"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 8 de junho de 2013

O Contrato Social da Redemocratização e seus Limites

16 DE JULHO DE 2012 ·

O objetivo do artigo é apresentar a forma como tem operado o equilíbrio político da redemocratização e os desafios que estão sobre a mesa quando a operação deste equilíbrio parece testar seus limites.

Defende-se a ideia de que o equilíbrio político nas últimas duas décadas tem privilegiado a conquista da equidade, e não o crescimento econômico. Até 2005, este padrão de escolha social se apresentava na forma de seguidas elevações da carga tributária e, com ela, vieram seguidas elevações das transferências públicas na forma de programas sociais.

A partir de 2005, em função de uma situação externa extremamente favorável, foi possível manter a taxa de crescimento da absorção – a soma do consumo com o investimento –, além da taxa de crescimento da produção. No entanto, este modelo, além do limite natural dado pela restrição externa, bate na capacidade de manter um padrão de crescimento equilibrado, no qual a indústria acompanha os demais setores da economia.

O trabalho tem a seguinte organização: na segunda seção apresento a forma como vejo a operação de nosso sistema político. Na seção seguinte, a relação entre estrutura social e crescimento econômico, estabelecida pela literatura de economia política. A quarta seção sugere que a evolução das políticas públicas na redemocratização brasileira está de acordo com aquela literatura. Apresentam-se as principais características do padrão de desenvolvimento produzido por este equilíbrio político.

Na quinta seção, fazemos um desvio e discutimos a situação da China e seus impactos sobre o Brasil à luz da experiência da pax Britânica do século XIX. Na sexta seção, apresentamos uma interpretação da aceleração do crescimento que houve no governo Lula e, na seção seguinte, os limites do crescimento e, talvez, do contrato social da redemocratização da forma como o temos experimentado. O texto segue com a conclusão.
 Funcionamento do presidencialismo de coalizão

Em que pesem as inúmeras dúvidas sobre o funcionamento do sistema político brasileiro, consolida-se entre os cientistas políticos a interpretação de que o sistema é funcional e que, apesar das especificidades, a democracia brasileira funciona de forma análoga às demais democracias maduras. Evidentemente, o processo de construção de instituições é permanente e altamente dependente de todo o caminho (característica conhecida normalmente pela expressão inglesa path dependence). 

Sob este ponto de vista, cada democracia apresenta inúmeras especificidades. Basta mencionar o exemplo francês, cujo processo de desenvolvimento institucional gerou o híbrido (quase um oximoro) de parlamentarismo e presidencialismo. Portanto, especificidades e jabuticabas, no que se refere às instituições políticas, não constituem prerrogativa tupiniquim. Em certa medida, aplica-se aos diversos sistemas políticos a famosa frase de Caetano Veloso: de perto ninguém é normal.

A nossa especificidade parece ser a convivência de sistema proporcional com circunscrições grandes – de oito a 70 deputados – em um regime presidencialista. As características eleitorais mencionadas produzem elevadíssimo grau de fragmentação partidária que no limite inviabilizaria a governabilidade, pois o presidente teria enorme dificuldade de constituir uma base sólida devido à baixa proporção de parlamentares de seu partido no legislativo (consequência direta da elevada fragmentação).

O funcionamento do sistema tenderia a produzir impasses recorrentes com riscos permanentes de instabilidade institucional. Adicionalmente, não conseguiria digerir os desafios colocados pelo natural desenvolvimento da sociedade, gerando situação de paralisia decisória e estagnação econômica e social. Tornam este jogo ainda mais complexo o fato de sermos um estado federalista, com câmara alta dotada de inúmeras prerrogativas, e a existência de uma Suprema Corte independente, com forte poder de revisão da construção legislativa. Assim, nosso sistema político apresenta jogadores com poder de veto em inúmeros lugares.

A funcionalidade das instituições políticas brasileiras decorre de uma fortíssima centralização de poder de agenda no chefe do executivo. A famosa presidência imperial, na qual o presidente herda diversos institutos da presidência do regime militar – amplo direito de legislar por meio de medidas provisórias, poder de escolher o regime de urgência e urgência urgentíssima no processo da construção legislativa, poder de veto integral e parcial, além do poder de pautar o legislativo por meio de colégio de líderes –, contrapõe-se às forças centrífugas – alta fragmentação e inúmeros jogadores com poder de veto –, engendrando certa coerência ao sistema político.

Assim, nosso presidencialismo acaba por funcionar de maneira muito próxima aos dos sistemas parlamentaristas. Trata-se de governo de uma coalizão partidária, na qual as iniciativas legislativas estão com o executivo e a oposição tem a função de controlar o governo, bater bumbo, aumentar o custo político, se for o caso, e se preparar para a próxima eleição.

Este artigo curto não é o lugar para discutir as diversas propostas de reforma política. No entanto, o fato de nossa democracia ter sido capaz de estabilizar a economia, acionar inúmeras reformas institucionais, diversas delas com mudança constitucional, gerar alguma aceleração do crescimento e forte redução da desigualdade econômica, além de ter processado sem percalços transição entre elites dirigentes em 2002, sugere que qualquer proposta de alteração de nossas instituições políticas deve ser incremental. Não é desejável fazer tábula rasa do que construímos até aqui.
O que nos informa a economia política

As instituições políticas que construímos ao longo das últimas décadas operam em uma sociedade cuja maior característica é a desigualdade, fruto de um processo histórico que remonta ao tempo colonial.

