Avanço ampliado, especialmente, pela legislação eleitoral dos últimos anos (da Lei Ordinária 9.840/99, que instituiu o 41-A à Lei Complementar 135/210, “ficha limpa”). Sobretudo, objetiva refletir sobre o papel contramajoritário da Justiça Eleitoral ao invalidar o resultado de eleições de candidatos eleitos ou mandatários empossados, tendo em conta decisões que cassam ou indeferem registros, diplomas ou mandatos.
Ao procurar tutelar as liberdades de votar e a liberdade de postular votos para ocupação e exercício de mandatos populares, a Justiça Eleitoral deve sempre proteger, igualmente, os direitos políticos fundamentais dos cidadãos:
(i) cidadãos alistados para votar e (ii) cidadãos filiados partidariamente, que, aprovados em convenções partidárias, resolvem pedir ao Judiciário Eleitoral que lhes defira o direito de disputarem mandato político para os cargos eletivos existentes na República.
Para votar, lembremos, é necessário o preenchimento das condições de alistabilidade (artigos 4º e 5º do Código Eleitoral e 14, § 1º Constituição Federal). Para receber votos, para pedir candidatura, é necessário demonstrar as condições de elegibilidade e não apresentar causas de incompatibilidades ou inelegibilidades. Essas últimas são causas impeditivas de candidaturas, e podem ser contemporâneas ou posteriores ao pedido de registro (artigo 3º do CE e 14, § 3º CF).
Para o exercício da soberania popular — princípio estruturante do sistema constitucional vigente — a junção dessas duas liberdades é fundamental. Ou seja, a junção dos direitos de votar e o de ser votado. Mesmo o Código Eleitoral, produzido em plena ditadura militar, em 15.07.65, parece ter percebido a riqueza desses dois direitos políticos em seu artigo primeiro: “Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos, precipuamente os de votar e ser votado.”
A soberania popular se exterioriza pelo voto direto, secreto, universal e periódico, manifestado nas urnas — hoje urnas eletrônicas. A vontade dos cidadãos representados, elegendo seus representantes políticos — os candidatos — é momento instituinte de mandatos, de investidura de cargos eletivos, e de eleição de planos de governo e propostas partidárias (ao menos em tese, assim o faz o eleitor, na urna). Momento que se aproxima do momento constituinte, mas não o supera em relevância jurídica e política; do momento supremo de feitura de nova Constituição.
Vontade constituinte e vontade instituinte nas urnas são “vontades base”, “vontades chaves”, que se realizam em momentos inaugurais para o Direito, no caso da vontade constituinte; e reiniciais para a continuidade da política representativa, no caso da vontade das urnas, sendo esta periodicamente renovável.
Se a primeira, a vontade constituinte, é momento que objetiva perenidade e permanência diretiva; a vontade das urnas é extensão e renovação da primeira; a vontade das urnas é assegurada e limitada pela vontade constituinte. A vontade das urnas, assim, é vontade fruto de um poder constituído, o povo (que também é o titular do poder constituinte), do corpo de eleitores e do corpo de candidatos. Todavia, ambas, são vontades chaves de uma democracia constitucional: vontade constituinte — fundante e inaugural —, e vontade das urnas — renovadora e continuadora da obra feita pelo poder constituinte.
Essa vontade renovadora, instituída pelas urnas, realiza a vontade direta dos eleitores, ao manifestarem decisão sobre quem eles querem que lhes represente na feitura de leis e demais atos de estado comportados nas funções executivas e legislativas pertinentes. Lembrando que entre nós, os juízes não são eleitos por sufrágio popular.
São vontades eleitorais, “vontades das urnas”, as manifestadas nas diferentes unidades da federação, para realizar o autogoverno dessas pessoas políticas federadas: na União, para prover os mandatos de presidente, vice-presidente, senadores e deputados federais; nos estados-membros, para mandatos de deputados estaduais e governadores e vice-governadores; nos municípios, para a representação política de prefeito, vice-prefeito e vereadores.
Essas vontades populares eletivas, nas unidades federadas, são fruto da junção calculada de vontades do eleitor e vontades dos candidatos e partidos políticos ou coligações partidárias, respectivamente. Assim, é possível afirmar que não há vontade popular apenas com o voto do eleitor, embora seja este o maior protagonista do processo eleitoral. A vontade eleitoral, que escolhe, elege os representantes, é fruto de atuação coadjuvada entre eleitores, candidatos e partidos políticos ou coligações partidárias correspectivas.
Em termos cronológicos e lógicos, no âmbito do processo eleitoral, a vontade de candidatos e partidos políticos, precede a vontade do eleitor. Ou seja, a vontade do eleitor é antecedida pela vontade do candidato, então filiado partidariamente.
O candidato dever ser regularmente domiciliado e inscrito em determinada zona eleitoral, submetendo seu nome às convenções partidárias, órgãos de manifestação da vontade de partidos políticos.
Os partidos políticos, pós-convenções, vão buscar na Justiça Eleitoral inscrição de candidaturas e proteção para as mesmas, tanto no que toca ao deferimento do registro, quanto à concretização de sua propaganda eleitoral para fins de êxito na empreitada, senão do candidato em si, mas do partido ao qual esteja filiado (isso, especialmente, no sistema de eleição proporcional, que se dá para deputados federais e estaduais, assim como vereadores).
