo - mais por ignorância do que por ideologia -, disso não duvido. Mas reúne também muita gente sensata que está com medo de pensar; que se obriga a torcer os fatos para repetir o mantra: “golpe, golpistas…” Chamar Zelaya de presidente constitucional é, então, uma acinte.
Lula, com efeito, é “o Cara”. É o cara que fez correr sangue em Tegucigalpa. Com o apoio de boa parte da imprensa brasileira.


Depois de ter feito o seu discurso na ONU - aquele em que pediu a reinstalação de Zelaya no poder e o fim do embargo à tirania cubana -, Lula se encontrou e se deixou fotografar com Ahmadinejad, presidente do Irã.


Por Reinaldo Azevedo , 24 de setembro de 2009


Há pontos sobre os quais já não resta a menor dúvida. Lembro-os apenas para que não se perca no dia-a-dia a memória do escândalo. O ponto deste artigo, no entanto, é outro. Falarei aqui de uma imprensa - a chamada “grande imprensa” - que vive sob patrulha e que passou a ter medo de pensar. Se preciso, ela vai contra os fatos para que não seja considerada “conservadora”, “reacionária” e “golpista”. Já chego lá. Antes, ao que é dado.


- O retorno de Manuel Zelaya a Honduras foi pensado para coincidir com a presença de Lula em Nova York. O que, por si, já seria notícia ampliou-se enormemente. Lula tratou do caso em seu discurso;

- Lula usa, de forma miserável, a tragédia de um pequeno e pobre país para robustecer a própria mitologia;

- em entrevista à Rádio Jovem Pan, Zelaya confirmou que conversou previamente com Lula e Amorim;

- Os presidentes Lula, Daniel Ortega (Nicarágua), Maurício Funes (El Salvador) e Hugo Chávez, que desapareceu do noticiário (?), articularam a ação;

- se Zelaya não é um asilado na embaixada brasileira, como diz Celso Amorim, então está usando a representação brasileira para insuflar a insurreição, o que viola uma penca de tratados internacionais;

- Lula não hesitou em usar o pobre povo hondurenho como massa de manobra ou bucha de canhão de seus sonhos megalômanos;

- É mentira - grotesca, estúpida, deslavada - que Zelaya tenha sido deposto por um golpe. Artigo que circula por aí e que me foi enviado por leitores sustentando que a Constituição hondurenha foi violada pelo governo Micheletti sai da pena de um delinqüente de aluguel. O mesmo delinqüente garante, por exemplo, que o mensalão nunca existiu;
- Já demonstrei aqui, por A + B, que a Zelaya é que violou a Constituição; a rigor, quando deixou Honduras, nem era mais presidente. A Carta prevê destituição automática para quem faz o que ele fez;

- jornais e TVs ignoram o que é FATO, não o que é GOSTO: golpista era Zelaya, que deu uma ordem ao Exército contra decisão da Suprema Corte do país;- Lula mancha com sangue hondurenho a sua reputação de grande líder internacional - ainda mais asqueroso: alimenta-se desse sangue.


Tudo isso está dado. No arquivo vocês acham os artigos da Constituição que Zelaya violou. Agora vou comentar um pouco o transe em que a maior parte da imprensa brasileira está mergulhada. Não! Não é assim em todo o mundo, não. Tratei aqui de um editorial do Wall Street Journal que coloca as coisas em seus devidos termos. Escrevi ontem um texto afirmando, de forma um tanto irônica, que o chavismo havia chegado ao andar dos editoriais do Estadão. Agora, trato de um editorial da Folha. O jornal, vocês verão, percebeu que algo de errado se dá na embaixada brasileira. Mas recua diante do óbvio e recorre a uma mentira - ou desinformação - para ancorar seu ponto de vista. Trechos do editorial em vermelho. Sigo nas pretinhas.


A suspensão imediata do cerco [à embaixada do Brasil] acrescenta mais um item relevante ao conjunto de condições apresentadas pela comunidade internacional para superar-se o isolamento em que se encontra o atual governo hondurenho.As forças golpistas, entretanto, resistem a qualquer concessão. O governo Micheletti rejeitou a proposta de acordo apresentada por Oscar Arias, presidente da Costa Rica e Prêmio Nobel da Paz, que previa a volta de Zelaya ao poder, num governo de conciliação nacional, com anistia a todos os envolvidos na crise. Esse continua sendo o melhor caminho para superá-la.