Os caminhos que tomamos ao longo do século XIX, com a enorme dificuldade em resolver a questão da terra e do trabalho escravo, e ao longo do século XX, cuja maior característica está no atraso em escolher a educação básica como prioridade do Estado, mantiveram e até reforçaram o maior traço originário de nossa sociedade.

Há uma literatura em economia positiva que se desenvolveu nos departamentos acadêmicos, principalmente, mas não somente, nos Estados Unidos da América, nos anos 1990, que investiga o funcionamento de democracias em sociedades muito desiguais. Esta subárea da teoria do crescimento econômico é chamada de economia política. Investiga os efeitos sobre o crescimento da interação entre sociedade e democracia.

O principal resultado desta literatura é mostrar que há uma tendência a sociedades democráticas muito desiguais em elevar a carga tributária e, com ela, as transferências de governos a indivíduos. Segue uma rápida apresentação do argumento: a capacidade de arrecadação do Estado depende da renda média.

Se a sociedade for muito desigual, o indivíduo mediano – isto é, o indivíduo cuja renda é tal que metade da população tem renda menor ou igual (e a outra metade maior ou igual) – auferirá renda significativamente menor do que a renda média. Para o indivíduo mediano – conhecido na literatura de economia política por eleitor mediano –, será de seu interesse uma elevação da carga tributária e a consequente elevação de transferências a indivíduos. A elevação da carga tributária desestimula o crescimento.

A mensagem deste resultado da literatura de economia política é que em sociedades democráticas e, simultaneamente, muito desiguais a agenda da sociedade não é maior crescimento, mas sim maior equidade. O crescimento será variável residual. Será o possível, se possível for, após atingirmos objetivos de maior equidade. Outra forma de interpretar este resultado é que em sociedades muito desiguais o crescimento econômico não é uma maré que levanta todos os barcos. Os que ficam pelo meio do caminho votam por redistribuição.

Reforça a tendência de elevação da carga tributária e dos gastos públicos com transferências, que resulta da elevada desigualdade, o fato de nossas instituições democráticas produzirem um legislativo muito fragmentado. Os estudos de economia política mostram que maior fragmentação partidária provoca maiores transferências com seguridade social.
Resultado de nossas instituições políticas

Interpretação popular entre os economistas é que a política fiscal do governo Lula teria sido muito expansiva. É comum que se critique o crescimento do gasto público e, em particular, o crescimento do custeio. De maneira geral, esta crítica estende-se também ao governo anterior. No entanto, esta crítica não resiste a uma análise mais cuidadosa dos dados. De fato, o gasto consolidado para os três níveis da administração pública elevou-se, entre 2002 até 2008, em 6,0 pontos de percentagem (p.p.) do Produto Interno Bruto (PIB).

Partiu de 32,3% do PIB, em 2002, para 38,3%, em 2008. No entanto, ao investigarmos a abertura do gasto, não há sinais claros de desperdício ou de gastança. Nesta seção, defende-se o ponto de vista de que o padrão do gasto público, observado nas últimas duas décadas, é consistente com a literatura de economia política apresentada na seção anterior.

A tabela 1, preparada por Mansueto Almeida, apresenta a evolução do gasto não financeiro da União, excluindo transferências para estados e municípios para o período de 1999 até 2011 como proporção do PIB. Nos 12 anos em seguida a 1999 – que tomamos como a base de comparação –, o gasto não financeiro da União elevou-se em três pontos de percentagem (3 p.p.) do PIB, de 14,5% para 17,5% (última coluna da tabela).

As duas rubricas que apresentaram o maior crescimento foram os gastos com INSS, crescimento de 1,3 p.p., e os gastos sociais, crescimento de 1,3 p.p., totalizando ambas em 2,6 p.p. de crescimento, ou pouco menos de 87% do crescimento total de 3 p.p.! A elevação dos gastos com aposentadoria do setor privado (INSS) é consequência da política de valorização do salário mínimo, fruto da vinculação de inúmeros benefícios previdenciários ao piso salarial.

Os gastos sociais elevaram-se em função da expansão do programa bolsa família. Tão simples assim. Parte do crescimento do gasto foi para o custeio da saúde e educação que, rigorosamente, constituem atividade fim, tais como o programa do livro escolar, apoio às prefeituras no transporte escolar, distribuição de remédios.

Os dados da tabela demonstram que houve forte esforço do governo para reduzir o gasto de custeio. A rubrica custeio administrativo apresentou queda no período de 0,5 p.p.. Em que pesem os fortes aumentos salariais, o gasto com pagamento de salários da União cresceu no período à velocidade pouco abaixo do crescimento do PIB. Em 2011, a rubrica ‘pessoal’ (que inclui as aposentadorias do setor público) respondia por 4,3% do PIB, pouco abaixo dos 4,5% de 1999.

