“Yo soy yo y mi circunstancia: si no la salvo a ella, yo no
me salvo”. (Ortega y Gasset)
“Eppur… si muove” – E, no entanto, ela se move (Galileu)
Como falar do Estado, a mais alta forma de ordenamento das
relações políticas em um dado território nacional, na conjuntura crítica que
atravessamos? Quando a centralidade recém-adquirida pela “política” na vida
nacional assume contornos decididamente perversos, por autodestrutivos? Como
falar do Estado, que em princípio é a forma mais acabada de autoridade
política, quando parte dos atores que respondem pela sua operação no contexto
democrático atual – no Executivo e no
Legislativo – esmeram-se no exercício de um tipo de brinkmanship, cujos riscos
econômicos, sociais e políticos crescem
de forma exponencial? E cujo desenlace, no limite, poderia ser uma crise de
legitimação do próprio Estado enquanto poder público? Quando visto da
perspectiva de uma crise de legitimação, essa situação-limite remete
diretamente às relações entre Estado e sociedade – um dos principais eixos em
que se ancora a legitimidade política dessa instituição maior, seja ela
democrática ou autoritária. Pois, como se sabe, não há governo, mesmo que
autoritário, que governe apenas através do recurso exclusivo a um dos
principais atributos do Estado, ou seja, ao monopólio do uso legítimo da força.
Por isso, os mecanismos de legitimação, através dos quais um dado governo
exerce o poder e justifica a forma pela qual utiliza as alavancas do Estado,
oferecem uma perspectiva privilegiada para dar conta das relações que
estabelecem com a sociedade. Por isso também a questão dos critérios de
legitimação através dos quais a sociedade aceita e responde ao exercício da
autoridade adquire características distintivas em uma democracia – um regime
que, como o Estado, é um fenômeno histórico e uma construção política. Quer
dizer: ambos são passíveis de transformação – e de contestação –; ambos podem
se transformar em ritmos e direções distintas, sem ruptura. Mas, desde que a intermediação
das instituições, que garantem um mínimo de interação entre uma e outra,
através de canais e mecanismos formais de representação como partidos,
sindicatos, etc., desempenhe suas funções.
Para os fins desse artigo, basta apenas indicar as principais
constrições que, em princípio, limitam o exercício de autoridade em um contexto
democrático. Primeira, as estruturas do Estado das quais um governo pode
legalmente lançar mão para exercer sua autoridade. Segunda, a forma pela qual a
sociedade concebe e organiza sua relação com essa forma de poder no espaço
público, ou seja, através de instituições intermediárias que a representem,
e/ou através de outras formas de coordenação de seus interesses, como os
movimentos ou organizações sociais autônomos. Terceira: a forma pela qual um
governo mobiliza os recursos de poder à sua disposição – materiais, legais,
ideativos, religiosos, bem como as alavancas do próprio Estado – para formular
e implementar suas políticas e, ao mesmo tempo, credenciar-se aos olhos da
sociedade. Em suma, esse é seu modo de fazer política.
O que se segue é uma viagem exploratória em três tempos. Na
primeira estação, discutem-se os lugares da política aqui e agora, ou seja,
tendo em vista nossa circunstância e seu papel na formação de políticas
públicas em tempos de crise. Na segunda estação, procura-se caracterizar a
natureza da conjuntura crítica que vivemos hoje, com foco especial nos aspectos
relevantes para situar a questão que serve de título a esse texto, “qual
Estado, para qual Democracia? Conclui-se, na última, com considerações (apenas
isso) sobre os elementos de que dispomos para construir um Estado democrático,
voltado para o desenvolvimento econômico e institucional.
Onde a Política?
No momento em que esse artigo é escrito, o protagonismo da
política como fator de brinkmanship irracional se revela em várias frentes, mas
adquire peso especial quando confrontado com a situação da economia, no plano
doméstico e internacional. Mais ainda, os avanços que explicam o protagonismo
adquirido pelo Brasil na cena global, nos primeiros anos da década, parecem ter
sido desfeitos no ar, por não sustentáveis: estabilidade econômica, com
inclusão social e um módico crescimento.
