A esquerda mais radical não está livre de contrair o vírus que combate. Em outras palavras, também é susceptível ao canto da sereia das instituições burguesas. Sua crítica é assimilada pelo sistema eleitoral e o legitima. Seu poder de convencimento é minado pela linguagem e pelos parcos recursos que detém, comparado aos outros partidos. Sua capacidade de conquistar o eleitor “conservador” e “alienado”, já predisposto a votar nulo pela experiência acumulada em várias eleições, é limitada pela própria política que defende. Este eleitor até pode ver com simpatia os candidatos dessa esquerda, mas sabe que não terão chance. E, no final das contas, reconhece que seu voto é impotente para realmente mudar substancialmente a realidade.
O sistema eleitoral e partidário admite uma certa margem de votos na esquerda radical, outro tanto de nulos e brancos, desde que isto se mantenha em limites que não questione sua legitimidade. Por que a esquerda não adota a política de superar estes limites? Por que ela não tem a coragem de pregar o voto nulo? A resposta está em sua opção política, instituída desde que os partidos revolucionários aceitaram a “democracia burguesa”. Enquanto a revolução não chega, conquista-se um cargo aqui, outro acolá; um vereador e um deputado aqui, outro acolá; e amplia-se também o poder de atender aos interesses dos que compartilham da mesma ideologia. Multiplicam-se os cargos a conservar, ainda que o discurso se mantenha radicalizado.
Assim, cada vez mais aumenta o número dos que passam a viver da política. A missão revolucionária, viver para a política, é sutilmente substituída pela dependência econômica em relação ao aparato burocrático do partido e do Estado. E, ademais, é muito tênue a diferença entre viver da e para a política. Nos partidos de esquerda são poucos os que têm condições econômicas para se dedicarem à política sem a necessidade da recompensa financeira. A política passa a ser mais um caminho de ascensão social.
Eis uma das maiores dificuldades que a esquerda crítica ao petismo enfrenta. Sua opção eleitoral tende a repetir a tragédia petista e em circunstâncias históricas desfavoráveis. A eleição tende a reproduzir a bipolarização e a esquerda não-petista legitima o processo. Ganhará algumas posições no aparato institucional que ela própria denomina de burguês, mas dificilmente conseguirá convencer os desacreditados com a política institucional de que vale a pena atuar neste campo. Confirmar-se-á mais uma vez que a política, essa política, se restringe à minoria militante vinculada à disputa estatal e partidária. São os interesses em jogo que determinam a dinâmica da luta eleitoral.
Uma outra política, traduzida na resistência inconsciente e/ou ativa da massa que não vota nos partidos, poderia ser politizada pela defesa do voto nulo. Para tanto, seria necessário que os iluminados – que só vêem alienação e conservadorismo na postura apolítica das massas – e os que se afirmam revolucionários tivessem a ousadia de propor o voto nulo e, assim, abrir mão da possibilidade de usufruir das migalhas do poder, das benesses que o Estado concede no grau do seu merecimento às forças políticas que o disputam.
Esta é uma postura considerada utópica e até mesmo ingênua. Mas ela se fundamenta na própria história da esquerda que optou pelo caminho eleitoral, no Brasil e no movimento comunista internacional, e indica uma estratégia política diferenciada: a ênfase na política extra-institucional e a radicalização da democracia para além dos limites do sistema eleitoral. A esquerda anti-PT, embora bem-intencionada, insiste em trilhar caminhos já percorridos. Por que?!
por: Antonio Ozaí da Silva
Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM); editor da Revista Espaço Acadêmico, Acta Scientiarum. Human and Social Sciences e Revista Urutágua
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