A interpretação da tabela é imediata à luz da análise das seções dois e três. A redemocratização associada às características da arquitetura de nosso sistema político produz fortíssima pressão por crescimento das transferências a indivíduos associadas aos seguros básicos de um estado de bem-estar social.

Evidentemente, convivem no interior do Estado direitos e, portanto, gastos que estão associados ao Estado arcaico corporativo e excludente. Certamente, diversas regras de contratação, estabilidade no emprego e, principalmente, aposentadoria e elegibilidade para o benefício do programa de pensão por morte dos funcionários públicos são anacrônicas em um Estado republicano que tem que tratar igualmente a todos. No entanto, as correias de transmissão de nosso sistema político já funcionaram e colocaram em um futuro à vista, mesmo que muito distante, o fim destes privilégios.

Evidentemente, em que pese a elevadíssima popularidade dos últimos governos, as atuais escolhas da sociedade têm implicações não triviais para o funcionamento da economia. Três das mais importantes são: primeiro, a elevadíssima carga tributária, atualmente na casa de 35% do PIB; segundo, a baixíssima taxa de poupança de nossa sociedade; e terceiro, a baixíssima capacidade de investimento do setor público em infraestrutura.

Carga Tributária. A consequência mais direta da operação do contrato social é a forte elevação da carga tributária que ocorreu em seguida à redemocratização. Na história econômica brasileira, em seguida ao pós-guerra, há dois momentos de forte elevação da carga tributária. O primeiro, após o golpe militar de 1964. Em função de um conjunto de reformas institucionais, em geral, e em particular de um pacote abrangente de reforma tributária, a carga fiscal sobe do nível de pouco mais de 15% do PIB, que vigorava na segunda metade dos anos 1950, para o nível de 25%. O segundo momento de elevação da carga tributária ocorreu entre a primeira metade dos anos 1990 e 2005, quando a carga sofreu uma segunda elevação de 10 pontos percentuais, atingindo pouco menos de 35% do PIB.

Baixa poupança. Nos últimos anos, a taxa de poupança doméstica tem sido de 17% do PIB. Essa taxa é muito baixa em comparação à dos países de crescimento rápido do leste da Ásia, mas também é baixa em comparação à dos países da América Latina, conhecidos por apresentarem taxas de poupança muito baixas.

É comum afirmar-se que a taxa de poupança do Brasil é baixa, pois a renda é baixa. Esse argumento não tem muita validade, uma vez que a taxa de poupança da Índia é da ordem de 35% do PIB e a da China, de pouco mais de 50% do PIB. Ambos os países apresentam uma renda per capita significativamente menor do que a brasileira. De maneira geral, a taxa de poupança brasileira desdobra-se em 5% do PIB de poupança das famílias, 15% de poupança das empresas e -2% do PIB de poupança do governo, totalizando os 18% do PIB. Para a China, os números são respectivamente 22%, 22% e 6%.

Ou seja, todos os agentes econômicos – famílias, empresas e governo – poupam na China mais do que no Brasil, sendo que a maior diferença é exatamente na poupança das famílias: 5% aqui contra 22% lá.

A baixa poupança dificulta o ingresso da economia em um ciclo maior de crescimento mais acelerado. Esse fato foi observado no período recente no qual a economia apresentou um crescimento quase que brilhante, quando, no segundo mandato do governo Lula, crescemos à taxa média anual de 4,5% por quatro anos. No início do processo, em 2004, apresentávamos uma taxa de poupança de 18% do PIB para uma taxa de investimento de 17% do PIB.

O excedente de 1% do PIB era a poupança que exportamos de 2004. Em 2008, fim deste ciclo brilhante de crescimento, apresentamos taxa de poupança na casa 18,8% do PIB e taxa de investimento de 20,7% do PIB. Importamos 1,9% do PIB de poupança externa. Ou seja, a maior parte do crescimento da taxa de investimento no período foi absorvida por elevação da poupança externa e não da poupança doméstica.
Baixo investimento em infraestrutura

Apesar da elevadíssima carga tributária, as enormes demandas sociais liberam poucos recursos públicos para os investimentos. Frischtak (2009) contabiliza que os investimentos em infraestrutura públicos e privados, para a média do período 2001-2007, foram da ordem de 2,11% do PIB, e, para o período 2008-2010, serão um pouco acima, na casa de 2,18% do PIB.4 Seriam necessários investimentos da ordem de 3% do PIB para manter o estoque de capital existente, acompanhar o crescimento demográfico e atender demandas de universalização em 20 anos do saneamento básico.

Se quisermos ir além da universalização do saneamento básico em 20 anos e melhorar sensivelmente a infraestrutura, incluindo metrôs nas grandes regiões metropolitanas e melhoria dos transportes rodoviário e ferroviário, será necessário elevar os investimentos em infraestrutura para algo na casa de 4% a 6% do PIB. Assim, o contrato social vigente produz uma velocidade extremamente baixa de melhora da infraestrutura.

Em feliz expressão de Cláudio Frischtak, estamos progredindo muito nos espaços privados – as casas das classes D e C brasileiras estão bem equipadas e o carro deixou de ser um sonho reservado às classes A e B –, mas estamos muito atrasados e nos atrasando nos espaços públicos ou na geração de bens de consumo coletivo.