Ao mesmo tempo, para exorcizar os
espectros da recessão, da inflação, e o que implicam em termos de ameaça à
coesão social, já fragilizada pelos níveis crescentes de desigualdade que esses
fenômenos engendram, é da política que se espera a solução, ou seja, a montagem
de uma estratégia econômica acordada. Não nos faltam recursos técnicos para
diagnosticar o que está em pauta na economia, nem tampouco analistas com
capacidade propositiva para reverter o quadro crítico atual nessa área
específica.
O desafio é o de sempre quando se trata de formular e implementar
políticas públicas em um contexto democrático instável e movediço: converter
propostas tecnicamente factíveis e/ou socialmente desejáveis em soluções
politicamente viáveis. O desenho do mapa para chegar de um ponto a outro,
requer a cooperação de outros atores políticos, além daqueles que são
portadores da racionalidade técnica. Por outro lado, também se torna evidente
que a construção de consensos em torno de uma estratégia econômica acordada
está condicionada pelo nosso ponto de partida, ou seja, depende das instituições
e dos atores políticos que temos aqui e agora. Até porque, é esse o ponto de
partida incontornável, a partir do qual é possível mudá-los.
Ao ignorar essa condição restritiva e oferecer um
receituário de mudança seja ela política ou econômica, educacional, ambiental,
etc., que não leve em conta o ponto de partida, ou seja, nossa circunstância;
ao ignorar as características distintivas do
nosso sistema político e a natureza complexa das relações entre Estado e
sociedade corremos dois riscos. Um deles é incidir na caricatura preferida dos
estudiosos do Leste Europeu nos anos 1990 para caracterizar a inadequação dos
transplantes institucionais liberalizantes para os países pós-comunistas logo
depois da queda do Muro de Berlim, período áureo do triunfalismo liberal.
Conforme a anedota, quando questionado pelo viajante se sabia o caminho para
Bruxelas, o camponês belga diria: “sei, sim, como chegar a Bruxelas, mas não
comece por aqui”.
O risco maior, no entanto, é jogar a criança com a água do
banho, ignorando as lições que podemos derivar dos experimentos bem-sucedidos
do passado recente – como foi o do Plano Real. Se analisado da ótica do
processo decisório, uma das condições do êxito do Plano Real foi ter passado ao
largo das prioridades recomendadas, separada e dedutivamente por economistas e
politólogos com vistas a destravar a paralisia decisória que impedia a
estabilização de preços.
A prescrição dos economistas pode ser resumida em
termos de “put the prices first” e as reformas econômicas pertinentes. A dos
politólogos remetia às “reformas política e eleitoral” para contornar os pontos
de veto que obstruíam a adoção de soluções “racionais”. O Plano Real, ao
contrário, resultou de uma recombinação dos recursos da economia e da política,
que se revelou a mais adequada ao nosso terroir – e que tornou possível sair do
impasse.
Por um lado, uma inovação tecnológica, como a URV, fundada na
teoria inercial da inflação, complementada pela DRU (Desvinculação de Receitas
da União), através da qual o Executivo Federal obteve mais espaço de manobra
fiscal, reduzido pelas vinculações constitucionais. Por outro, um cálculo
político que tornou possível ao então Ministro da Fazenda empreender uma
atividade sistemática de persuasão no espaço público, (e não apenas entre
quatro paredes) fundada na percepção de que a estabilidade dos preços aos
poucos se convertera em um bem público.
O que importa reter aqui são algumas lições de ordem geral
pertinentes para encaminhar a questão da relação entre Estado e sociedade, que
é uma das âncoras em que se apoia sua autoridade como poder público. Em primeiro lugar, uma das chaves do
experimento bem-sucedido de que tratamos aqui, além das virtudes da inovação
tecnológica introduzida por nossos economistas foi a mudança nos critérios de
legitimação pelos quais a sociedade passara gradualmente a medir a eficácia e a
“bondade” de uma política pública. Em segundo lugar, quando ocorre uma mudança
de rumos significativa nas preferências sociais, um de seus efeitos é alterar o
horizonte do cálculo político a que se obrigam os propositores de políticas
públicas, para além do curto-prazo, ou seja, para além do cálculo político
eleitoral imediatista.