Assim, quando o eleitor vota, na urna eletrônica, manifestando sua vontade, o seu querer foi associado ao querer daquele candidato que manifestou sua vontade em filiar-se a partido, e a este partido, que, com a vontade de sua convenção, referendou o querer do candidato para, juntos (partido e candidato), apresentarem opção de escolha válida ao eleitor. Deste modo, segundo nossa ordem jurídica, a vontade popular é um somatório processual e quantitativo de vontades concorrentes: a vontade do candidato, a vontade de seu partido político e a vontade dos eleitores que apostaram em ambos.
É nessa perspectiva que devemos entender a assegurabilidade, até mesmo contra reformas inconstitucionais da Constituição, do voto direto, secreto, universal e periódico. O voto como manifestação complexa, em junção de vontades, para manifestar a soberania popular: vontade manifestada pelo querer do eleitor, do candidato e de seu partido.
Assim, tendo em conta essa premissa teórica, é lícito concluir: a anulação de uma eleição, resultante da cassação de um registro após as eleições ou a cassação de um diploma conferido ao eleito, ou mesmo de um mandato, jamais são a mera obstaculização de uma liberdade política individualmente considerada; o cerceamento atomizado do direito político de um único cidadão, acidentalmente candidato; a mera privação de uma vontade individual e solitária, manifestada em dissociação e sem concorrência de outras vontades. Não e não! Equívoco manifesto carrega a visão que vislumbra somente a liberdade política de receber votos como afetada na hipótese!
Cassar um registro, um diploma, um mandato, é cassar o conjunto de vontades que convergiram para que pudéssemos falar em vontade popular, em soberania popular, cujo cerne, insistamos, está na vontade dos eleitores, em número próprio a eleger candidatos inscritos por determinados partidos ou coligações partidárias. E isso é razoável dizer mesmo que não tenha ainda chegado o dia da eleição e o registro do candidato tenha sido cerceado antes do escrutínio: por que há pesquisas eleitorais, aferição da intenção popular de voto, que integra o grande processo eleitoral e demonstra as expectativas de sufrágio do eleitor.
Destarte, somente por uma ficção, um grande equívoco e um sério olvido do valor dos direitos-liberdades de votar e de receber votos, é que podemos pensar que a Justiça Eleitoral, ao cassar registro, diploma ou mandato eletivo, através dos processos judiciais que lhe são próprios, estará apenas cassando a vontade individual, privada e solitária de um cidadão candidato. E mais, que com isso, estará preservando e tutelando a vontade dos eleitores, a vontade das urnas, a soberania popular que, em verdade, foi a mais afetada, a realmente “cassada” com a decisão judicial ceifadora de registro, diploma ou mandato, notadamente quando se trata de candidato eleito.
Ao se impedir a realização da vontade das urnas, por cassação de registros, diplomas ou mandatos, se está, em verdade, cassando a vontade de todos os eleitores e do partido político ou coligação partidária que escolheram, juntos (partidos e eleitores), determinados candidatos. Escolha iniciada no processo que se deu com a admissão na grei partidária, passando pela escolha em convenção, pedido de registro, propaganda política e aprovação final nas urnas.
Quando a cassação se dá sobre candidaturas proporcionais, como são a de deputados federais, deputados estaduais e vereadores, a questão se complexifica em face das consequências sobre outros candidatos beneficiados pelos coeficientes partidário e eleitoral, alcançados com o somatório de forças eletivas.
Em síntese: ao se cassar registro de candidatura, diploma ou mandato eletivo de candidato eleito, ou seja, de candidato escolhido pelas urnas, está se cassando a soberania popular manifestada em cada unidade federada respectiva; está se cassando o exercício da soberania popular assentada na Constituição, através do exercício “tutelar” da vontade judicial, substitutiva da soberania popular, no caso.
Isso é uma realidade vivida concretamente. Queiramos ou não, de fato, é isso que acontece, nos quadrantes da Justiça Eleitoral brasileira. E de 2000 até 2010, foram mais de mil candidaturas eleitas, no Brasil, que sucumbiram ao crivo invalidatório judicial da vontade das urnas... Foram mais de mil decisões de soberania popular, de unidades federadas, invalidadas por decisões autocráticas das autoridades judiciárias eleitorais.
E nas eleições municipais de 2012, esse número de invalidações tende a ser maior do que nas eleições municipais anteriores, não só por causa da lei ficha limpa e suas consequências nos processos de registro de candidaturas. Mas por que as candidaturas, partidos e coligações já contam, de certa forma, com a Justiça Eleitoral como sendo o ringue para o “segundo round” da luta política...
Diante dessa realidade insofismável, os efeitos da decisão contramajoritária da Justiça Eleitoral ao reconhecer hipóteses de delito eleitoral ou causas para tanto, quando se trata de candidato eleito, são sempre erga omnes, nunca inter partes. Essa decisão tem efeito geral impactante sobre a real vontade das urnas, a soberania popular, vontade livre e democrática dos eleitores, candidatos e partidos políticos.
Não existem trabalhos entre nós que problematizem essas decisões judiciais como decisões contramajoritárias. Como decisões que judicializaram, ao extremo, questões políticas fundamentais da comunidade, do corpo político, do colégio eleitoral. Como decisões judiciais autocráticas que invalidam a vontade popular majoritária.
