O Direito regula a vida em sociedade. Há fatos que ficam na esfera privada de cada um. Outros são cerceados por regras administrativas, porque assim recomenda a vida em grupos. Os mais graves são elevados à condição de crimes e punidos mais severamente. É o caso do furto ou das lesões corporais. Finalmente, alguns não são reprimidos, mas podem ensejar uma reparação civil, um pagamento a título de indenização.
Na vida em sociedade quase tudo vem a ser objeto de um contrato. Se pago R$ 3 por um jornal, estou consumando um ajuste verbal com o vendedor. Mas se compro um imóvel, o legislador exige, para segurança das partes, que ele seja feito por escritura pública. Nem tudo, porém, pode ser contratado. O objeto pactuado, na antiga lição de Washington de Barros Monteiro, deve ser lícito, “isto é, conforme à moral, à ordem pública e aos bons costumes”.
Até aí o tema não revela maior complexidade. No entanto, o mundo ─ e o Brasil também ─ passa por uma transformação radical e a uma velocidade nunca antes sequer imaginada. Os valores se transformam, práticas centenárias são abolidas, os mais jovens surpreendem com suas ações.
O filme francês Polissia, da diretora Maiwenn, retrata a rotina de uma delegacia de polícia de proteção a menores em Paris. Ali estão exibidos fatos reais, conflito de culturas, taras e violências. Em uma das passagens, atendendo uma ocorrência de roubo praticado por uma gangue de menores contra uma menina de 14 anos, constatam os policiais que ela foi forçada a praticar sexo oral com os rapazes para que lhe fosse devolvido o celular. A jovem vítima conta, sem nenhum constrangimento, que assim procedeu porque o celular era moderno e bonito. O ato em si não lhe causa repugnância. É-lhe indiferente. O que vale é o celular.
Com menos charme e um pouco mais de idade, aos 14 de agosto, em Barueri (SP), uma jovem de 22 anos, que se achava em uma casa noturna, também vítima do furto de um celular, concordou em fazer sexo com 5 homens, embaixo de um viaduto, para recuperar seu telefone
Notícias semelhantes se sucedem. No dia 28 de setembro passado, noticiou-se que “jovens que postaram vídeo de sexo com adolescente na internet devem ser indiciados”. O caso ocorreu em Santa Luzia (MG), onde foram filmadas cenas de sexo praticadas por 4 jovens com uma adolescente de 15 anos. O pai disse que a filha estava drogada. A delegada, que poderia ter ocorrido estupro
Alguns pais também dão sua colaboração para que as coisas piorem. A psicóloga Rosely Sayão, em artigo denominado Miniatura de Periguete, relata práticas que vêm se tornando comuns, como expor às crianças todas as mazelas do mundo adulto, antecipando-lhes a adolescência, vestindo-as como “periguetes”, levando-as às chamadas “baladinhas”, com DJ e pouca iluminação (Folha de S.Paulo de 23 de outubro de 2012).
Assim, na primeira infância, fase de inocência, brincadeiras e descoberta das coisas, vão elas, prematuramente, sendo introduzidas em um mundo de sexo e malícia. E o que é pior: sabidamente, crianças vestidas de forma sensual atraem pedófilos, os estimulam. Não por acaso, a cada dia tal tipo de ocorrência aumenta.
Em paralelo, crescem boa parte dos jovens sem ter quem lhes transmita valores, princípios, religião. O sucesso medido pelo poderio econômico os leva individualismo materialista. Os valores cívicos, sempre erroneamente confundidos com o período da ditadura militar, foram abandonados. Os desfiles de 7 de Setembro são melancólicos. Certamente seria menor a corrupção se maior fosse o amor pelo Brasil.
Nisto tudo, certamente a propaganda dá a sua colaboração. Quase todas têm o fácil apelo sexual, o que revela pouca criatividade. As que recomendam determinada marca de cerveja, sempre estão em um bar pleno de alegria, com rapazes próximos a mulheres apetitosas. A mensagem subliminar diz que a felicidade está no bar ─ e não no lar ─ e que cerveja rima com sexo.
Sem resistência da sociedade a este estado de coisas, reconhecida a transformação da família, que vai assumindo formas diversas e menos perenes, induzidas as crianças a anteciparem sua vida sexual, flexibilizadas ao extremo as regras morais, fácil é ver que estamos diante de uma nova realidade.
