"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 25 de março de 2012

Crucifixo, chatice e intolerância


Carlos Brickmann, jornalista arguto e politicamente incorreto, decidiu entrar no vespeiro do despejo do crucifixo de todas as dependências do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Vale a pena registrar o seu comentário.

"Há religiões; também há a tradição, há também a história. A Inglaterra é um estado onde há plena liberdade religiosa e a rainha é a chefe da Igreja. A Suécia tem plena liberdade religiosa e uma igreja oficial, a Luterana Sueca. A bandeira de nove países europeus onde há plena liberdade religiosa exibe a cruz.

O Brasil tem formação cristã; a tradição do país é cristã. Mexer com cruzes e crucifixos vai contra esta formação, vai contra a tradição. A propósito, este colunista não é religioso; e é judeu, não cristão. Mas vive numa cidade que tem nome de santo, fundada por padres, numa região em que boa parte das cidades tem nomes de santos, num país que já foi a Terra de Santa Cruz. Será que não há nada mais a fazer no Brasil exceto combater símbolos religiosos e tradicionais?

Se não há, vamos começar. Temos de mudar o nome de alguns Estados e cidades como Natal, Belém, São Luís e tantas outras. E declarar que a Constituição do País, promulgada ‘sob a proteção de Deus’, é inconstitucional.

Há vários símbolos da Justiça, sendo os mais conhecidos a balança e a moça de olhos vendados. A balança vem de antigas religiões caldeias. Simboliza a equivalência entre crime e castigo. A moça é Themis, uma titã grega, sempre ao lado de Zeus, o maior dos deuses. Personifica a Ordem e o Direito.

Como ambos os símbolos são religiosos, deveriam desaparecer também, como o crucifixo?"

Em São Paulo, cidade cosmopolita e multicultural, basta bater os olhos nas estações da Linha Azul do Metrô: Conceição, São Judas, Saúde, Santa Cruz, Paraíso, São Joaquim, Sé, São Bento, Luz, Santana. E aí, vamos ceder ao fervor laicista e mudar o nome de todas elas?

Carlos Brickmann foi certeiro. Mostrou a insensatez e a chatice que estão no fundo da decisão de um Judiciário ocupado com o crucifixo e despreocupado com processos que se acumulam no limbo da inoperância e do descaso com a prestação da justiça à cidadania. Na escalada da intolerância laicista, crescente e ideológica, não surpreenderia uma explosão de ira contra uma das maravilhas do mundo e o nosso mais belo e festejado cartão-postal: o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro.

O Estado brasileiro é laico. E é muito bom que seja assim. Mas a laicidade do Estado não se estende por lei, decreto ou decisão judicial a toda a sociedade. O Estado não pode abolir ou derrogar tradições profundas da sociedade, pois estaria extrapolando o seu papel e assumindo a inaceitável função de tutor totalitário de todos nós.

Como já escrevi neste espaço opinativo, o laicismo, tal como hoje se apresenta e "milita", não é apenas uma opinião, um conjunto de ideias ou uma convicção, que se defende em legítimo e respeitoso diálogo com outras opiniões e convicções, como é próprio da cultura e da praxe democrática. Também não se identifica com a "laicidade", que é algo positivo e justo e consiste em reconhecer a independência e a autonomia do Estado em relação a qualquer religião ou igreja concreta, e que inclui, como dado essencial, o respeito pela liberdade privada e pública dos cultos das diversas religiões, desde que não atentem contra as leis, a ordem e a moralidade pública.

O laicismo militante atual é uma "ideologia", ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de ideias, fechado em si mesmo -, que pretende ser a "única verdade" racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, no ensino, etc. Por outras palavras, o laicismo é um dogmatismo secular, ideologicamente totalitário e fechado em sua "verdade única", comparável às demais ideologias totalitárias, como o nazismo. Tal como as políticas nascidas dessas ideologias, o laicismo execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus "dogmas" e não hesita em mobilizar a "Inquisição" de certos setores para achincalhar – sem o menor respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.

Alegará que são interferências do pensamento religioso ou de igrejas, quando um democrata deveria pensar apenas que são outros modos de pensar de outros cidadãos, que têm tantos direitos como eles; e sem reparar que o seu laicismo militante, dogmático, já é uma pseudorreligião materialista e secular, como o foram as ditaduras comunistas e o nazistas.

Pratica-se, então, o terrorismo ideológico, pelo sistema de atacar os que, no exercício do seu direito democrático, pensam e opinam de forma diferente da deles, acusando-os de serem – somente por opinarem de outra maneira – intransigentes, tirânicos, ditatoriais – três características das quais o laicismo, na realidade, parece querer a exclusividade.

O Brasil, não obstante o empenho dos proselitistas ideológicos, é um país tolerante. Na religião, igualmente, o Brasil tem sido um modelo de convivência. Ao contrário de muitas regiões do mundo marcadas pelo fanatismo e pelo sectarismo religioso, o Brasil é um sugestivo caso de relação independente e harmoniosa entre religião e Estado.

É preciso, sem dúvida, desenvolver o senso crítico contra os desvios da intolerância, do fanatismo e de certas manifestações de estelionato religioso tão frequentes nos dias que correm. Mas não ocultemos os estragos causados pelo fundamentalismo laicista.

Estado laico, sim. Mas articulado com o Brasil real, tolerante, aberto, miscigenado.

por: Carlos Alberto Di Franco

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