Ela cria condições para as mudanças nas formas de
apresentação e no timing da política que está sendo proposta pelos atores
envolvidos. Em decorrência disso, pode-se concluir que um dos primeiros
requisitos para construir uma estratégia econômica acordada é redefinir a noção
de eficácia de uma política pública, nos termos propostos por Hirschman há 45
anos. Em outros termos: o que define a
eficácia de uma política pública é, além de seu conteúdo, sua forma de
apresentação e seu timing – ambos atributos indispensáveis em regime
democrático. Enquanto a primeira dimensão é técnica, a segunda e a terceira
dependem da relação que seus formuladores estabelecem com a sociedade através
dos canais de representação disponíveis.
Os desafios da conjuntura e as transformações do Estado
Como caracterizar a natureza da conjuntura crítica que o
país atravessa? Em que medida os desafios em pauta remetem a transformações já
em curso na estrutura e no funcionamento do Estado, tendo em vista as três
dimensões que interessam aqui: o padrão de relações que estabelece com a
sociedade; a concepção e as formas de operação da “Lei”; a forma pela qual os
poderes da República se relacionam entre si. O tratamento dessas questões
obriga a uma mudança de foco em relação às versões dominantes sobre a
conjuntura atual.
A proposição que se apresenta aqui é de que a natureza dos
desafios obriga os atores políticos e a sociedade a fazer escolhas que definem
o momento atual como “um momento crítico” – de alcance histórico, porque
definidor dos rumos da nação e de sua forma de integração na cena global. Essa
caracterização se apoia em evidências de que há um descompasso entre: processos
sociais e políticos transformadores que apontam para a modernização e a
democratização do Estado, por um lado; e, por outro, para um modo de fazer
política que reflete uma percepção e um uso inadequados das alavancas de poder
que ele propicia, tendentes à obsolescência.
Tudo se passa como se estivéssemos
diante de um novo hardware, operado com um software que caiu em desuso. Por
hardware entende-se aqui as mudanças nos critérios de legitimação do Estado
pela sociedade, o desenho constitucional que pauta a forma de operação da “Lei”
e os recursos disponíveis para mobilizá-los, incluindo-se aí as capacidades
administrativas das instituições que o integram. O software tem seu desenho
pautado por uma concepção de Estado e de poder que se reflete no uso e na
apropriação dos recursos institucionais, como o sistema de representação, dos
recursos materiais, como as empresas e os bancos estatais, por interesses
seccionais, sejam eles individuais, partidários ou das organizações sindicais,
tradicionalmente incorporados à estrutura do Estado.
Como preliminar, cabe introduzir as interpretações
disponíveis para caracterizar a atual conjuntura, por terem valor explicativo
limitado quando se trata da questão do Estado. Tais interpretações se tornam
inteligíveis à luz das perspectivas sombrias da economia e do desemprego, do
aumento da vulnerabilidade externa do país, da catástrofe ambiental que se
espraia a partir de Mariana, os efeitos do Zika Vírus, do caráter endêmico da
corrupção. Seu denominador comum é que todas elas trazem à baila, de alguma
forma, a atribuição de responsabilidades parciais ou não ao Estado, seja como
poder público seja como ordenamento legal e constitucional. Diante disso, os
diagnósticos do tipo “fim de ciclo”, aplicados à “nova matriz econômica” e ao
“lulopetismo”, são insuficientes.
Da
mesma forma, recorre-se a metáforas e analogias para dar conta da “paralisia
decisória”, com foco no papel dos políticos eleitos para o Executivo e o
Legislativo. Está em moda o uso de noções como “dominância política” e/ou
“dominância judicial” transplantadas diretamente do conceito de “dominância
fiscal”, que em economia é rigoroso, mas que como toda analogia tem apenas
valor retórico. Os cientistas políticos, por sua vez, destacam as noções de
“crise de governabilidade” e/ou “de representação” do presidencialismo de
coalizão – mas relutamos todos em caracterizá-la como “crise institucional”.