Até o momento, o artigo concentrou-se nas instituições políticas brasileiras, sua funcionalidade e como elas têm determinado o padrão de política pública e de política econômica em geral, e também quais são suas consequências para o crescimento econômico. No entanto, evidentemente, o Brasil não é uma ilha. É útil, antes de analisarmos a aceleração do crescimento que houve no governo Lula, olhar para fora.

 Fator interveniente: pax Chinesa

Apax Britânica é o período que vai da vitória em Waterloo, em 1815, até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Nesse período de um século, a Inglaterra tinha domínio total dos mares. Foi um período de forte expansão do comércio de bens e também de forte mobilidade de capitais, sendo que a Inglaterra era a economia que mais investia em outros países.

Outra característica do período é que a acentuada redução do frete, a partir do início da segunda metade do Século XIX, permitiu o forte crescimento do mercado internacional de commodities: carne resfriada, café, algodão, guano ou trigo, além do açúcar, que passa a ser um produto de consumo da população em geral e não de uma pequena elite.

Além das condições institucionais – existência de uma potência hegemônica com poder marítimo, que desempenhava o papel de polícia e utilizava o poder político e militar para abrir mercados e baixar tarifas – e tecnológicas – o desenvolvimento do navio a vapor de metal, propiciando forte redução no frete, e o advento do telégrafo, reduzindo o custo de informação –, seria necessário haver mercado para que o comércio interoceânico de bens primários se desenvolvesse.

Este mercado foi criado com a elevada complementaridade que se estabeleceu entre o centro do desenvolvimento industrial – formado por Inglaterra, além das economias da Segunda Revolução Industrial (Países Baixos, França, Alemanha e norte da Itália) – e as periferias do capitalismo. Destaca-se entre estas, além da Europa Oriental, forte exportador de grãos, o cone sul da América Latina, incluindo São Paulo, com a cultura do café, e o Peru, com a exportação do fertilizante natural guano.

O centro do desenvolvimento industrial caracterizava-se por forte abundância de mão de obra e de capital – este foi um período de taxas de juros extremamente baixas – e forte escassez de recursos naturais, com exceção do carvão que era abundante na Grã-Bretanha. Assim, estavam dadas as condições para o desenvolvimento do comércio de longo curso de bens primários de baixo valor agregado.

Neste período, ocorreu a primeira grande globalização: além do crescimento do comércio de bens, principalmente bens finais manufaturados e bens primários (o comércio de bens intermediários era quase inexistente), houve elevada mobilidade do capital – com a Inglaterra liderando o investimento no setor de utilidades públicas e ferrovias em diversos países – e de elevada mobilidade de trabalho. Este foi o período da grande migração da Europa para o novo mundo.

No centro do capitalismo, a abundância de bens primários, propiciada pelos avanços tecnológicos e institucionais da pax Britânica, permitiu que houvesse descolamento dos preços internos dos bens da dotação interna dos fatores. Na ausência do comércio internacional, a revolução industrial produziria forte tendência à elevação dos preços dos bens agrícolas em unidades de bens manufaturados.

Os ganhos de renda e de produção devido ao progresso técnico, que eram concentrados na indústria manufatureira, gerariam excesso de demanda por alimentos, acarretando forte elevação do preço relativo dos alimentos. O comércio, ao desamarrar os preços internos dos bens da oferta doméstica de capital, trabalho e disponibilidade de terra, permitiu que a revolução industrial não batesse na escassez de recursos naturais, contribuindo, portanto, para que a armadilha malthusiana fosse quebrada na Europa.

No outro lado do Atlântico, o movimento era inverso. O forte crescimento da demanda por bens primários e os ganhos tecnológicos na produção de bens manufaturados produziram ganhos de termos de troca para os países produtores de bens primários. Esses ganhos de termos de troca foram potencializados pela redução do custo de transporte que reduz o spread entre o preço no porto de saída e o de chegada.

A figura apresenta a evolução dos termos de troca (média não ponderada para oito países) da América Latina. Os países considerados no estudo são: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México, Peru e Uruguai.6 Consideramos no mesmo gráfico os termos de troca para o Brasil a partir de 1901. Os termos de troca para a América Latina sobem continuamente desde 1820 até 1894, quando caem em consequência da forte crise americana que se iniciou com o pânico de 1893. A partir de 1901, os níveis recuperam-se até atingir o antigo patamar em 1914, quando caem em função da primeira grande guerra.

Outro período no qual os termos de troca para o Brasil ficaram elevados por mais de uma década é o que se inicia no pós-guerra e termina com a primeira crise do petróleo, em 1973. Este foi um período de forte crescimento da economia, em particular da indústria, conhecido como período do nacional-desenvolvimentismo.

A folga cambial, fruto dos termos de troca favoráveis, associada a uma política de forte subsídio ao investimento na indústria alteraram a matriz produtiva do país. Quando veio o período das vacas magras – de 1977 até 1994 – a economia estava dotada de uma indústria bastante diversificada (apesar de relativamente ineficiente) para ofertar ao mercado interno.

O período da pax Britânica finda com o início da primeira grande guerra. Segue-se a isso um período de muita dificuldade para a América Latina. De 1914 até o pós-Segunda Guerra, houve forte perda de termos de troca. Além das guerras e de uma grande depressão, este foi o período em que a hegemonia do desenvolvimento do capitalismo passou da Europa ocidental para os EUA.