Ou ainda: não há estudos que enquadrem o nosso Judiciário Eleitoral como poder constituído que está a exercer, em termos graves, a sua função contramajoritária. A função de contrariar a vontade popular das urnas, invalidando-a, tornando-a “nenhum”, podando-lhe os efeitos “instituintes” de mandatos! A sua função sobrepujadora, em verdade, da própria soberania popular.
No âmbito da doutrina constitucional, quando se fala no controle de constitucionalidade como instrumento contramajoritário de anulação da vontade dos representantes feitores de leis, se diz que o Judiciário, ao assim proceder, exerce poder contramajoritário, eis que uma minoria de homens (os juízes), sem investidura eletiva popular, invalida o trabalho coletivo de muitos, que o fizeram em nome de seus representados, os cidadãos que os elegeram.
O tema crítico da idéia de poder contramajoritário questiona a própria legitimidade da justiça constitucional em anular a vontade de uma maioria parlamentar por uma minoria não eletiva: a minoria encontrável no Judiciário, em nossa realidade, juízes de comarca ou juízes de tribunal. Na Justiça Eleitoral: juízes de zona eleitoral e tribunais plenários.
Ou seja, questiona-se a conveniência, oportunidade e legitimidade de uma minoria não eleita pelos cidadãos anular o trabalho de uma maioria parlamentar livre e democraticamente escolhida nas urnas; questiona-se o valor desta anulação da vontade popular presente nas leis, por uma aristocracia judiciária sem respaldo em eleição direta; questiona-se pelo fato dos cidadãos eleitores esperarem que as suas vontades, agora leis, elaboradas pelos seus representantes políticos legítimos, sejam cumpridas e não tornadas sem efeito por quem não recebeu a chancela do colegiado eleitoral.
Esse questionamento crítico também demonstra argumentos que são favoráveis aos juízes e suas competências de invalidação de leis inconstitucionais, pois ao fazerem assim protegem a vontade constituinte, a Constituição, e ao anularem leis, estão entendendo que as mesmas são inválidas por que desconformes a parâmetros formais ou materiais, a regras ou princípios assentes numa Constituição, numa vontade superior e antecedente à vontade popular manifestada nas leis: a vontade da Constituição.
Assim, no controle de constitucionalidade, julga-se um produto mediato da vontade dos representados, cidadãos eleitores: julga-se a lei, produto da vontade dos representantes eleitos (candidatos investidos de mandato, portanto empossados), que, eventualmente, pode, como vontade popular indireta, estar em franco desacordo com a suprema vontade constituinte, vontade inaugural, representada pela Constituição.
Nessa doutrina crítica, referem seus divulgadores, que os juízes, quando lidam com o controle de constitucionalidade, devem se autoconter, se autocontrolar, para que não substituam a vontade do legislador, dos representantes do povo, pelas suas próprias vontades.
Nesse sentido acusa-se o controle de constitucionalidade — o expediente jurídico de invalidação de leis, de produtos das vontades diretas dos representantes e indiretas dos representados — de ocasionar um impasse, entre constitucionalismo e democracia, pois em certos momentos da vida institucional ocorrem entrechoques entre a vontade judicial e a vontade majoritária parlamentar. A vontade judicial querendo fazer prevalecer a separação de poderes e direitos fundamentais, bases do constitucionalismo, em face de decisões populares ou congressuais que lhe são contrárias — expressões da democracia representativa —, segundo a interpretação última dada pelo Judiciário em sua função contramajoritária.
Ora, se são relevantes e pertinentes tais considerações para o controle de constitucionalidade que invalida leis — invalidação que afeta a vontade mediata do povo exercida através de seus representantes eleitos —, mas intrigantes e apropriadas ficam tais questões “contramajoritárias” se focarmo-nos no que nossa Justiça Eleitoral tem feito com a vontade imediata do povo, com o produto imediato da vontade das urnas: a escolha dos candidatos, dos representantes mesmos do povo — escolhas que são invalidadas em pleitos judiciais eleitorais; escolhas nulificadas, tornadas sem efeito, como reflexos de cassações de registros, diplomas ou mandatos eletivos.
Vale ouvir, para o ponto, as lúcidas reflexões de Néviton de Oliveira Batista Guedes:
“As atuais eleições municipais [2012] serão sem dúvida aquelas em que a Justiça Eleitoral demonstrará o maior poder de intervenção no processo de escolha dos representantes do povo. Como sabem todos aqueles que lidam com o Direito Eleitoral em nosso país, a legislação hoje em vigor permite ao Judiciário uma ingerência no processo eleitoral absolutamente inédita em qualquer lugar do planeta.
Estudiosos do Direito Eleitoral, mesmo saudando, em unânime manifestação, o espetacular papel que a Justiça Eleitoral tem cumprido em nosso país desde que foi criada, vêm agora observando com honesta e sentida reserva o inadequado incremento das competências do Poder Judiciário no sistema eleitoral brasileiro.