E os mais novos vão crescendo. Bombardeados por exemplos negativos, refugiados na internet, muitas vezes acessando o que há de pior sem que os pais saibam e exerçam o necessário controle. Entram na adolescência, nem sempre pelo melhor caminho. Não raramente têm depressão. Em casos extremos, entregam-se às drogas ou à prostituição, esta não mais um privilégio de moças pobres do interior.
Por vezes são aliciados para a prática de crimes. Como são inimputáveis até os 18 anos, podem cumprir missões orientadas por criminosos graduados. Talvez aí a explicação para, em outubro passado, 4 menores com 16 e 17 anos terem matado um policial civil em Santa Catarina, logo no estado com os mais baixos índices de criminalidade. Quanto tempo ficarão internados? Um ano? Dois?
E se assim são as coisas, resta saber qual o resultado disto tudo e se o Direito tem prestado algum tipo de auxílio na solução dos problemas. Algumas indagações devem ser feitas.
a) A prostituição de menores de 18 anos, prevista como crime no artigo 218-B do Código Penal, será resolvida com a prisão dos que as exploram e dos clientes que as procuram? Ou ela ficou incontrolável, por força da mudança de costumes, sendo o sexo no início da adolescência e sem compromisso considerado absolutamente normal?
b) A pedofilia tem aumentados nos últimos dez anos? Há estudos científicos a respeito? Há política pública para combatê-la? A sexualidade exposta a cada momento não está a interferir no inconsciente das pessoas, levando-as a romper seus freios inibitórios?
c) Nessa nova realidade, menores com 16 e 17 anos são realmente incapazes de compreender o caráter criminoso de seus atos e por isso inimputáveis, como afirma o artigo 27 do antigo Código Penal de 1940? Se são inimputáveis, é razoável que possam votar?
d) A regra de que um contrato lícito deve ser moralmente adequado e ajustado aos bons costumes, como deve ser interpretada atualmente? O que é imoral?
e) Neste mundo novo, o Direito deve ter uma aplicação diferente daquela vigente há poucos anos? Os magistrados mais velhos conhecem essa realidade?
Resumindo, qual o papel do Direito neste novo cenário? As soluções devem ficar por conta exclusiva da sociedade? Até onde o Estado deve interferir? O que pensa a maioria da população? Estas questões exigem discussões. Ignorá-las é a pior solução.
Vladimir Passos de Freitas
Na vida em sociedade quase tudo vem a ser objeto de um contrato. Se pago R$ 3 por um jornal, estou consumando um ajuste verbal com o vendedor. Mas se compro um imóvel, o legislador exige, para segurança das partes, que ele seja feito por escritura pública. Nem tudo, porém, pode ser contratado. O objeto pactuado, na antiga lição de Washington de Barros Monteiro, deve ser lícito, “isto é, conforme à moral, à ordem pública e aos bons costumes”.
Até aí o tema não revela maior complexidade. No entanto, o mundo ─ e o Brasil também ─ passa por uma transformação radical e a uma velocidade nunca antes sequer imaginada. Os valores se transformam, práticas centenárias são abolidas, os mais jovens surpreendem com suas ações.
O filme francês Polissia, da diretora Maiwenn, retrata a rotina de uma delegacia de polícia de proteção a menores em Paris. Ali estão exibidos fatos reais, conflito de culturas, taras e violências. Em uma das passagens, atendendo uma ocorrência de roubo praticado por uma gangue de menores contra uma menina de 14 anos, constatam os policiais que ela foi forçada a praticar sexo oral com os rapazes para que lhe fosse devolvido o celular. A jovem vítima conta, sem nenhum constrangimento, que assim procedeu porque o celular era moderno e bonito. O ato em si não lhe causa repugnância. É-lhe indiferente. O que vale é o celular.
Com menos charme e um pouco mais de idade, aos 14 de agosto, em Barueri (SP), uma jovem de 22 anos, que se achava em uma casa noturna, também vítima do furto de um celular, concordou em fazer sexo com 5 homens, embaixo de um viaduto, para recuperar seu telefone
Notícias semelhantes se sucedem. No dia 28 de setembro passado, noticiou-se que “jovens que postaram vídeo de sexo com adolescente na internet devem ser indiciados”. O caso ocorreu em Santa Luzia (MG), onde foram filmadas cenas de sexo praticadas por 4 jovens com uma adolescente de 15 anos. O pai disse que a filha estava drogada. A delegada, que poderia ter ocorrido estupro
Alguns pais também dão sua colaboração para que as coisas piorem. A psicóloga Rosely Sayão, em artigo denominado Miniatura de Periguete, relata práticas que vêm se tornando comuns, como expor às crianças todas as mazelas do mundo adulto, antecipando-lhes a adolescência, vestindo-as como “periguetes”, levando-as às chamadas “baladinhas”, com DJ e pouca iluminação (Folha de S.Paulo de 23 de outubro de 2012).