Estes constituem economia muito diversificada e, em particular, extremamente bem dotada de recursos naturais. Assim, deixou de haver a complementaridade entre o desenvolvimento do centro e a América Latina. Foi neste período que ganharam destaque as teses cepalinas de RaúlPrebish, da tendência declinante dos termos de troca. A especialização da América Latina em poucas commodities passa a ser vista pelos economistas da região como algo impossível, pois o resto do mundo não geraria demanda suficiente para permitir que uma região tão populosa se especializasse na produção de bens primários.

Este padrão de especialização, portanto, tendia a gerar um nível de oferta excessivo, o que provocava uma tendência à redução dos preços. A esse fenômeno Prebish chamou de tendência declinante dos termos de troca.

O forte crescimento da China, desde a introdução das políticas liberalizantes no final dos anos 1970, é o fato mais importante que ocorreu na economia internacional desde que a americana emergiu como uma economia continental no final do século XIX, para, no entre guerras, assumir a posição de economia líder mundial. Somos testemunhas de um processo que em duas ou três décadas está incluindo um quarto da humanidade nos diversos mercados: de consumo, de trabalho e de capital. Se considerarmos a Índia conjuntamente com a China, em algumas décadas, 45% da humanidade será incorporada aos diversos mercados. Trata-se de um fenômeno de proporções humanas maiores do que a Revolução Industrial e a emergência da economia americana!

O processo de desenvolvimento da China e da Índia tem algumas semelhanças com o período da pax Britânica. Uma região altamente povoada com fortíssima capacidade de poupança e relativamente pobre em recursos naturais lidera o crescimento da economia mundial. Novamente temos um centro do desenvolvimento do capitalismo mundial pobre em recursos naturais e rico em trabalho e capital.

Assim, podemos especular se observaremos nas próximas décadas movimentos sistemáticos para cima dos termos de troca dos países fornecedores de matérias primas como ocorreu no período da pax Britânica. Haverá um ciclo longo de preços de commodities?

Para avaliarmos a intensidade da pax Chinesa é necessário saber se a dinâmica de crescimento da China e da Índia é sustentável. A resposta à questão é que claramente não há sinais à vista de qualquer problema maior na trajetória de crescimento da China. O mesmo parece ocorrer com a Índia. A China é caracterizada por taxas de poupança extremamente elevadas. Outra indicação da sustentabilidade do crescimento chinês segue da evolução da produtividade total dos fatores (PTF).

A PTF mede o ganho de produto que não pode ser explicado (ou descrito) por meio da acumulação de fatores de produção – capital físico e escolaridade da mão de obra. Os cálculos sugerem forte crescimento da PTF para a economia chinesa e, mais recentemente, para a economia indiana. Assim, o crescimento do produto tem sido maior do que o crescimento que deveríamos esperar, dados os valores observados para a acumulação de capital físico e a melhora da escolaridade da mão de obra. A taxa de crescimento anualizada média da PTF na década de 2000 a 2010 foi de 5,4% ao ano. Para termos uma ideia, a mesma taxa de crescimento para o Brasil no mesmo período foi de 0,5% ao ano!

Os mesmos dados para a Índia são de que o crescimento da PTF anualizada entre 2000 e 2007 foi de 2% ao ano. Minha interpretação do elevado fôlego do crescimento da Ásia aponta para a perenidade da pax Chinesa. Ou seja, devemos observar um ciclo longo de preços de commodities, principalmente para as commodities agrícolas, dado que há maiores restrições da oferta. Evidentemente, como se nota na figura, ciclos longos de elevação de preços de commodities são acompanhados de grandes oscilações; a existência de uma tendência de elevação convive com elevadíssima volatilidade.
 Aceleração do crescimento do governo Lula e desaceleração recente

Entre os oito anos do governo FHC e os oito do governo Lula houve sensível aceleração do crescimento do produto. A taxa de crescimento do produto elevou-se de 2,3% ao ano, nos oito anos do governo FHC, para 4,0% ao ano nos oito anos do governo Lula. Essa aceleração ocorreu nos dois mandatos. No primeiro mandato, o crescimento médio anual foi de 3,5%, acelerando-se para 4,6% no segundo mandato. Para melhor caracterizar o padrão de crescimento, a tabela apresenta uma contabilidade de crescimento para o segundo mandato do governo FHC e os dois mandatos do governo Lula.

A primeira coluna da tabela apresenta o crescimento anualizado no período. As quatro colunas seguintes apresentam a contribuição para o crescimento, respectivamente: do estoque de capital, da utilização do estoque de capital, do trabalho e da produtividade total dos fatores (PTF). Assim, na primeira linha lê-se que o crescimento de 2,7% ao ano do produto, observado para a média do segundo mandato de FHC, pode ser decomposto nos seguintes componentes: 1,0% ao capital, -0,1% à utilização, 1,5% ao trabalho e 0,2 à PTF. Na segunda linha, a mesma informação é apresentada na forma de contribuição percentual.