A Justiça Eleitoral hoje, não se limitando à certificação dos poderes dos candidatos vitoriosos, como sabemos todos, pode intervir e acaba intervindo no conteúdo e no próprio resultado do processo eleitoral. O magistrado eleitoral brasileiro, graças a uma jurisprudência e legislação cada vez mais ambiciosas, tem o poder não apenas de certificar os registros de candidaturas e proclamar e diplomar os eleitos, mas também de cassar mandatos alcançados com o voto popular, tornar inelegíveis os cidadãos e, inclusive, sindicar e censurar o que os candidatos podem dizer e os eleitores podem ouvir numa campanha eleitoral.
Boa parte dessas funções, como é o caso do registro de candidatura, podem ser exercidas de ofício e incidem diretamente sobre alguns dos mais caros direitos fundamentais dos cidadãos. Aliás, nunca é demasiado lembrar: a capacidade de votar e a de ser candidato correspondem a direitos fundamentais dos mais prestigiados em todo mundo civilizado e democrático, não obstante sem muita cerimônia sofram, no Brasil, restrições impostas até mesmo por meros atos normativos secundários (Resoluções) da Justiça Eleitoral.
O juiz eleitoral acaba, inclusive, tendo influência mesmo do ponto de vista político sobre as eleições. Com efeito, como sabemos todos, basta a rejeição judicial, mesmo que provisória, de um registro de candidatura, ou apenas a censura a algumas veiculações de propaganda eleitoral, para que o candidato, ainda que alcance reformar definitivamente a decisão em instâncias superiores, acabe politicamente perdendo as eleições, já que o eleitor invariavelmente empresta acentuada importância às manifestações do Poder Judiciário.
Isso já seria o bastante para advertir o magistrado da extrema cautela como deve se mover com os poderes que lhe são conferidos em matéria eleitoral. Quando imaginamos que a democracia, como diz a Constituição, é um regime em que o poder emana do provo e em seu nome é exercido, fazendo-o diretamente ou por seus representantes eleitos, qualquer intervenção de qualquer órgão, seja da sociedade civil ou do Estado, no processo eleitoral, antes de tudo tem que ser observada com extremada prudência e muita reserva.
O Poder Judiciário, os promotores eleitorais, os advogados eleitorais, só podem pretender interferir na relação direta que deve existir entre o eleitor e o candidato quando isso se fizer realmente necessário. Com uma legislação tão interventiva como é a legislação que hoje disciplina as eleições, o que é reconhecido tanto por aqueles que a criticam como aqueles que a aplaudem, o medo é que assalte em todos nós, que atuamos com o direito, uma tentação de intervenção demasiada, para além, inclusive, do que já se manifesta na própria lei, de tal maneira que, ao invés de colaboramos para o processo de formação de vontade livre do povo, pois é disso que se cuida a democracia, acabemos por comprometer essa mesma liberdade do eleitor, que é quem, afinal de contas, numa democracia, deve ter a última palavra.”
Assim, como podemos ver, em nosso contexto judiciário se agiganta a problemática “contramajoritária” ao anularem os juízes eleitorais registros de candidatura pós-eleições, ou cassarem diplomas conferidos aos eleitos ou mandatos exercidos pelos candidatos diplomados e empossados.
Destarte, precisamos, no Brasil, em termos reflexivos, aproveitarmos desses questionamentos críticos do self restring, no controle de constitucionalidade, para traçarmos uma doutrina de autocontrole do Judiciário Eleitoral no delicado e complexo processo de invalidação de vontade direta das urnas, para escolha de candidatos.
Isso não só em homenagem e por necessidade do princípio constitucional da soberania popular (concretizador dos princípios estruturantes da Democracia e República). Mas também por respeito ao devido processo legal eleitoral, que deve reger, com justiça, decisões judiciais que incidirão sobre os direitos políticos fundamentais de votar e ser votado; liberdades-participação que sofrerão controle ou cerceamento legítimo na medida em que as leis materiais e leis processuais sejam produzidas legislativamente e interpretadas judicialmente de acordo com os elevados fins republicanos do Estado Democrático de Direito, fins tuteláveis pela Justiça Eleitoral.
E as liberdades políticas de votar, de receber votos, de escolha por partidos de candidaturas, são bens jurídicos, direitos fundamentais concretizantes dos princípios constitucionais da República e da Soberania Popular. E o devido processo legal em sua dupla dimensão, a material — vinculando o legislador eleitoral —, e a formal — vinculante do juiz eleitoral e do administrador lidante, direta ou indiretamente, com temas eleitorais —, deve ser conformado de tal modo que produza na melhor medida possível efetividade protetiva para tais direitos fundamentais, chamados de liberdades políticas de participação, liberdades-participação (Celso de Mello).
Ou seja: é preciso construir doutrina que demonstre que o Judiciário Eleitoral, ao exercer função contramajoritária em face de escolhas políticas das urnas, deve fazê-lo aplicando leis justas e proporcionais, mediante procedimentos judiciais e hermenêuticos que prestigiem a idéia de um justo processo eleitoral, que preserve a soberania popular em sua inteireza, como vontade dos eleitores, dos candidatos e dos partidos políticos, sem inclinar a balança, desproporcionalmente para qualquer desses titulares de liberdades políticas, ou pior, contra todos, ao argumento retórico e fictício de anular a vontade popular para protegê-la...