Assim, na primeira infância, fase de inocência, brincadeiras e descoberta das coisas, vão elas, prematuramente, sendo introduzidas em um mundo de sexo e malícia. E o que é pior: sabidamente, crianças vestidas de forma sensual atraem pedófilos, os estimulam. Não por acaso, a cada dia tal tipo de ocorrência aumenta.
Em paralelo, crescem boa parte dos jovens sem ter quem lhes transmita valores, princípios, religião. O sucesso medido pelo poderio econômico os leva individualismo materialista. Os valores cívicos, sempre erroneamente confundidos com o período da ditadura militar, foram abandonados. Os desfiles de 7 de Setembro são melancólicos. Certamente seria menor a corrupção se maior fosse o amor pelo Brasil.
Nisto tudo, certamente a propaganda dá a sua colaboração. Quase todas têm o fácil apelo sexual, o que revela pouca criatividade. As que recomendam determinada marca de cerveja, sempre estão em um bar pleno de alegria, com rapazes próximos a mulheres apetitosas. A mensagem subliminar diz que a felicidade está no bar ─ e não no lar ─ e que cerveja rima com sexo.
Sem resistência da sociedade a este estado de coisas, reconhecida a transformação da família, que vai assumindo formas diversas e menos perenes, induzidas as crianças a anteciparem sua vida sexual, flexibilizadas ao extremo as regras morais, fácil é ver que estamos diante de uma nova realidade.
E os mais novos vão crescendo. Bombardeados por exemplos negativos, refugiados na internet, muitas vezes acessando o que há de pior sem que os pais saibam e exerçam o necessário controle. Entram na adolescência, nem sempre pelo melhor caminho. Não raramente têm depressão. Em casos extremos, entregam-se às drogas ou à prostituição, esta não mais um privilégio de moças pobres do interior.
Por vezes são aliciados para a prática de crimes. Como são inimputáveis até os 18 anos, podem cumprir missões orientadas por criminosos graduados. Talvez aí a explicação para, em outubro passado, 4 menores com 16 e 17 anos terem matado um policial civil em Santa Catarina, logo no estado com os mais baixos índices de criminalidade. Quanto tempo ficarão internados? Um ano? Dois?
E se assim são as coisas, resta saber qual o resultado disto tudo e se o Direito tem prestado algum tipo de auxílio na solução dos problemas. Algumas indagações devem ser feitas.
a) A prostituição de menores de 18 anos, prevista como crime no artigo 218-B do Código Penal, será resolvida com a prisão dos que as exploram e dos clientes que as procuram? Ou ela ficou incontrolável, por força da mudança de costumes, sendo o sexo no início da adolescência e sem compromisso considerado absolutamente normal?
b) A pedofilia tem aumentados nos últimos dez anos? Há estudos científicos a respeito? Há política pública para combatê-la? A sexualidade exposta a cada momento não está a interferir no inconsciente das pessoas, levando-as a romper seus freios inibitórios?
c) Nessa nova realidade, menores com 16 e 17 anos são realmente incapazes de compreender o caráter criminoso de seus atos e por isso inimputáveis, como afirma o artigo 27 do antigo Código Penal de 1940? Se são inimputáveis, é razoável que possam votar?
d) A regra de que um contrato lícito deve ser moralmente adequado e ajustado aos bons costumes, como deve ser interpretada atualmente? O que é imoral?
e) Neste mundo novo, o Direito deve ter uma aplicação diferente daquela vigente há poucos anos? Os magistrados mais velhos conhecem essa realidade?
Resumindo, qual o papel do Direito neste novo cenário? As soluções devem ficar por conta exclusiva da sociedade? Até onde o Estado deve interferir? O que pensa a maioria da população? Estas questões exigem discussões. Ignorá-las é a pior solução.
Vladimir Passos de Freitas
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