Dom Pedro II aos 24 anos de idade, 1850.
Gastão Reis Rodrigues Pereira
Publicado no JB – 1 Janeiro 2006.
Pedro II é como uma daquelas estrelas que já se foram, mas cuja luz continua a nos iluminar. Comemoramos 180 anos de seu nascimento em dezembro passado. Não dá para deixar passar em brancas nuvens.
Ele soube manter a casa arrumada a ponto de o brasileiro não ter tido um problema de baixa auto-estima no século XIX, como nos garante o Prof. Carlos Lessa. Desmoralizou a sabedoria convencional do tipo cada povo tem o governo que
merece.
Deu testemunho diário de amor entranhado ao Brasil. Teria sido ele obra do acaso? Uma espécie de Stradivarius institu-cional cujo segredo de fabricação morreu com seu Construtor? Ou estaria-mos condenados a vivenciar aquele belo e terrível verso de Fernando Pessoa que diz:
“Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu”?
Pode parecer estranho, mas o Brasil já se deu ao trabalho de plane-jar seus chefes deEstado. A comprovação disto pode ser encontrada nas Instruções aos preceptores de Pedro
II formuladas pelo seu segundo tutor, o Marquês de Itanhaém, a outra estrela, aquela que iluminou os caminhos de Pedro II.
Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho exerceu essa função por sete anos, desde 1833, bem mais tempo do que José Bonifácio, que o foi por apenas dois anos. Ainda hoje, essas Instruções surpreendem pela atualidade e visão de futuro, podendo servir de marco balizador de uma excelente educação para nossos jovens.
O fato de os princípios em que foram baseadas terem resistido ao tempo comprova sua excepcional qualidade. Algumas pinceladas darão ao leitor os contornos da obra de arte que foi a educação de nosso segundo imperador.
Ao longo de 12 artigos curtos, Itanhaém estabeleceu o molde em que Pedro II foi cunhado.
Não é preciso citar os 12 para saber que se tratava de um profissional cioso da tarefa especialíssima de que foi encarregado. Começa pela máxima do “Conhece-te a ti mesmo”, ressaltando a importân-cia de fazer com que o futuro imperador compreendesse bem o que é a dig-nidade do ser humano e que “o monarca é sempre homem, sem diferença alguma de qualquer outro indivíduo humano.”
Em seguida, ele enfatiza o respeito devido à força da natureza social pelo príncipe, que o induzisse a ser um monarca bom, justo e sábio, fazendo-se o amigo fiel dos representantes da Nação e dos homens de bem. Apela aos
mestres para que fizes-sem ver ao futuro monarca que a violência da espada é sempre perigosa.
Continua conclamando-os a instruí-lo na tolerância e mútuo perdão das injúrias e erros e nas relações de civilidade entre os povos e religiões. Advertia-os contra a erudição estéril e
prejudicial e contra os doutores da Lei que enganavam as viúvas e os homens ignorantes com seus discursos pedantes.
Combatia a decoreba, mostrando-lhes que “a educação
literária não consiste decerto nas regras da gramática nem na arte de saber por meio das letras”, deixando claro que o importante é que o futuro monarca conhecesse “perfeitamente cada objeto de qualquer idéia”. Tem o cuidado de lembrar-lhes que, nas Ciências Morais, deviam classificar todas as ações filhas da soberba, distinguindo-as das que são filhas da humildade.
Ordena-lhes que mostrem ao imperial pupilo os deveres do monarca, que consistem basicamente em incentivar a indústria, a agricultura, o comércio e as artes. Para ele, o fim
de todas as ciências é a busca da existência feliz da humanidade ao invés da promoção da morte. Quer também que seu augusto pupilo seja um sábio consumado versado nas ciências e nas artes.
Enfatiza inclusive para que seja instruído “nos ofícios mecânicos, para que ele saiba amar o trabalho como princípio de todas as virtudes”. Não quer que seu aluno “seja um político frenético para não prodigalizar o dinheiro e o sangue dos brasileiros em conquistas e guerras e construção de edifícios de luxo”.
Finalmente, pede que lhe repitam, todos os dias, para cuidar seriamente dos deveres do trono, cobrando de seus ministros as devidas providências, pois suas “iniqüidades e caprichos são sempre a origem das revoluções e guerras civis”.
E ainda que lhe criassem o hábito de ler diariamente os jornais da Corte e das províncias e também que ele, no futuro, recebesse “com atenção todas as queixas e representações que qualquer pessoa lhe fizesse contra os ministros de Estado”.
Qualquer dúvida quanto à seriedade com que Pedro II exerceu sua função de ouvidor-mor, basta lembrar que todos os sábados, de 17:00 às 19:00h, abria os portões do Paço de São Cristóvão onde recebia qualquer pessoa sem necessidade de marcar audiência prévia. E cobrava de seus ministros solução para as queixas recebidas.
Pedro II pôs em prática, como sabemos, as lições do mestre insuperável. Exerceu com maestria o poder moderador em busca da plenitude democrática.
A modernidade de Pedro II se evidencia na atenção dada à consolidação, por quase meio século, de nossas instituições, a saber:
liberdade de imprensa, de expressão, de pensamento e de iniciativa individual; defesa intransigente do interesse público; atenção à qualidade da educação; alternância dos partidos no poder; primado do poder civil, com civis ocupando rotineiramente as pastas militares; controle externo do judiciário; estabilidade da moeda; cobrança de responsabilidade às classes dirigentes, gerando dessa forma um clima de respeitabilidade interna e externa do Estado imperial brasileiro.
Merece registro à parte o fato de a moderna literatura econômica atribuir à qualidade das instituições de um país peso maior na sustenta-ção do crescimento a longo prazo do que os fatores puramente econômi-cos.
Estudos sobre o crescimento vertiginoso e sustentado da Coréia do Sul e de outros países comprovam esse fato. Muito estranho, nesse mais de um século “republicano”, é a falta de compromisso com a qualidade de nossas instituições.
Todos pagamos um preço descomunal por não dispormos de mecanismos constitucionais que ponham fim rápido a maus governos, com a convocação imediata de eleições gerais.
Dói relembrar que já tivemos instituições que tratavam com respeito a vontade popular. Mas a luz de Pedro II continuará a nos iluminar e nos será útil no futuro.
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