1. O que é?
É uma medida que obriga a Justiça a pedir licença à Câmara ou ao Senado para processar membros do Legislativo por crimes ligados às atividades parlamentares (discurso e voto, por exemplo). É adotada por quase todos os países democráticos do mundo e, na essência, visa a garantir a liberdade de expressão do Legislativo. Sem imunidade, a cada vez que um deputado de oposição fizesse um discurso desfavorável ao governo, por exemplo, ele poderia ser processado, o que dificultaria seu trabalho.
2. Quando foi criada?
No século 17, na Inglaterra. É resultado da teoria da separação dos poderes. A idéia é impedir que o Executivo e o Judiciário limitem o trabalho do Legislativo.
3. Como ela funciona?
Durante o mandato, deputados e senadores não podem ser presos (salvo em casos de flagrante de crimes inafiançáveis) e só podem ser processados pelo Supremo Tribunal Federal – instância máxima da Justiça brasileira (no caso de deputados estaduais, são processados pelo Tribunal de Justiça).
4. Ela gera impunidade?
Até 2001, a lei de imunidade no Brasil dizia que os membros do Legislativo podiam recorrer ao benefício mesmo em caso de crime comum (homicídio, por exemplo). A Constituição também mandava suspender automaticamente os processos movidos contra quem conseguisse uma vaga no Congresso. Uma emenda em 2001 mudou a situação. Os crimes comuns cometidos antes da eleição de um político não podem mais ser suspensos. E, em caso de crimes cometidos depois da eleição, o Supremo leva o processo adiante e só o interrompe se o Congresso se manifestar contra. Como os congressistas sabem que esse tipo de recurso soa quase como uma admissão de culpa para a opinião pública, a chance de se protegerem mutuamente é menor.
As polêmicas declarações do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) sobre negros e homossexuais reacenderam um debate que há anos divide os especialistas: quais são os limites da imunidade parlamentar?
O artigo 53 da Constituição diz que deputados e senadores não podem ser processados na Justiça por suas opiniões, mas muitos especialistas acreditam que essa proteção só é aplicável a situações relacionadas ao exercício do mandato.
Numa entrevista a um programa de televisão na semana passada, Bolsonaro disse que não corre o “risco” de ter um filho envolvido amorosamente com uma mulher negra porque seus filhos foram “muito bem-educados”.
Nos dias seguintes, o deputado disse que durante o programa entendeu que a pergunta se referia à possibilidade de um de seus filhos ter um caso homossexual, e não um romance com uma mulher negra.
O episódio provocou até agora sete representações contra Bolsonaro na Comissão de Ética da Câmara, por falta de decoro parlamentar. Vários grupos estudam a apresentação de ações contra Bolsonaro por racismo e discriminação.
Para o advogado Ives Gandra Martins, a Constituição protege Bolsonaro e não há o que fazer. “Sou daqueles que prefere sofrer o desconforto de manifestações [como essa] do que optar pelo cerceamento da liberdade de expressão”, disse.
O professor André Ramos Tavares, que dá aulas na PUC e no Mackenzie, pensa igual: “O parlamentar precisa fazer o uso da palavra sem se preocupar se vai ofender outro político, outro partido, se vai ser ameaçado de processo”.
Antonio Gonçalves, professor da PUC, acha que Bolsonaro deveria perder a imunidade nesse caso se ficasse caracterizado que ele foi racista na entrevista. “Liberdade de expressão e pensamento é uma coisa, racismo é outra”, disse. “É um crime imprescritível.”
A professora de direito constitucional da UnB Soraia da Rosa Mendes observa que Bolsonaro foi questionado “como pai” e não como deputado, situação em que perderia o direito à imunidade: “Não respondeu o parlamentar, respondeu o indivíduo”.
JURISPRUDÊNCIA
O STF (Supremo Tribunal Federal) examinou o problema pelo menos duas vezes. Em 2002, permitiu que Eurico Miranda, então deputado e presidente do clube Vasco da Gama, fosse processado por acusações feitas ao patrocinador de um time rival.
Em decisão unânime, o STF entendeu que ele fizera as acusações quando usava o chapéu de dirigente do Vasco, e não como deputado.
Em 2003, o Supremo rejeitou denúncia apresentada contra o então deputado estadual João Correia (PMDB-AC), que chamara um juiz federal de “juizinho papalvo, medíocre, suspeito, miúdo” em discursos e entrevistas. A denúncia foi rejeitada por 8 votos a 1.
“Como cidadão, lamento muito que o parlamentar possa chegar a excesso tal”, disse em seu voto o ministro Cezar Peluso, que hoje preside o STF. “Como juiz, não tenho dúvida de que a imunidade o resguarda.”
ROGERIO PAGNAN / JOSÉ BENEDITO DA SILVA
Editoria de Arte/Folhapress
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