O capital representou 38,6% do crescimento do produto no segundo mandato de FHC, enquanto o trabalho respondeu por 57,6%. A contribuição da produtividade foi pequena para o crescimento no período FHC.

Na última linha da tabela, há a decomposição da diferença de crescimento entre os oito anos do governo Lula e os quatro anos do segundo mandato do governo FHC: 88,4% da elevação de 1,3 ponto de percentagem na taxa de crescimento que houve entre os dois períodos deve-se à elevação da taxa de crescimento da PTF. Os fatores de produção capital e trabalho em nada explicam a aceleração entre os dois períodos. A aceleração do crescimento no período Lula é essencialmente um fenômeno de produtividade pela elevação da utilização da capacidade instalada.

A grande dificuldade de entender a aceleração do crescimento no governo Lula deve-se ao fato de a produtividade ser um resíduo. A partir de observações do retorno do capital e do trabalho e da hipótese de que há uma relação próxima entre a remuneração dos fatores de produção e a produtividade dos fatores, é possível avaliar quanto cada hora a mais de trabalho ou de serviços de capital adiciona ao produto.

A diferença entre o crescimento que deveria ocorrer devido à elevação do emprego dos fatores de produção – capital e trabalho – e o crescimento de fato observado resulta no crescimento da produtividade total dos fatores (PTF). Assim, o crescimento da PTF pode também ser chamado de medida da nossa ignorância: trata-se da parcela do crescimento do produto que não pode ser atribuída ao crescimento do emprego dos fatores de produção.

Um crescimento da produtividade significa que a economia é capaz de produzir mais com o mesmo emprego dos fatores de produção. Entre os inúmeros fatores que explicam esta aceleração da taxa de crescimento da PTF dois devem se destacar. Primeiro, no governo FHC e nos primeiros dois anos do governo Lula, houve um grande esforço de empreender um conjunto de reformas microeconômicas. Entre inúmeras, destacam-se: privatização, estabelecimento de inúmeros marcos regulatórios, a nova lei de falência, crédito em consignação, inúmeros instrumentos de crédito com execução extrajudicial, etc.

Adicionalmente, houve a implantação do regime de política macroeconômica e a resolução do grande problema fiscal com a negociação das dívidas estaduais, o programa de privatização dos bancos estaduais, além da lei de responsabilidade fiscal. Há defasagens entre a implantação de reformas que elevam a eficiência microeconômica e seu efeito na economia. Pode-se afirmar que o governo FHC está para o governo Lula da mesma forma que o governo Castello Branco esteve para o governo Médici.

O segundo fator que explica o aumento da taxa de crescimento da PTF foi a elevação dos preços das commodities no mercado internacional em função da emergência da China. A elevação dos preços das commodities permite que a economia brasileira persiga trajetória de crescimento com especialização nos produtos que apresenta vantagem comparativa. Ou seja, a economia cresce especializando-se naqueles bens que produz com elevada produtividade.

Além da elevação da produtividade, a elevação do nível de utilização da capacidade instalada explica a diferença de crescimento entre o segundo mandato de FHC e a octaetéride de Lula. Este fator, evidentemente, é não recorrente e certamente não ajudará no governo Dilma. Finalmente, a menor contribuição das horas trabalhadas no governo Lula para o crescimento – 1,3% ao ano em vez de 1,5% que observamos no governo FHC – é um primeiro sinal de certo esgotamento do bônus demográfico.

Lembremos que o bônus demográfico – entendido como o período no qual a taxa de crescimento da população em idade ativa é superior à taxa decrescimento da população – iniciou-se em 1974 e terminará por volta de 2024. Ou seja, já foram transcorridos mais de ¾ do bônus demográfico! Em certa medida já envelhecemos sem nos tornarmos um país de renda elevada. Se adicionarmos ao esgotamento do bônus demográfico a redução do desemprego que ocorreu no governo Lula (outro fenômeno não recorrente), as perspectivas para o governo Dilma são de redução da contribuição do fator trabalho ao crescimento.

 Limites ao modelo

Este artigo avalia que a aceleração do crescimento do governo Lula deveu-se à conjunção de diversos fatores que não se repetirão à frente. Os fatores não recorrentes foram a maturação do enorme esforço reformista que houve no período FHC e Pallocci, a queda do desemprego, além da colheita da fase final do bônus demográfico, e a elevação da utilização da capacidade instalada.

Além dos fatores não recorrentes, a aceleração do crescimento no governo anterior explica-se em parte pela conjuntura internacional muito favorável, fruto da pax Chinesa. Esta excepcional conjuntura internacional em associação com a operação do contrato social da redemocratização permitiu que, desde 2005, o país perseguisse uma trajetória de crescimento na qual a absorção doméstica, a soma do consumo com o investimento, corresse sistematicamente à frente da oferta.

Neste sentido, podemos chamar este período de crescimento liderado pela demanda ou pela absorção. Uma medida deste fenômeno é dada pela composição das taxas de crescimento do produto e da absorção, tomando como base o ano de 2004.