Nessa perspectiva, não podemos aceitar que se produzam leis eleitorais açodadas, justiceiras e irracionais, despidas de boa técnica jurídica e constitucionalidade, como a lei ficha limpa. Não podemos admitir que o apelo plebiscitário e midiático “das ruas” substitua, com sua passionalidade e moralidade, as exigências de racionalidade e constitucionalidade impostas pela Constituição a todos os poderes sociais e estatais da República.
Nesse horizonte crítico, igualmente, não podemos aceitar que o Judiciário Eleitoral “crie” normas jurisprudenciais ou tribunalícias ou adote posturas hermenêuticas que façam fenecer no plano da práxis judicial os direitos políticos fundamentais de votar e ser votado.
Para dar concretude a nossa crítica, exemplificamos casos ocorridos no TSE: a “norma jurisprudencial”, antes da emergência da lei ficha limpa, que prescrevia que aquele que deu causa a anulação da eleição, ex vi do decantado princípio da proporcionalidade, não poderia participar da eleição suplementar, criando-se, com tal exegese contra constitutione, inelegibilidade por jurisprudência, e não por lei complementar; a regra de resolução, que contra dispositivo expresso de lei eleitoral, “criou” transversa hipótese de inelegibilidade por norma “regulamentar”, ao entender que aqueles que tiveram as contas desaprovadas, não poderiam obter certidão eleitoral, assim, não poderiam obter registro de candidatura; a postura antes de pré-compreensão do que de interpretação, que afirma que inelegibilidade não seria pena, mas mero requisito para o pedido de candidatura, portanto, pode retroagir a lei que dela trate, ainda que em prejuízo do direito político fundamental de ser votado, com exegese não só contrária a esse direito, mas à hermenêutica constitucional, no que toca ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
Isso para que o Judiciário Eleitoral não se transforme em eleitor privilegiado ou eleitor negativo (para parafrasear a idéia de legislador negativo de Kelsen), com atuação própria de “juízes filósofos”, ao modo elitista pensado por Platão, em sua Política, ao falar dos “reis filósofos”.
Ou seja, juízes platônicos que dirão, no lugar dos eleitores, quem deverá representá-los ou dirão, de maneira negativa, quem não deverá representá-los. Assim, é preciso alta reflexão e adequada contenção legal e hermenêutica, para que o Judiciário Eleitoral não substitua a vontade dos eleitores, dos partidos políticos e dos candidatos, não substitua a vontade popular pela sua vontade — a vontade judicial não eleita, mas indevidamente eletiva, quando posta em lugar da vontade das urnas.
No sentido ora criticado, o Judiciário, repita-se, seria eleitor negativo por que impediria efeitos à eleição já consolidada nas urnas; impediria a posse ou exercício de candidato cujo registro, diploma ou mandato, fora cassado em regular processo judicial eleitoral.
Por outro lado, em nosso sistema jurídico-eleitoral há também a hipótese do Judiciário Eleitoral ser eleitor positivo, de franca substituição da vontade popular das urnas pela vontade dos juízes eleitorais, nos casos em que, anulada uma eleição, o segundo colocado para o Executivo é que será diplomado e empossado no lugar do primeiro lugar, conforme o escore das urnas.
Também isso acontece em eleição majoritária para o Senado. Ou em eleições proporcionais, onde assumirá o suplente do partido ou coligação, ou haverá inversão do coeficiente partidário, com diplomação e posse de candidatos adversários de partidos vencedores nas urnas, mas perdedores no Judiciário Eleitoral.
Além dessas duas hipóteses, funcionar o Judiciário Eleitoral como eleitor negativo ou eleitor positivo, no lugar do corpo de eleitores, pode haver decisões judiciais que subtraiam da soberania popular, do escrutínio popular, a escolha direta de candidatos. Decisões que coloquem em xeque a idéia de voto direto, periódico e universal. Ou seja, o Judiciário não atuaria como eleitor, mas sensor máximo não só do eleitorado, mas da própria soberania popular representativa.
São decisões judiciais que retiram do voto a sua cláusula constitucional de imediatidade entre eleitor e eleito. Trata-se da questionável jurisprudência do TSE, para a qual nos cargos de chefia do Poder Executivo, se a vacância de governadorias ou prefeituras, por questões ligadas a processos eleitorais, se der nos dois últimos anos de mandato, a escolha não será mais por eleição direta das urnas, mas por eleição indireta pelas casas parlamentares. Eleições em que só podem votar os parlamentares e só podem se candidatar eles mesmos.
Ou seja, a liberdade de votar e de receber votos foi subtraída dos cidadãos eleitores ou cidadãos candidatos, e colocada, em termos aristocráticos, ao exercício privilegiado e diminuto de uma assembléia parlamentar que as exercerá diretamente; fará tudo entre os próprios pares, sem acesso de qualquer outro cidadão que não o parlamentar em exercício de mandato no momento da eleição parlamentar indireta.
A tal hermenêutica se chegou pelo uso imperfeito da hipótese referida no artigo 81, § 1º, da CF, que trata da sucessão no Executivo, por causas constitucionais e não por causas eleitorais.
Em suma, a preocupação contramajoritária no âmbito da Justiça Eleitoral nos faz refletir sobre o real prestígio e valor que conferimos, entre nós, às “vontades populares”, à constitucional e sacra soberania popular.