Todas essas tentativas têm um componente de verdade, e têm, por isso, valor
descritivo pertinente. Ao mesmo tempo, a diversidade de perspectivas atesta a
perplexidade dos analistas. Em outros termos, evidencia que não há soluções
tecnocráticas à vista – e também atestam um viés analítico que minimiza a
importância de alguns de nossos bons ativos.
Pois, sabemos todos que, embora as
bases econômicas de nosso protagonismo no cenário global sejam frágeis, quando
comparadas às de outros emergentes, destacamo-nos entre as democracias
emergentes de mercado. Surpreendemos os analistas internacionais no que se
refere à extensão das regras do Estado de Direito às nossas elites
transgressoras e aos incentivos que propiciam à institucionalização de novos
critérios de prestação de contas e de responsabilização política e econômica.
Poder-se-ia acrescentar ainda outro ativo de ordem civilizatória: nosso
protagonismo na área ambiental, reconhecido internacionalmente e agora
consolidado na Conferência do Clima em Paris. Diante desse quadro complexo e
contraditório, basta apontar de forma resumida os desafios que o país tem pela
frente – para indicar em que sentido cabe falar em um “momento crítico”, de
alcance histórico.
O primeiro deles remete à tarefa número 1, que é a de
reverter o desempenho da economia, sem aumentar os níveis de desigualdade. O
desafio consiste no fato de que em um quadro de recessão e de desemprego, a
questão redistributiva e os conflitos que engendra assumem nova figuração.
Basta considerar a lista de reformas, proposta por nossos melhores economistas,
para entender que todas elas, a começar por um modesto ajuste fiscal, implicam
redistribuição de penalidades e de privilégios entre diferentes setores da
sociedade. Esse desafio se combina com um segundo, compondo um quadro
potencialmente mais conflituoso. Pois, como ensinou Hirschman, em tempos de
vacas magras, a intolerância pela desigualdade de renda e de riqueza aumenta
significativamente – o que se reflete na demanda por reformas de tipo
redistributivo, pelos setores perdedores. Isso traz para o centro do palco o desafio
de recapacitar o Estado em suas funções administrativas e como árbitro
credenciado dos conflitos pertinentes. E, por extensão, obriga a levar em conta
a autoridade e a legitimidade do governo de turno para empreender essa tarefa.
Recapacitação do Estado
Um terceiro desafio decorre do anterior e é momentoso, se
caracterizado nos termos de Paes de Barros: “a sociedade precisa decidir o quão
solidária ela é”, uma vez que “a crise longa vai jogar pobres outra vez fora do
trem” . Privilegiar os mais pobres é não apenas uma questão normativa para a
“sociedade”, mas se desdobra na delicada tarefa de recapacitar o Estado para
atuar nessa direção – pela via de reformas fiscal e administrativa, de ganhos
de eficiência, de redução das várias modalidades de protecionismo e de
patronagem. E, por último, mas não menos importante, obriga a decidir até que
ponto o “corporatismo” de Estado, que caracteriza a organização sindical desde
os anos 1930, deve continuar prevalecendo como forma de organização e de
representação dos interesses patronais e dos trabalhadores.
A fórmula de Paes
de Barros tem a virtude de chamar às falas a sociedade como um todo e de
desencadear o debate sobre um aspecto importante da recapacitação do Estado: a
decisão sobre seu tamanho em termos da redistribuição da carga fiscal e de
tolerância pela perda de privilégios. O problema, no entanto, é que em uma
sociedade democrática complexa, cuja tônica é a diversidade de interesses, não
há como ignorar uma dimensão central dos processos decisórios: os mecanismos
através dos quais as preferências sociais são organizadas e
institucionalizadas. Em suma, o terceiro desafio consiste em equipar o sistema
de representação – os partidos, o modelo de organização sindical e a forma de
operação que o presidencialismo de coalizão assumiu nos anos de governo PT –
com os filtros necessários para canalizar as demandas de uma sociedade em
transformação.