Ao longo dos sete anos, entre 2005 e 2011, a absorção cresceu 40,7% e o produto cresceu 31,8%, ambos em termos reais e em relação a 2004. Assim, a absorção cresceu 6,8% do PIB de 2011 em excesso ao produto.7 Em 2004, a poupança exportada pelo Brasil foi de 1,4% do PIB, e em 2011 importamos poupança de 2,4% do PIB, de sorte que, no período, a importação de poupança cresceu de 3,8% do PIB.8 Os 3% do PIB que restam do excedente de 6,8% do PIB do crescimento da absorção sobre o crescimento da oferta foram financiados pela melhoria dos termos de troca.

Ou seja, é possível identificar na operação do contrato social da redemocratização um primeiro momento, entre o início da década de 1990 até 2005, no qual a agenda social e as demandas sobre o setor público foram atendidas por meio de elevação da carga tributária. Em um segundo momento, de 2005 até hoje, a operação do contrato social deu-se por meio de extensão do crédito e crescimento da renda real das classes mais desfavorecidas – em parte consequência das políticas sociais –, que resultou no modelo de crescimento liderado pela absorção. São os limites deste padrão de crescimento que avaliamos nesta seção do artigo.

Parece haver claros sinais de que a sociedade não deseja novas rodadas de elevação da carga tributária. O primeiro sinal desta disposição da sociedade foi a forte rejeição à Medida Provisória 232 editada em dezembro de 2004. Entre outras medidas, a MP elevava a tributação das pessoas jurídicas. O segundo sinal foi a rejeição pelo Senado Federal, em dezembro de 2007, do projeto de emenda constitucional que renovava a CPMF.

O terceiro sinal foi a presidente Dilma ter desistido de recriar a CPMF mesmo tendo ampla maioria no Senado, em função da campanha muito agressiva e exitosa do então presidente Lula, em 2010, com o objetivo de legar um Senado mais favorável à sua sucessora. Assim, parece-nos que novas rodadas de crescimento da carga tributária estão descartadas.

Representa, de fato, significativa alteração no contrato social. Resta investigar outras duas possibilidades. Primeira, novas rodadas de crescimento liderado pela elevação da absorção. Segunda, em que medida a redução do custo de rolagem da dívida pública pode permitir a operação do contrato social. Esta segunda opção gerará muito menos recursos do que sugerem os cálculos otimistas de muitos analistas. Ocorre que o custo de rolagem da dívida pública é muito menor do que se imagina.

De fato, o setor público tem pagado por volta de 5% do PIB de juros. No entanto, os juros reais pagos líquidos da correção monetária da dívida pública não passam de 3% do PIB. Se lembrarmos que, em boa medida, parte significativa destes pagamentos retorna ao Tesouro Nacional na forma de impostos incidentes sobre os juros nominais e que boa parte da dívida pública encontra-se na tesouraria dos bancos públicos – gerando dividendos que retornarão ao Tesouro – não se chega a ganhos maiores do que 1,5% do PIB, se ocorrer uma queda forte e permanente da taxa Selic. Haverá um fôlego adicional, porém curto. Resta avaliarmos as possibilidades do modelo liderado pela absorção.

O eterno limite para modelos de crescimento, calcado no crescimento da absorção além do crescimento da oferta é a necessidade de financiar a diferença por meio de poupança externa. A restrição externa sempre está e estará presente. No entanto, mesmo que as condições internacionais permitam a continuidade deste padrão de crescimento por mais alguns anos, seja porque a disposição do resto do mundo em nos financiar elevou-se, seja devido a novas rodadas de ganhos de termos de troca, parece que um claro limite a este padrão de crescimento foi atingido.

O limite é dado pela decisão da política econômica em combater o fenômeno da desindustrialização, isto é, a queda da participação da indústria de transformação no produto. Desde 2004, a indústria de transformação perdeu 2,2 pontos de percentagem do produto.

Há estreita relação entre o modelo de crescimento liderado pela absorção e o fenômeno da desindustrialização. Sempre que o crescimento da absorção supera o crescimento da produção, a diferença tem que ser coberta por elevação da absorção de bens e serviços importados. Ou seja, a diferença ocorrerá na forma de absorção externa de bens transacionáveis internacionalmente. Estes são tipicamente os bens primários e os bens manufaturados. Quase sempre os serviços são bens de oferta doméstica.

Dada a grande vantagem comparativa que temos na oferta de bens primários, a diferença entre a taxa de crescimento da absorção e da produção será coberta por meio de importação de bens manufaturados. A maior oferta de bens manufaturados importados mantém os preços domésticos desses bens controlados. Por outro lado, a demanda por serviços, que não podem ser importados, eleva seu preço, estimulando os produtores domésticos dos serviços a elevar a oferta.

Os serviços são intensivos em trabalho, de sorte que a elevação da oferta de serviços eleva a demanda de trabalho, elevando os salários. Dado que o mesmo trabalhador que oferta trabalho à indústria pode ofertar para o setor de serviços – tecnicamente se diz que o mercado de trabalho é setorialmente integrado –, a elevação dos salários no setor de serviços eleva o salário na indústria, sem que a produtividade da indústria cresça. A indústria apresenta problemas de desempenho, emparedada entre o modelo de crescimento liderado pela demanda e os ganhos de termos de troca. É neste sentido que um modelo de crescimento liderado pela absorção estabelece limites muito estreitos ao desenvolvimento da indústria de transformação.

