"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Reforma política: mudar tudo será a melhor opção?



Em três semanas, a comissão criada por José Sarney reescreveu nosso sistema político. Mas o Congresso estará à altura das transformações que ela propõe?

Se não precisar de mais tempo, a Comissão Especial do Senado para a reforma política concluirá seus trabalhos na terça-feira 5, quando a última reunião prevê a sistematização dos trabalhos e a apresentação das conclusões.
Louve-se o empenho com que José Sarney cumpriu o compromisso de constituí-la e lhe dar condições de funcionamento. Quando indicou alguns dos nomes mais conhecidos do Senado, garantiu que a comissão não seria apenas mais uma. Seus 15 integrantes são uma espécie de elite da Casa, com dois ex-presidentes da República, ex-governadores de diversos partidos e lideranças respeitadas. Sentindo-se no dever de dar uma satisfação à opinião pública, todos se esmeraram no cumprimento da agenda, de forma a não frustrar as expectativas de que tirariam a reforma do papel.
Dos estudos e discussões da comissão sairá um anteprojeto, que ainda terá de ser apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) antes de ser submetido ao Plenário. O resultado irá depois para a Câmara, onde outra comissão com objetivos semelhantes está funcionando (em ritmo menos acelerado). É muito chão pela frente. Até subir à sanção presidencial, seu texto ainda passará por várias mudanças.
Embora isso seja verdade, o caráter ilustre da comissão pode inibir as discussões ao longo de sua tramitação. É natural, por exemplo, que os nove senadores do PSDB tenham dificuldade de votar contra uma proposta defendida por Aécio Neves. Ou que os quatro do PP sejam contrários a algo que Francisco Dornelles aprovou exercendo a presidência. E que os quatro do DEM rejeitem as teses de Demóstenes Torres.
O mesmo talvez não aconteça no PMDB e no PT, maiores e mais heterogêneos. Ainda assim, os três peemedebistas e os três petistas que a integram são figuras respeitadas em seus partidos, contra as quais nem todos seus pares quererão ficar.
Será, portanto, um anteprojeto mais pesado que de costume. Contando com a simpatia de Sarney, que funcionou como o 16º integrante da comissão e que se sente corresponsável por ele, mudará na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas dificilmente no fundamental. E no plenário tampouco deverá sofrer grandes alterações.
Ou seja, o que sair da comissão será parecido ao que chegará à Câmara. Daí em diante, é arriscado especular, mas é provável que muitas de suas características permaneçam.
É por isso que se deve lamentar que a comissão tenha preferido correr com seus trabalhos a se aprofundar na consideração das matérias. Compreende-se que quisesse responder prontamente à missão, mas não era necessária tamanha velocidade.
O que ela ganhou votando, de 15 a 31 de março, mudanças tão drásticas quanto as que aprovou?
Nessas três semanas, a comissão reescreveu nosso sistema político. Mudou coisas que tínhamos desde os anos 1930, como o voto proporcional em lista aberta, e acabou com outras mais recentes, como a reeleição. Encurtou os mandatos no Executivo. Mexeu na vida dos partidos, nas eleições, no modo como fazemos política desde quando nos tornamos o país que somos hoje.
Se permanecer como está, o anteprojeto, em quase todos os casos, irá de encontro ao que preferem as pessoas. O voto em lista fechada, por exemplo, é uma instituição que muito dificilmente será assimilada pelo eleitor. Sua desaprovação nas pesquisas só não é maior por ser pouco conhecido e de difícil explicação.
E quando serão implantadas as novidades? Ninguém imagina que, vingando o fim da reeleição, já valerá para as próximas eleições municipais. E nem para as eleições presidenciais e de governador de 2014. É quase certo que a ampla maioria de que o governo dispõe no Congresso não subtrairá da presidenta Dilma Rousseff o direito de concorrer, se quiser, a um segundo mandato.
E o voto em lista fechada nas eleições de vereador de 2012? Ele contraria de modo frontal as movimentações em curso, pois inverte a lógica que essas disputas adquiriram nos últimos anos, especialmente nas grandes cidades. Apenas para ilustrar: a atual Câmara de Vereadores de Belo Horizonte tem representantes de 19 “partidos”, a maioria dos quais inexistentes na vida real. Onde aplicar a ideia de listas partidárias, se os partidos são ficções?
A comissão escolheu o caminho de mudar tudo. Com tanta gente experiente, deve saber o que faz. De fora, no entanto, não parece ser a melhor opção.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.

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