E em nosso sistema jurídico, calha lembrar, temos muitas vontades referidas como de origem popular, que recebem, cada qual, uma específica proteção normativa.
Temos a vontade constituinte, cristalizada na Constituição; a vontade do legislador, produto da ação de representantes eleitos pelo colégio eleitoral; a vontade fruto da participação popular, no âmbito da chamada democracia participativa, na qual se inserem a iniciativa popular das leis, plebiscito e referendo, etc; e a sacra vontade das urnas, a vontade expressão da soberania popular como prática e como princípio constitucional realizado no âmbito do sistema eleitoral.
O Judiciário Eleitoral, manifestando a sua vontade judicial, deve, sobretudo, proteger a última vontade, a das urnas, com respeito extremo pela vontade constituinte, expressa na Constituição. Qualquer outra vontade, seja do legislador ou dos juízes, ou da iniciativa popular, que se contraponha à primeira, estará se impondo em detrimento da segunda, e será vontade ilegítima e inconstitucional.
Não obstante essa preocupação, o Judiciário Eleitoral, coonestado pela Suprema Corte brasileira, como demonstra o caso de validade constitucional em torno da Lei Complementar 135/10 (lei da ficha limpa), fez preponderar a “vontade da lei” e a “vontade judicial” em face da vontade popular das urnas. Essa lei reforçou o “braço de estivador” (Chico Buarque) da Justiça Eleitoral sobre a soberania popular. Ampliou desmedidamente a ação da Justiça Eleitoral em “tutela paternalista” da vontade popular. Radicalizou a judicialização das eleições e o seu produto — a vontade das urnas.
Hoje, em face do crescente processo de infantilização do eleitor, marginalização dos candidatos, e protagonização do processo eleitoral não mais pelo eleitor popular, mas pelo juiz eleitoral, é necessário investir mais em advogados do que em “marqueteiros”, pois é muito provável que o resultado obtido nas urnas poderá ser “subvertido” ou “golpeado” na Justiça Eleitoral, em desfavor do eleito pela soberania popular e, principalmente, em desfavor da própria soberania popular ao argumento fictício de protegê-la dela própria!
Estamos a aplaudir, irrefletidamente, leis e interpretações judiciais que colocam a vontade popular sob a tutela judicial, como se o colégio eleitoral fosse composto por um conjunto de infantes que necessitam de intervenção “paternal” judiciária. Aí está o aplauso ao ideário ficha limpa como; também a concepção de contas eleitorais desaprovadas (o ideário “contas sujas”), ainda que sem a lei prevendo, apenas o TSE assim interpretando, poderia levar a não expedição de certidão eleitoral de quitação, consequentemente, à inelegibilidade do candidato, como dissemos.
Para evitarmos esses equívocos lógicos e teóricos, que abastecem hermenêuticas contra constitutione, é necessário não deslembrarmos que em Direito, notadamente em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, há diferença entre a vontade das urnas, expressão imediata e soberana da vontade popular, vontade delegante, da vontade da democracia representativa, da vontade dos representantes eleitos pelos representados-cidadãos-eleitores. A vontade das urnas é pressuposto validatório e legitimador da vontade dos representantes. Sem a vontade das urnas, em nossa democracia, não pode haver a vontade do legislador representante.
A vontade popular, nas urnas, não é só pressuposto do Estado Democrático de Direito, é seu fim, sua base, é uma de suas maiores e mais sentidas preocupações. A vontade popular das urnas é mola, é propulsão, é legitimação de todo o sistema republicano e democrático fulcrado na Constituição.
Confundir a vontade dos representantes — a lei — com vontade dos representados — expressão da soberania popular —, colocando ambas em igual posição, é desconhecer a relação entre antecedente e conseqüente, entre poder delegante e poder delegatário, entre vontade constitucional e vontade constituída, entre vontade legitimante e vontade legitimada, entre democracia direta e democracia indireta, entre vontade autorizante e vontade autorizada, entre a vontade popular direta e a vontade da lei que deve resguardar e atender a soberania popular.
Essa confusão está legitimando que a Justiça Eleitoral brasileira, muitas vezes, desprezando hermenêuticas prestigiadoras da máxima efetividade da soberania popular e dos princípios liberais republicanos, passe a cassar registros, diplomas, mandatos, em “autocrática” exegese que sobrepuja a vontade das urnas com a inconstitucional vontade dos representantes, com a vontade da lei violadora da vontade de constituição (Konrad Hess e Friederich Muller)!
Esse raciocínio que confunde, mistura, iguala vontade das urnas e vontade dos representantes, que se baseia em pressuposições que derruem a primeira em face da segunda, é moldado no pré-conceito de que a vontade popular das urnas é menor do que a vontade da lei; que a vontade popular, imatura e frágil como a vontade de uma criança, de um interdito ou de um curatelado, não tem a força, a independência, a liberdade de um sujeito dotado de direitos, precisando da tutela, da curatela, da interdição, por vezes autoritária, da Justiça Eleitoral, que no aparente conflito entre uma e outra, não tem, nos últimos tempos (caso emblemático do tema ficha limpa), se contido em interditar, em anular a primeira, na pressuposição de que a segunda é mais digna de crédito, é mais legítima, é mais eficaz, é mais forte, é mais consentânea ao anseio popular.