Além dos limites surge uma contradição fundamental entre a operação do contrato social da redemocratização e o padrão de desenvolvimento que a gestão da política econômica deseja para o Brasil.

Há a clara decisão de estimular o desenvolvimento da indústria nacional. Ilustram esta decisão o novo marco regulatório do petróleo para o pré-sal, o esforço de reconstrução da indústria naval com o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), os elevados requerimentos de conteúdo nacional para essa indústria, os elevadíssimos repasses do Tesouro Nacional ao BNDES, as seguidas elevações de alíquota de importação de inúmeros produtos com destaque para a indústria automobilística, as isenções tributárias e previdenciárias a alguns setores, entre outros fatores.

A perseguição de um padrão de política econômica tópica, ou de microgerenciamento ao sabor dos setores mais vocais em demandar subsídios em Brasília, redunda em fôlego de curto prazo aos setores e elevação da complexidade do marco legal e institucional, além de introduzir enorme complicador ao cálculo empresarial. Um exemplo paradigmático ocorre com o setor de etanol, menina dos olhos do primeiro governo Lula. Há o desejo legítimo da presidente de reduzir os juros.

Para tal, é necessário manter a inflação sob controle. Impede-se, portanto, a Petrobras de elevar o preço da gasolina. Como boa parte da frota automotiva é de veículos flexíveis, os preços mais baixos da gasolina induzem o consumidor a fugir do etanol. Uma série de investimentos feitos no início da década de 2000, que eram muito rentáveis, apresentou problema de desempenho.

O governo tem que socorrer e já desenha um pacote de medidas para estimular o setor. Uma distorção – o controle do preço da gasolina – gera efeitos colaterais – o desempenho ruim do setor de etanol –, que requer novas distorções. O resultado agregado do microgerenciamento da política econômica é a redução da taxa de crescimento da produtividade, que redunda na redução da taxa de crescimento do produto potencial. Esta, por sua vez, limita a capacidade do setor público de elevar a receita e atender a expectativa de crescimento das transferências sociais.

De fato, além das piores perspectivas para a contribuição do trabalho ao crescimento ao longo do governo Dilma, há sinais de que a taxa de crescimento da produtividade tem desacelerado. A produtividade total dos fatores encontra-se no primeiro trimestre de 2012 em nível abaixo do observado no terceiro trimestre de 2008.

Além da elevação da complexidade e da opacidade do marco institucional e legal, como resposta à crise de 2008, outro fator que contribui para reduzir a taxa de crescimento da produtividade da economia é o crescimento liderado pela demanda, que estimula o setor de serviços e desestimula a indústria. A produtividade média do setor de serviços é menor do que a produtividade média da indústria de transformação.

Conclusão

O trabalho argumentou que o período de aceleração do crescimento no governo anterior foi uma etapa de um processo maior do funcionamento das instituições democráticas em nossa sociedade.

O contrato social da redemocratização parece atingir dois limites. Não há espaço para novas rodadas de elevação da carga tributária, o que sinaliza certo esgotamento do contrato. Em segundo lugar, atingimos o limite para a continuidade de um modelo liderado pela absorção, visto que este padrão de crescimento penaliza muito a indústria de transformação, e há a decisão da atual gestão de evitar uma continuidade do processo de desindustrialização. Adicionalmente, há um terceiro limitante à continuação do contrato que é consequência da estratégia de estimular a demanda em diversos setores por meio de microgerenciamento da política econômica, que foi perseguida em resposta à crise de 2008.

O microgerenciamento da política econômica acarreta, em médio prazo, a redução da taxa de crescimento da produtividade total dos fatores (PTF) e, portanto, redução da taxa de crescimento do produto potencial. Já estamos assistindo a este fenômeno. A queda do custo de rolagem da dívida pública com a redução da taxa Selic, se esta redução se mostrar permanente, pode dar fôlego adicional ao modelo, mas será, como argumentado na seção anterior, relativamente curto.

Penso que o crescimento na segunda metade do primeiro mandato de Dilma será fraco e bem abaixo das expectativas que havia no final de 2010. Resta saber como o eleitor mediano se posicionará frente à desaceleração do crescimento. A popularidade da presidente encontra-se em nível extremamente elevado.

A evolução da popularidade de um presidente no Brasil, a menos que algum evento midiático ocorra, apresenta muita inércia. Ou seja, a queda na taxa de crescimento da renda real, que forçosamente ocorrerá à frente, em função da queda do crescimento do produto e de uma acomodação do processo de queda do desemprego e, possivelmente, alguma elevação que possa ocorrer nos próximos meses, contribuirão para reduzir a popularidade da presidente.

No entanto, a elevada inércia que há no processo estatístico, que descreve a dinâmica da popularidade, sugere que a discussão dos contornos do contrato social da redemocratização ficará para 2018. Seguidos anos de baixo crescimento, que em algum momento ensejarão redução no crescimento da renda real, redução na capacidade do setor público em manter o crescimento dos programas sociais, associados a certa impaciência do eleitor mediano com as carências de infraestrutura, criarão as condições para a revisão do contrato social. Penso que apresentará contornos mais favoráveis ao crescimento.

SAMUEL PESSOA

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