"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Votar é um direito ou dever?


“O povo não tem poder de nada. Dele, querem apenas o voto para legitimar a arrogância totalitária existente no país”.

A questão de votar como um direito ou um dever vem ganhando a atenção de cientistas políticos, dos próprios políticos e filósofos nestes tempos de crise do sistema democrático, principalmente em países desenvolvidos. Neste caso, enquanto alguns defendem que votar é um direito, outros defendem que é um dever. O que se observa, contudo, é que existe, por parte de alguns, a defesa de se aumentar o número de eleitores durante as eleições para se registrar a ideia da grande participação popular no processo democrático. Acontece que a democracia não deve ser vista apenas durante as eleições, mas depois delas.

Democracia não é a ampla participação durante as eleições, mas a ampla participação depois das eleições.

Recentemente, o sindicato da união dos trabalhadores, no Reino Unido, foi contrário ao voto obrigatório, num país onde votar é um direito e não um dever – compulsório. Para aquele sindicato, a única forma de se melhorar e manter a legitimidade da democracia é através do amplo engajamento voluntário no processo político, através de uma ampla educação política da sociedade. Portanto, a melhoria da democracia e de nossa cidadania depende de um amplo engajamento da sociedade nas decisões políticas, sobretudo depois das eleições.

Na maioria dos países, votar ou não votar é um direito adquirido pelo cidadão. Neste caso, não votar não implica punições severas ou sanções para o eleitor, como acontece no Brasil, onde o voto é obrigatório. O voto obrigatório existe em poucos países, mas o Brasil parece ser o único que adota punições severas para os que não justificam o ato de não votar.

Não vamos aqui entrar na discussão de votar como um direito ou dever, mas tentar mostrar que as punições sofridas pelos eleitores que não justificam o ato de não votar merece uma ampla discussão da sociedade. Em que pesem todos os argumentos favoráveis ao voto obrigatório, no Brasil são consistentes os argumentos para que o ato de votar seja um direito e não um dever. A compra de votos no país, por exemplo, depõe contra o voto obrigatório. Aliás, historicamente, a defesa do ato de votar como um dever sempre foi feita pela direita e não pela esquerda.

Mesmo que votar seja sempre visto no Brasil como um dever, algumas concessões precisam ser feitas, considerando-se principalmente a burocratização do ato de não votar. Ou seja, o voto obrigatório no Brasil deu origem a um processo de burocratização que serve apenas para reforçar o poder da Justiça Eleitoral, em detrimento da perda de alguns direitos humanos. A decisão de não votar é um direito na maioria dos países, mas no Brasil isso tende a tolher o direito de ir e vir e reduzir a cidadania.

Nos últimos dias, os meios de comunicação do país, incluindo a televisão, informavam que quem não justificasse sua ausência nas eleições passadas não poderia tirar passaporte, carteira de identidade, renovar matricula em estabelecimento de ensino oficial e obter empréstimo em instituições financeiras governamentais. Em alguns países, onde o voto é obrigatório, exige-se apenas o pagamento de uma multa dos eleitores que não justificam suas ausências durante as eleições. Por que no Brasil temos que ser submetidos a tantas punições? Será que no momento o voto é tão importante assim?

Por outro lado, não existe nenhuma punição para o voto de protesto. E o voto em branco ou nulo? E a compra e venda de votos? A soma dos percentuais de abstenções, votos em branco, nulos e de protesto, talvez seja maior do que o percentual dos que votam conscientemente. Por que é aceito o voto de protesto e não se aceitam candidaturas avulsas? Isto, por si só, merece uma discussão da deterioração da nossa democracia, do ato de votar como direito ou dever e das severas punições a que são submetidos os eleitores brasileiros.

A cada dia que passa, o cidadão brasileiro sofre com a perda de seus direitos e cidadania. Não tem mais sequer o direito de fiscalizar o seu voto durante as eleições, já que tudo é privatizado e terceirizado, através de urnas eletrônicas. O que se observa é um repasse de poder do eleitor para as instituições que controlam as eleições. Por conta disto, é necessária uma mudança organizacional do modelo de administração das eleições no Brasil, a cargo da Justiça Eleitoral. Ora, as eleições interessam ao Executivo, ao Legislativo e, principalmente, aos eleitores. Neste caso, o poder de administrá-las deve recair sobre as partes interessadas, a menos que haja um poder superior ou santo.

A fragilidade de nossa democracia no momento torna pública a falta de independência dos três poderes da nação, com cada um deles querendo poder mais. Desde a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, criou-se, neste país, uma espécie de poder Executivo imperial, anulando a existência do poder Legislativo, que não parece mais representar o povo. A arrogância totalitária do Executivo tem resultado naquilo a que estamos assistindo hoje.

O povo não tem poder de nada. Dele, querem apenas o voto para legitimar a arrogância totalitária existente no país. Se o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido, temos de repensar o ato de votar, as punições do ato de não votar, a administração das eleições neste país e o resgate do poder do povo.

* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA).

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