O quarto desafio corresponde a um momento específico no
interior do momento crítico maior: é o teste das instituições republicanas,
inseparável dos conflitos políticos gerados pelo processo de impeachment da
presidente. Por força da nossa lei maior, o Supremo Tribunal Federal
converteu-se no espaço privilegiado no qual grupos, partidos políticos, setores
do Executivo ou do Legislativo têm a oportunidade de reverter uma derrota nos
demais espaços em que se desenvolve o processo decisório. No momento de redação
deste artigo, o processo de impeachment desencadeia uma nova rodada de
disputas, na qual o STF é convocado a atuar como árbitro pelo Planalto, pelo
Senado, bem como pelo Procurador Geral da República.
A tendência já assinalada
pelo jurista Oscar Vilhena é de que assuma rotineiramente o papel de “poder
moderador” – atribuição do Imperador no século XIX e apropriado pelos militares
em vários episódios no século XX. O STF será convocado necessariamente a
interpretar a Constituição, caso a comissão na Câmara decida se existe justa
causa para impedimento. O risco de interferência na autonomia das duas câmaras
em que se divide o poder Legislativo, não é trivial. Além disso, o teste último
de nossa vocação republicana consiste na forma pela qual as partes perdedoras
se curvarão às decisões do STF, como intérprete da lei.
O quinto desafio é de longo prazo e, por parecer remoto na
conjuntura política atual, não dever ser minimizado, mas, ao contrário,
formulado e integrado a qualquer estratégia econômica acordada. Pode ser
formulado da seguinte forma: embora a autoridade do Estado democrático se
ancore nos princípios de “consentimento” e de accountability, o imperativo de desenvolvimento econômico e
político-institucional requer um grau substancial da autonomia consensual a ser
conferida às elites governamentais que acionam as alavancas do Estado. Isso implica
satisfazer dois requisitos: primeiro, a capacidade de elites governamentais
institucionalmente responsabilizáveis de definir e implementar programas de
aperfeiçoamento socioeconômicos estratégicos; segundo, a autonomia
administrativa das agências encarregadas de levar a cabo tais programas de
acordo com procedimentos institucionalizados e sujeitas à supervisão
política”.
Reinterpretados à luz de
nossas circunstâncias, ou seja, à luz das instituições que temos, isso
significa reinventar o desenho do atual capitalismo de Estado que temos, a
partir de uma visão (ou seria um projeto?) de país. A tarefa do democrata
contemporâneo, de olho no desenvolvimento econômico e institucional, na era da
globalização, seria a de um Maquiavel
contemporâneo. Não aquele vulgarizado pelos portadores de uma falsa cultura,
mas sim aquele cuja aspiração foi dirigida à construção do Estado em bases
republicanas, quer dizer, constantemente atento e empenhado em compatibilizar
dois imperativos: o democrático e o de desenvolvimento das instituições
republicanas, através de inovações institucionais implementadas de forma
consciente e incremental. É isso que significa o conceito de statecraft, por
diferença com outro atributo necessário ao exercício da liderança política, no dia a dia,
statemanship.
A pergunta que se coloca agora é: diante desses desafios e
de olho no futuro, teremos tido um processo de acumulação institucional, de
escolhas estratégicas e de saber técnico suficientes para mobilizar recursos de
poder nessa direção? À guisa de conclusão, vale a pena alinhavar rapidamente as
razões pelas quais há elementos no nosso hardware, indicativos de que pode
haver luz no fim do túnel.
O gênio saiu da garrafa e… bem-vindos ao debate
A menos que se minimizem as consequên-cias cumulativas da
crise econômica e, sobretudo, seu impacto negativo sobre os níveis de coesão
social, não há como negar que está em jogo o padrão de relações entre Estado e
sociedade. Ele adquire contornos tanto mais inquietantes quanto maior a
frustração gerada nos setores emergentes, que hoje integram o conjunto das
classes médias. Além da abrupta reversão de suas expectativas de mobilidade
ascendente, conta o fato de que suas aspirações para o futuro apontam para o
aprofundamento de processos transformadores, já em curso.