Assim, sem uma doutrina da autocontenção e da heterocontenção da atuação da Justiça Eleitoral em sua função contramajoritária, quem protegerá a vontade popular da interdição, da curatela, da tutoria, algumas vezes autoritária e autocrática da Justiça Eleitoral, que tem elegido como a mais importante a vontade da lei em detrimento da vontade popular, mesmo quando a lei tem sido acusada de inconstitucionalidades formal e material, quando a vontade constituída do legislador eleitoral tem sido questionada por malferir, por trair e violar a vontade constituinte?
De que lado, historicamente, deve ficar a Justiça Eleitoral brasileira: da vontade popular manifestada nas urnas, da vontade constituinte expressa na Constituição ou da vontade da lei manifestada pelos representantes do povo? Qual a finalidade histórica desta justiça, senão guarnecer a vontade das urnas atendendo a vontade constituinte? Pode a Justiça Eleitoral desprezar a vontade popular direta das urnas em homenagem a vontade dos representantes contestada em face da vontade constituinte, cujo titular imediato é o povo?
Em nossa democracia constitucional, nossa opinião pública e nossos juízes eleitorais, devem refletir a fundo sobre todas essas questões, tanto de lege lata, quando de lege ferenda.
É necessário tanto reformas na postura hermenêutica reinante no Judiciário Eleitoral, que deve passar a contabilizar, com mais cuidado, vagar e preocupação o valor jurídico de garantia ao direito político fundamental de candidatura, quanto reformas na legislação eleitoral, que preservem com mais efetividade esse direito assim como assegure maior potência, estabilidade e eficácia do quanto decidido pelas urnas populares, que retratam outro sacro direito político fundamental: o de voto.
Este ensaio, sem querer esgotar todos os aspectos que a temática tratada poderia suscitar, apenas procurou trazer ao Direito Eleitoral brasileiro proposições que estudiosos e operadores do direito em geral, deverão enfrentar em tempos fichalimpistas, em tempos de elevado moralismo eleitoral que, no dizer de Adriano da Costa Soares, às vezes, sem o confessar, apregoa uma democracia sem voto, sem eleitor, sem soberania popular, satisfeito com as escolhas autocráticas do Judiciário Eleitoral, no exercício acrítico e por vezes periclitante de sua função contramajoritária.
Néviton de Oliveira Batista Guedes: “Quem bem observar o Direito Eleitoral em nosso país irá concluir que, por trás de uma retórica de sacralização do eleitor, o que se vem verificando desde sempre é uma enorme desconfiança com a sua capacidade de proceder à melhor escolha possível.
Essa desconfiança, por óbvio, não se pode manifestar abertamente por autoridades públicas, porquanto absolutamente contrária aos desígnios da nossa democrática Constituição de 1988. Mas, fora dos acontecimentos oficiais, escuta-se aqui e ali que uma intervenção judicial nas eleições é benéfica para o Brasil, pois o eleitor não sabe votar.
Outras formas de poder (teocracia, monarquia, aristocracia, ditadura) prometem exercer o domínio através de indivíduos especialmente qualificados (santos, homens ungidos por Deus, guerreiros, sábios e outros indivíduos com qualidades da mesma extraordinária estatura). A democracia não. Ela se contenta e promete exercer o poder através do “ordinary man”, ou seja, seu funcionamento baseia-se na intelectualidade e na moral do homem comum, ou no dizer, de Ulrich Preuβ, a democracia, diversamente dos demais sistemas de domínio, sustenta humildemente o seu funcionamento na mediocridade do ser humano (Durchschnittlichkeit der menschen).
A democracia, ao contrário, pressupõe a humildade de confiar o poder, como já se disse, à Sua Excelência, ao eleitor, ou seja, ao cidadão comum. Nela, certamente, todos também têm a expectativa de que, ao final, o poder seja entregue aos melhores capacitados na sociedade, mas isso não é o fundamental para que a escolha seja considerada funcional no regime democrático. O que importa é que, disputando-se as eleições com máximo de igualdade e liberdade, os cidadãos, os homens comuns, em sua maioria, tenham a palavra final.
Aqueles que buscam e esperam, com a institucionalização de filtros e controles cada vez mais sofisticados, a segurança de que a democracia ou qualquer outro regime possa oferecer a certeza dos melhores, desconhecem a natureza das instituições humanas.
Nenhuma instituição humana pode pretender a perfeição do governo das coisas e dos homens. Ninguém o conseguiu: nem o partido único do regime burocrático - socialista, nem o Reich dos mil anos de Hitler , nem o rei filósofo de Platão. Suspeito que o Poder Judiciário, no Brasil, também não o conseguirá.
Aliás, onde essa ideia de perfeição e pureza nos negócios humanos foi levada muito a sério desaguou-se em ditaduras e totalitarismo. Na sua esplêndida obra, A sociedade aberta e seus inimigos, a tônica de Karl Popper é a de demonstrar que todo aquele que, cuidando de organizar o poder, anuncia a perfeição na terra dos homens acaba entregando autocracia ou totalitarismo de algum gênero.” Em seu As eleições municipais e o processo de democracia, Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2012, coluna “Constituição e Poder”.
