"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 24 de agosto de 2013

O futuro da “nova era”


“O Brasil não tem problema, apenas soluções adiadas”. O chiste de Luís da Câmara Cascudo pode ser lido – embora não deva – como expressando uma aconchegante e ilusória confiança no poder regenerador da passagem do tempo. Do tipo: a cada dia basta a sua pena. Ou como na enganosa esperança de que “no fim tudo acaba bem, se não está bem é porque não acabou ainda”. O que sempre depende de como se define (e redefine) o que é o fim – e o significado de acabar.

Bem-humoradas afirmações dessa natureza podem justificar tendências à procrastinação e à aceitação um tanto passiva de todo tipo de atrasos – e dos custos econômicos e sociais neles envolvidos por várias razões. Quero mencionar duas que considero relevantes para os decisivos meses à frente.

A primeira pode estar ligada à nossa obsessão pelo futuro: nossa fé no que virá como que nos exime daquilo que, de Sérgio Buarque de Holanda a Roberto DaMatta, é tido como nossa relativa aversão aos miúdos labores do cotidiano. Gostamos de pensar grande: discussões específicas ou técnicas sobre como melhor gerir, na prática, a coisa pública em áreas definidas têm, entre nós, muito menos apelo do que retóricas conclamações por novos modelos de desenvolvimento, novos projetos nacionais, novas políticas industriais ou “novas matrizes macroeconômicas”.

A segunda razão tem que ver com a forma como uma sociedade e seus governos identificam os principais problemas a enfrentar. As manifestações recentes indicam o que vem por aí em termos de novas demandas (inclusive da base aliada) e de novas tentativas de respostas de um governo totalmente focado em ganhar as eleições de 2014 (uma definição do “fim” e do “acabar bem”).

Alguém dirá, e com razão: ora, os principais candidatos de oposição também estão com os olhos fixos no período até outubro de 2014 e adiante. É verdade, mas o que estará em foco nos próximos 15 meses são as respostas do “Poder Incumbente”, ao qual cabe o dever de bem governar o país e responder a seus problemas, incluídos os identificados nos movimentos de rua, dos quais o lulopetismo acreditava, até junho, deter o monopólio.

A propósito, vale lembrar uma observação de Jared Diamond (em seu livro “Collapsè”). “Mesmo quando uma sociedade foi capaz de antecipar, perceber e tentar resolver um problema, ela pode ainda fracassar em fazê-lo, por óbvias razões possíveis: o problema pode estar além das suas capacidades; a solução pode existir, mas ser proibitivamente custosa: os esforços podem ser do tipo muito pouco e muito tarde, e algumas soluções tentadas podem agravar o problema.”

Como sabemos, um país pode não fracassar, mas desperdiçar muitas oportunidades. E isso pode ter efeitos consideráveis sobre seu futuro, levando a um relativo atraso econômico e social em relação a países que foram capazes de adotar medidas de políticas públicas nas áreas macro, micro, institucional, regulatória e de reformas, favoráveis ao crescimento com competitividade internacional.

O problema, talvez mais fundamental, é que em muitos países do mundo de hoje, desenvolvidos ou não, o Estado não pode mais (ou pode cada vez menos) além de investir em infraestrutura, sustentar o custo de seu endividamento e corresponder aos desejos por maiores gastos públicos para assegurar direitos existentes e expectativas de novos direitos por alcançar.

Educação, saúde, transporte, segurança e muitos outros serviços públicos que as pessoas (no mundo desenvolvido em particular) por mais de meio século se acostumaram a ter providos por seus governos estão ficando agora claramente fora do “espaço” de orçamentos públicos razoavelmente controlados ou, pelo menos, fora daquilo que as pessoas estariam propensas a aceitar como a tributação requerida para pagar por tais serviços.

Essa discussão é particularmente relevante no Brasil de hoje. As razões principais vão-se tomando cada vez mais conhecidas entre nós. Para resumir ao extremo, no Brasil, tanto no que diz respeito ao gasto público quanto à tributação, temos três problemas: o nível de ambos é excessivo, a composição de ambos é distorcida e a eficiência de ambos é precária, como mostram de forma contundente analistas, pesquisas e manifestações. E a combinação desses três problemas é altamente deletéria para os investimentos e o crescimento sustentado que , todos almejamos.

Governos que se acostumaram a culpar governos passados e – quando conveniente – o resto do mundo por seus problemas ficam desorientados quando são alcançados pelas conseqüências de suas próprias ações e omissões ao longo de mais de dez anos. Na verdade, do ponto de vista da economia, desde a “inflexão desenvolvimentista” de 2006, quando uma nova equipe econômica entrou em campo, com a convicção de que a demanda sempre cria sua própria oferta, assegurando o crescimento da produção doméstica.

Talvez tenham descoberto, após sete anos, que nem sempre é assim, que a expansão sustentada da oferta depende não só do gasto público e dos financiamentos concedidos por bancos oficiais, mas do grau de confiança de investidores privados no ambiente geral de negócios, na qualidade do contexto regulatório, na estabilidade das regras do jogo e no compromisso do governo com a responsabilidade fiscal e o controle de inflação.

E que, por vezes, excessos na política de estímulo à demanda (na suposição de que a oferta sempre responde) podem levar ao aumento de pressões inflacionárias e ao aumento das importações e dos déficits do balanço de pagamentos, devidos à nossa baixa taxa de poupança privada e à nossa poupança pública negativa. Tentar desarmar o que André Lara Resende chamou de “a armadilha brasileira” será tarefa da próxima administração – qualquer que seja o resultado das umas.

Pedro Malan

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