"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 26 de maio de 2011

A cidadania roubada



Na história republicana do Brasil, o exercício da cidadania enfrentou muitas limitações e, em alguns casos, foi completamente eliminado. 


Nos casos mais importantes, a cidadania foi limitada pela eliminação do direito de voto ou pela supressão da conscientização política acerca dos direitos individuais.

O Coronelismo 

Durante a República Velha, o direito de voto deixou de ser censitário e se tornou universal. 



No entanto, existiam vários elementos de limitação da cidadania, como a exclusão das mulheres do processo político, a exigência de alfabetização ao mesmo tempo em que a Constituição não se propunha a garantir a educação básica como obrigação do Estado e as práticas coronelísticas. 

O coronelismo foi uma conduta política que se tornou comum na vida política brasileira, principalmente após a proclamação da República. 



Durante a República Velha (1889-1930), percebemos o coronelismo como limitador da cidadania, pois o poder de mando do coronel influenciava as eleições, fazendo surgir o "voto de cabresto" e o "curral eleitoral", expressões que refletem a postura dócil dos comandados, que votam nos candidatos indicados pelo coronel em troca de favores ou simplesmente por imposição, uma vez que este é quem controla, direta ou indiretamente, a vida das pessoas em sua propriedade ou na região. 


O coronel é sempre um grande proprietário rural, que, naturalmente, possui o poder econômico e, na prática, o poder político local, o poder de polícia e o poder de justiça. 


Em outras palavras, prefeitos, delegados e juízes são homens da família do coronel ou seus "protegidos". Além disso, o coronel conta com uma milícia particular, formada pelos jagunços. 

Soma-se a toda essa estrutura de poder a situação de ignorância à qual está submetida a grande massa de trabalhadores rurais do país, distante dos centros urbanos, da escola e dos meios de comunicação, distante dos direitos - assegurados pela lei, mas negados pelo exercício do poder por parte das elites rurais.

Era Vargas 


O período de 1930 a 1945 também foi caracterizado por práticas que pretenderam limitar o exercício da cidadania no país. Durante a maior parte desse período, o regime foi ditatorial. 



O "governo provisório" (1930-34) deu-se com o fechamento do Congresso Nacional e a intervenção nos Estados. 


Apesar de haver uma simpatia de grande parte das camadas urbanas pelo movimento tenentista e por muitos de seus representantes que chegavam ao poder com Vargas, os primeiros meses do novo governo foram de desilusão, principalmente porque a política adotada por Vargas e seus interventores foi marcada pela conciliação com a maior parte dos coronéis. 

O principal movimento de contestação à política centralizadora de Vargas eclodiu em São Paulo. Foi a Revolução Constitucionalista. 



Esse é um exemplo de movimento que envolve a cidadania: o povo paulista foi "manobrado" pelas elites. 


Os livros didáticos afirmam que as velhas e novas elites, até então inimigas, se aliaram e comandaram o povo na luta contra o governo federal. Predomina como visão sobre a participação de setores populares nos movimentos políticos mais importantes do país a idéia de que a população nesse momento não passou de "massa de manobra", expressão que, embora geralmente não seja utilizada de forma explícita nos livros, está implícita em nossa cultura.

O "governo constitucional" (1934-37) foi marcado pela conquista de direitos políticos e de liberdade, tendo o nível de organização social e de participação se tornado maior. A imprensa destaca-se e parte dela assume uma posição crítica ante o governo. 


Surgem importantes grupos de oposição, como a Aliança Nacional Libertadora, com um discurso de esquerda, e a Ação Integralista Brasileira, fascista. Apesar das liberdades, o governo Vargas determinou limites à cidadania, como o controle sobre o Congresso Nacional (formado parcialmente pelos "deputados classistas") e a edição da Lei de Segurança Nacional. 

O Estado Novo (1937-45) foi uma ditadura. Eliminou os direitos políticos e individuais e impôs ao país forte repressão. Dois instrumentos importantes foram utilizados pelo governo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Departamento de Ordem e Política Social (DOPS) que atuava como uma polícia política, encarregada de controlar movimentos de transformação da ordem social vigente. 


Olhar a Era Vargas significa perceber a formação do "Estado de Compromisso" no Brasil, apoiado no industrialismo, no nacionalismo e no trabalhismo. Seu objetivo era atender os interesses das novas elites urbanas, preservar certos privilégios dos latifundiários, incorporar os tenentes à estrutura de poder e garantir o apoio da classe operária. 



A industrialização, combinada com a urbanização, reservou à classe operária um importante papel dentro do projeto nacionalista e levou o Estado a desenvolver uma política de manipulação, com a perseguição às antigas lideranças sindicais, influenciadas pelo anarquismo. 


Esse projeto preocupou-se em atrelar o movimento sindical ao Estado por meio do assistencialismo, o que veio a eliminar gradualmente a consciência de classe.

A República Populista 


O período entre 1945 e 1964 foi caracterizado pela reorganização do Estado de Direito, ou seja, as leis foram respeitadas e as liberdades individuais, garantidas, guardadas algumas exceções, como o fechamento do PCB em 1947. 



Durante esse período, uma parcela significativa dos trabalhadores organizou-se de forma independente, enfraquecendo o "peleguismo", e formaram-se, em alguns Estados do Nordeste, as Ligas Camponesas, num processo de organização que, apesar de reunir ainda setores minoritários do campesinato, já apresentava certo grau de politização. 


A crise do populismo foi responsável pela polarização política, não ideológica, entre aqueles que defendiam uma política popular e nacionalista e aqueles que defendiam a abertura do mercado e uma maior aproximação com a política externa dos EUA. 


Destacam-se nesse momento a discussão que envolveu a criação da Petrobrás, a crise em relação à posse de Juscelino Kubitschek e a campanha da legalidade, que garantiu a posse de João Goulart.

Ditadura Militar 


Os governos militares que se sucederam no poder desde 1964 também foram responsáveis pela eliminação da cidadania. É interessante perceber que o modelo político adotado pelos governos militares tentou disfarçar o autoritarismo por meio da manutenção de eleições para o Legislativo e para o Executivo da maioria dos municípios, além de "permitir" a existência de um partido de oposição. 


Ao mesmo tempo, líderes políticos e sindicais foram cassados, presos ou exilados, a imprensa foi censurada e as principais diretrizes do governo foram impostas pelos atos institucionais. 



Os governos militares inovaram e apostaram não apenas na repressão mas também em um processo de alienação social, que se deu por meio da propaganda direta ou subliminar, caracterizada pelo ufanismo nacionalista, do sucateamento da educação, da qual foi tirada a possibilidade de formação consciente e crítica, e do controle sobre os meios de comunicação de massa, em especial a televisão - ainda hoje o documentário "Muito além do cidadão Kane", da BBC de Londres, sobre a construção do império das Organizações Globo, não pode ser visto no país. 


por: Claudio Recco

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