Respectivamente: a
formação e provável consolidação de um ethos mais igualitário, sem precedentes
na nossa história; o que, por sua vez, reflete-se em mudança significativa em
suas expectativas quanto ao papel do Estado e da responsabilização das elites
governamentais. Evidências disso são: as demandas por qualidade dos serviços
públicos; a prioridade sem precedentes atribuída nas pesquisas de opinião à
corrupção como o principal problema do país, vis à vis variáveis que afetam
diretamente seu bem-estar e o status desses setores da população, tais como
emprego, saúde e educação.
Tudo isso reflete uma reorganização da hierarquia de
valores – e de interesses – que abre espaço para iniciar um debate público
persuasivo sobre as escolhas impostas pela encruzilhada econômica em que nos
encontramos. Por outro lado, no plano político, isso se reflete na consciência
de que o direito à participação na esfera pública é inseparável do direito à
informação. Dito de outra forma: o que está ocorrendo no país é uma mudança
transformadora nos critérios de legitimação de todo e qualquer poder que se
queira democrático.
Uma segunda transformação diz respeito à forma de operação
da lei, evidenciada pelo protagonismo do Ministério Público e pelos demais
componentes do sistema de justiça, em
que pesem os diagnósticos de “dominância judicial”, “judicialização da
política” e similares. Por duas razões. Em primeiro lugar, pelo que evidencia
em termos de modernização do Estado, como Estado de direito, ou seja, sua recapacitação
em termos de fazer valer a norma de que ninguém está acima da lei.
Em segundo,
porque as operações levadas a cabo no novo contexto detonaram um processo de
mudanças sem precedentes, de longo alcance: a exposição e penalização de vários
grupos-pivot, dos quais o mais
entranhado no sistema de poder desde a ditadura é o das grandes empreiteiras;
bem como as relações simbióticas entre Estado e setores do sistema financeiro,
o que aponta para déficits no sistema de regulação: total no caso das empreiteiras,
parcial no das instituições financeiras.
A hipótese de que tais operações possam ter um desenlace
similar ao da “Mani Pulite”, ou seja, um populismo de direita à la Berlusconi,
tem sido cultivada cuidadosamente pelos
críticos de esquerda bem como por setores oligárquicos beneficiários do antigo
regime. É válido discuti-la, sem dúvida, como também é valido não cultivar
entusiasmo pelo estágio em que nos encontramos no que se refere ao Estado de
Direito, dadas as operações policiais que têm sido objeto do noticiário em
nossas periferias.
Mas, vale discutir, sim, se vale o transplante da “Mani
Pulite” para o nosso contexto. Invoco duas características distintivas, ambas
em nosso benefício. Uma, o nosso sistema de justiça (Ministério Público e Judiciário)
é bem mais institucionalizado do que era o italiano à época. Outra, as operações em curso não atingem
todos os partidos, de A a Z, nem há
perspectiva que se desdobrem tanto a
ponto de intimidar tantas camadas sociais
– por medo de um efeito dominó às avessas, do tipo “hoje é dia deles,
amanhã será o meu”. Em todo caso, bem-vindos ao debate.
por: Lourdes Sola
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCaros Senhores (as)
ResponderExcluirEu sou um monarquista, há 23 anos no referendo de 1993, votei a favor da monarquia, mas infelizmente não foi possível esta forma de governo; na verdade foi uma armadilha para legitimar à república porque a mesma foi de forma ilegal, e o Brasil Imperial com um monarca (Imperador D. Pedro II) mais respeitado no mundo e depois de 15 de novembro de 1889, o Brasil entrou em decadência; um dia fomos a segunda maior potência bélica do mundo somente abaixo da Inglaterra. Que Deus tenha misericórdia e proteja esta terra (Brasil) que “mana leite e mel”; mas infelizmente esta sendo roubada e destruída por aqueles que só têm o compromisso com o próprio bolso.
Com os melhores cumprimentos,
Sr. Marco Almeida Barão de Sealand