"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 1 de maio de 2011

A favor do voto obrigatório



De, mais ou menos, uns dez anos para cá, nos meses que antecedem as eleições, saio às ruas e ouço, em toda parte, sempre a mesma cantilena raivosa: 


“Que droga, as eleições estão chegando. Lá vou eu ter de votar de novo. Por que somos forçados a votar se os candidatos são os mesmos pilantras e malandros de sempre, que só querem roubar, fazer politicagem, empregar parentes, etc.?”. 


A revolta que alimenta frases assim não nasceu por obra do acaso. É o resultado óbvio da profunda desilusão que a política brasileira trouxe ao povo nas últimas décadas. Com a redemocratização do Brasil, nos anos oitenta, acreditava-se que a temporada de trevas e atraso ficara para trás e que o país, finalmente, encontraria sua rota de desenvolvimento, liberdade e ética. 


Não foi bem o que aconteceu e o que vemos hoje é uma nação sufocada por problemas que se arrasta, tropeçando na própria letargia e nos vícios políticos, ideológicos e burocráticos, que parecem perpétuos e incuráveis.

Eu compreendo essa desilusão dos brasileiros com a política, porque compartilho um pouco dela. Digo “um pouco”, porque não sou alguém propriamente desiludido, já que nunca tive grandes ilusões, nunca fui alguém que nutriu uma paixão pela política ou por esta ou aquela ideologia. As ideologias sempre me pareceram insuficientes para resolver as questões de um país complexo como o Brasil. 



Elas me dão a sensação de servir muito mais como objeto de retórica e de promoção pessoal e intelectual do ideólogo (independente da linha ou pensamento que ele segue), do que o fruto de uma vontade genuína de solucionar, de forma prática e pragmática, sem rodeios, os problemas nacionais. 


Ao longo dos anos, li e ouvi muita lenga-lenga dessa gente: discursos bonitos, depoimentos arrebatados, embates acalorados de idéias (ou pseudo-idéias) e quase nenhuma providência real. 


O Brasil continua estacionado no atraso e tudo o que se faz é debater, discutir, elaborar estudos sobre determinado tema e repetir as mesmas bravatas de trinta, quarenta anos atrás, enquanto o povo agoniza na ignorância e o país submerge num lamaçal putrefato e repugnante de corrupção e mau-caratismo generalizado.

O panorama é desanimador, mas tem saída. E ela se dá por duas vias: a primeira é, naturalmente, a educação universal e de qualidade, combinada com um forte incentivo à produção e à apreciação cultural. Uma educação que forme seres pensantes e letrados, com juízo crítico e capacidade de reflexão e não apenas vestibulandos com matérias decoradas. 



Essa via ainda não começamos a trilhar, pois investimentos em educação são altos, requerem o sacrifício da corrupção e do assistencialismo imediatista, levam anos para dar resultados e isso é uma verdadeira heresia para políticos que se candidatam hoje, já de olho no próximo pleito eleitoral, daqui a dois ou quatro anos.

Já a segunda via, igualmente importante, é a democracia que, a despeito das suas inúmeras deficiências, ainda é o melhor sistema político possível. Essa já começamos a trilhar, mas ainda estamos longe de usufruir dela plenamente, pois a maior parte da população brasileira, muitas vezes privada de necessidades elementares para uma vida digna, não foi capaz ainda de desenvolver uma cultura política que lhe dê instrumentos para conhecer a fundo a realidade do poder e discernir sobre o que é, efetivamente, melhor para o Brasil, premiando os bons homens públicos e condenando as legiões de patifes e oportunistas ao ostracismo. 



Também a miséria no Brasil foi responsável por criar uma classe doente de revolucionários patológicos que, cegos pelo próprio credo ideológico, parecem completamente despidos da capacidade de pensar racionalmente, optando por fundamentar sua retórica em devaneios febris e sem sentido que, se postos em prática, certamente conduziriam o Brasil para uma calamidade apocalíptica.

A minha pergunta é: se o voto é tão importante, por que, então, queremos abrir mão dele? Não podemos nos esquecer de que há trinta anos, pessoas morreram e desapareceram neste país, lutando para que pudéssemos votar, numa época em que esse direito nos havia sido seqüestrado pela repressão. 



O voto é uma conquista extraordinária e, ao contrário daqueles que reclamam das eleições e vão às urnas com o semblante contrafeito, acredito que num país como o Brasil, ele deve continuar sendo obrigatório, pelo menos por enquanto. Isso porque não atingimos ainda um grau de desenvolvimento social e humano que nos permita adotar o voto facultativo, comum nas nações desenvolvidas. Caso ele fosse implementado, a democracia e a representatividade poderiam sair seriamente abaladas e teríamos uma acelerada deterioração do ambiente político. 


Afinal, apesar de estarmos no século XXI e de inegáveis avanços terem acontecido nos últimos anos, é sabido que no Brasil ainda são comuns os chamados currais eleitorais e práticas espúrias como o voto de cabresto e que a maior parte do povo não tem acesso suficiente à informação e nem tampouco a capacidade de processá-la, para saber quem é quem de fato no cenário eleitoral e as suas reais intenções. 


Caso o voto se tornasse facultativo, a parcela mais revoltada da população – ou seja, a classe média esclarecida e informada, que assiste estupefata ao desenrolar dos acontecimentos nos bastidores do poder e do sistema partidário – desiludida com a classe política e incrédula quanto aos rumos do país, deixaria automaticamente de votar, inclusive fazendo desta decisão um ato de protesto, ainda que com resultados nulos. 


Ao mesmo tempo, as massas, manipuladas (e muitas vezes compradas) por políticos populistas e oportunistas, compareceriam em peso às urnas e os resultados dos pleitos seriam ainda mais desastrosos do que vêm sendo.

A verdade é que somente quando tivermos reduzido a desigualdade cultural do povo e nivelado as pessoas por cima na sua capacidade de pensar e refletir é que poderemos nos dar o luxo de flexibilizar o sistema eleitoral, dando às pessoas o poder de escolha sobre votar ou não. Se queremos nos igualar aos países europeus em matéria de voto, que primeiro busquemos essa igualdade no plano sócio-cultural. Até lá, que o voto continue obrigatório. 



E que possamos, cada vez mais, celebrar a democracia em nosso país e lutar para que ela não seja mais interrompida, relembrando sempre as lições que o passado nos legou.
(...)


por: Luis Eduardo Matta 

Um comentário:

  1. as pessoas lutavam para ter o direito de votar e não para serem obrigadas a votas

    de um exemplo de um país que não estava pronto para o voto facultativo e que depois da sua adoção houve deterioração do ambiente político

    com o voto facultativo seria bem mais difícil alguém convencer outra pessoa de votar em alguém

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