A noção crítica de moralismo eleitoral tem sido desenvolvida pelo eleitoralista Adriano da Costa Soares. O seu blog está repleto de excertos elucidativos. Vejamos:
I - “Já há algum tempo tenho chamado a atenção para o que denominei de "moralismo eleitoral", um fenômeno perigoso que tem invadido a cidadela da jurisprudência eleitoral. (...). O moralismo eleitoral transforma todos os debates jurídicos eleitorais em debates morais e - o que é tanto pior! - sempre no compromisso de interditar o mais que possível que os políticos sejam... políticos.
Há sempre um sentimento embutido nessa lógica: entrou na política, bandido é. E, na ânsia de higienização da política, deseja-se acabar com os políticos, o que nada mais é do que selar o fim da própria democracia. E, nessa concepção de mundo, esqueceram de um pequeno detalhe: o expurgo a ser feito deveria ser através do voto, salvo em casos extremos de crimes adrede positivados.
Mais, em uma era da entronização acrítica do "fichalimpismo", o moralismo eleitoral reina absoluto, sem compromisso nenhum com o direito positivo vigente. É a justiça de mão própria togada, armada do direito achado na rua...” ver post de 2 de março de 2012 intitulado “Quitação eleitoral e hipermoralização do direito: na era do ´fichalimpismo`.” –
II - “Trata-se de uma marcha insana de muitos em defesa do moralismo eleitoral, para a instauração de uma democracia sem votos, sem eleitor. Uma visão ingênua, casuística, em certo sentido reacionária. É a tentativa de construção de uma democracia tutelada, ao fim e ao cabo, de uma democracia sem previsibilidade, em que a segurança jurídica é um mal a ser combatido, em que as garantias individuais não passam de um estorvo pequeno burguês.”
“É isso, afinal, do que se trata: o moralismo eleitoral não respeita a Constituição Federal nem o ordenamento jurídico. Em nome da ética na política, às favas com os escrúpulos....” Ver post de 8 de junho de 2010 intitulado “Sandra Cureau e o Moralismo Eleitoral: as garantias individuais flexibilizadas.” –
III - “Tenho combatido o que passei a denominar de moralismo eleitoral, ou seja, a adulteração da interpretação das normas jurídicas eleitorais pela aplicação de critérios acentuadamente morais, muitas vezes em aberta divergência com o próprio ordenamento jurídico posto. Em nome de princípios defendidos por determinadas minorias (ou mesmo maiorias, pouco importa) afasta-se a aplicação de determinada norma jurídica positivada, recriando antidemocraticamente o próprio ordenamento jurídico, sem observar os meios próprios para tanto.
(...). Esse fenômeno crescente de, a partir de uma leitura principiológica da Constituição, enfraquecimento da própria positividade das normas infraconstitucionais ao ponto limite de deixarem elas de ser vinculativas para o aplicador, passou a ser sentido de modo alarmante na leitura que vem se fazendo de relevantes questões eleitorais (...).”
“ (...). moralismo eleitoral parte normalmente de uma compreensão equivocada da teoria da inelegibilidade, que se põe a serviço de um certo justiçamento antidemocrático, ainda que movido pelas melhores intenções. Não há dúvidas que é necessário depurarmos as nossas instituições, porém essa é uma tarefa complexa, que não se esgota em medidas irrefletidas, movidas por um certo voluntarismo, que de tanto simplificar os problemas apenas cria novos problemas.” ver post de 25 de dezembro de 2009, intitulado “Moralismo Eleitoral, Inelegibilidade e Vida Pregressa.” –
IV - “Ora, em uma democracia, quem deve afastar o mau político é o eleitor pelo voto. O critério de definição? Cabe ao eleitor definir. Porém, essa minoria não acredita na democracia, não acredita no eleitor: prefere, então, criar critérios de exclusão previamente. Antidemocraticamente.
(...). Ah, mas o eleitor é analfabeto, dirão alguns. Ah, mas o eleitor vende o voto, dirão outros. Certo, então proibamos o pobre e o analfabeto de votar. Quem terá coragem de abertamente defender essa tese absurda? Ninguém, por evidente. Então, fingem defender a democracia, quando na verdade pretendem é criar, às avessas, uma espécie de sufrágio censitário.
O eleitor vai votar, é certo, mas em uma lista antes já submetida a um processo de higienização ideológica. A isso chamo de moralismo eleitoral, essa forma fundamentalista de aplicação de uma certa moral ao processo eletivo.” ver post de 30 de junho de 2010, intitulado “Entrevista a um Blogueiro: Cidadania, Democracia e Fichas Limpas”. –
V - “Mas o hipermoralismo eleitoral não quer saber o que é juridicamente sustentável ou não; interessa a sua sanha macartista, ainda que a Constituição seja desrespeitada. Este é o ponto: estamos sempre criando atalhos para sustentar essas normas inconstitucionais, mas com apelo popular, conferindo, assim, ao ordenamento jurídico um tratamento bizarro, sem pé nem cabeça, alimentando a insegurança jurídica. É disso que se trata.
A mim me parece que não podemos negociar a aplicação adequada da Constituição; devem-se evitar soluções casuísticas que, ao final, se voltarão contra a própria sociedade.” Ver post de 6 de julho de 2010, intitulado “A parte final da minha entrevista a Yuri Brandão.”
Ruy Samuel Espíndola
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