Todavia, não são as resistências do atual governo o único fator de agravamento da situação. Nada é unívoco no quadro hondurenho, e as atitudes de Zelaya não correspondem em absoluto ao papel de mártir da democracia que lhe tem sido atribuído.


Não se esqueçam de que o jornal se refere ao governo Micheletti como “forças golpistas”. Já volto aqui. Observem que a Folha repete uma mentira que está em toda a parte: a história de que o governo provisório rejeitou o Plano Arias. Quem deu as negociações por encerradas foi o grupo de Manuel Zelaya. Basta consultar os jornais hondurenhos. O chamado Acordo de San José tinha um prazo estendido. No seu curso, Zelaya pôs fim à negociação e combinou com Chávez a sua volta - então malsucedida - a Honduras. Mas a Folha reconhece, que bom!, que ele não é um mártir da democracia. Vamos ver.


Zelaya tentou aplicar, contra uma cláusula pétrea da Constituição de seu país, o modelo chavista da permanência no poder, viabilizada por plebiscito popular. Naquela altura, já estava em curso a campanha para a sucessão presidencial -em que seu candidato tinha poucas chances de vencer.A tentativa de tumultuar o processo democrático -vale dizer, de golpe plebiscitário - foi condenada pelo Congresso e barrada na Corte Suprema. Roberto Micheletti, presidente do Congresso, assumiu conforme a linha sucessória estabelecida pela Constituição -já que o vice-presidente havia renunciado para concorrer nas eleições, marcadas para 29 de novembro.


A Folha reconhece, então, que Zelaya tentou a via bolivariana do golpe publicitário, condenado pelo Congresso e BARRADO pela Corte Suprema. Faltou o jornal lembrar neste ponto que, mesmo depois de o plebiscito ter sido declarado ilegal, o então presidente deu ordens para que fosse realizado e mobilizou para tanto o Exército.


O JORNAL E MUITA GENTE NÃO SE DÃO CONTA DE QUE AQUELA ORDEM JÁ ERA O GOLPE. Se os militares vão às ruas contra a Constituição e a Justiça, o que temos? Mas feliz fiquei mesmo quando a Folha escreveu: “Roberto Micheletti, presidente do Congresso, assumiu conforme a linha sucessória estabelecida pela Constituição”.


É MESMO? É MESMO! Assumiu segundo a linha sucessória estabelecida pela Constituição. Então não é golpe coisa nenhuma! Mas aí vem a patrulha: “Ih, vão chamar o jornal de golpista!” Vejam o que vem em seguida:


Foi o ato abusivo de expulsar Zelaya do país, “manu militari”, que configurou a ilegitimidade do atual governo. A partir de então, o justificado repúdio internacional ao golpe propiciou a Zelaya ocasiões para exercer, como nunca, o aventureirismo tumultuário que culmina em seu peculiar “asilo” na embaixada brasileira.Deixem-me ver se entendi bem. Zelaya tentou dar um golpe plebiscitário, mas sua ação foi “barrada” - isto é, ele caiu, perdeu o cargo (segundo a lei).


E, diz o jornal, Micheletti assumiu segundo a previsão constitucional. Estamos diante de uma inovação jurídica formidável: mesmo não sendo mais presidente, o golpe acontece quando Zelaya é tirado do país! Ora, ninguém podia surrupiar de Zelaya o que o próprio jornal admite que ele já não tinha. Ora, se ele foi mesmo tirado do país à força, isso até pode ser ilegal, criminoso, o diabo a quatro, mas golpe não é. E, como se nota, o que era uma sucessão constitucional virou golpe de novo.


Que a imprensa esteja infiltrada de simpatizantes do bolivarianismo - mais por ignorância do que por ideologia -, disso não duvido. Mas reúne também muita gente sensata que está com medo de pensar; que se obriga a torcer os fatos para repetir o mantra: “golpe, golpistas…” Chamar Zelaya de presidente constitucional é, então, uma acinte.


Lula, com efeito, é “o Cara”. É o cara que fez correr sangue em Tegucigalpa. Com o apoio de boa parte da imprensa brasileira.


Depois de ter feito o seu discurso na ONU - aquele em que pediu a reinstalação de Zelaya no poder e o fim do embargo à tirania cubana -, Lula se encontrou e se deixou fotografar com Ahmadinejad, presidente do Irã. Fica para o próximo post.

Nenhum comentário:

Postar um comentário