O tipo de
modelo estatal (no caso do Brasil, o modelo adotado é Estado Democrático Social
de Direito, sendo que, todavia, apesar da adoção o Pais ainda não o utiliza de forma plena)
caracteriza-se, principalmente, pela intensidade com que o Estado atua no campo
econômico, pois no modelo liberal, por exemplo, o Estado pouco, ou nada,
intervém na Economia; diferentemente do Estado Social, que muito intervém na
Economia. E, é por intermédio da intervenção que se verifica de que forma o
Estado atua na seara econômica, demonstrando, portanto, a imprescindibilidade
da análise do referido instituto.
É sempre importante traçar elementos históricos dos
institutos jurídicos e, não poderia ser diferente com a intervenção estatal.
Desde tempos imemoriais, o Estado (ainda que não da forma conhecida atualmente)
já intervinha de alguma forma, na Economia. E, foi assim, no Egito – onde tanto
a produção agrícola como a industrial – se mantinham sob o controle estatal; na
Grécia antiga e em Roma, que, com seu caráter militar e, portanto, conquistador
intervinha, principalmente, nos Estados dominados, visando à obtenção de
riqueza, para o patrocínio de novas expedições militares.
O modelo de Estado que surgiu com a Revolução Francesa e,
que perdurou e preponderou por todo o século XIX, foi o Estado liberal, o qual
operava de maneira dissociada entre a Economia e a Política, impondo, assim, o
afastamento do Estado do domínio econômico, deixando este praticamente livre
para agir da forma que melhor lhe conviesse, até porque o Estado era apenas uma
“mão invisível” atuando sobre o econômico.
Com a evolução do Estado liberal, para o Estado do
bem-estar-social (também chamado de welfare state), tem-se a necessidade de uma intervenção do
Estado na ordem econômica, já que a Economia deixa de ser livre (com mínima
interferência estatal), para ser regulada pelo Estado, a fim de que as relações
sociais possam se tornar mais equilibradas e, até mesmo, igualitárias,
garantindo-se, assim, a plenitude do social.
A Igreja Católica teve grande influência na modificação do
modelo estatal, ao trazer noções de justiça social e bem comum, entre outras,
noções estas que pretendia que fossem aplicadas nos Estados, de forma plena. A
Encíclica Papal Rerum Novarum (Papa Leão XIII, em 1891) é um exemplo disso, já
que conclama, aos governantes, que protejam a sociedade e, para tanto, necessário
se faz que exista um concurso de ordem geral, consistindo em regulação das
leis, instituições e da própria Economia, estabelecendo não ser justo que o
indivíduo, ou a até mesmo a família, sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo,
pelo contrário, que ambos tenham faculdade de proceder com liberdade, desde que
não atentem contra o bem geral e não prejudiquem ninguém. Propõe uma nova
reconstrução econômico-social, voltada para a justiça.
O Papa Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno (1931), da
mesma forma, condena o vício do Liberalismo, em face de que tal modelo levou à
deformação do próprio Estado. Mais uma vez se verifica a afirmação de
necessidade de implementação do intervencionismo estatal, para que o equilíbrio
e a justiça possam prevalecer, em face do capitalismo demasiado, que acarreta,
somente, injustiças e desigualdades sociais, que resultam em uma indignidade
humana, a qual não pode ser permitida.
O Papa João XXIII, na Encíclica Mater et Magistra (1961),
também prega a necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e
econômicas, para a garantia do bem comum, tendo asseverado que o Estado não
pode manter-se afastado do mundo econômico, já que a razão de ser deste é a
realização do bem comum.
Deve, portanto:
Deve, portanto:
[...] intervir com o fim de promover a produção duma
abundância suficiente de bens materiais, cujo uso é necessário para o exercício
da virtude, e também para proteger os direitos de todos os cidadãos, sobretudo
dos mais fracos, como são os operários, as mulheres e as crianças.
[...] Mas é preciso insistir sempre no princípio de que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo, efetivamente, em favor de todos e cada um, os direitos essenciais da pessoa humana.
[...] Mas é preciso insistir sempre no princípio de que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo, efetivamente, em favor de todos e cada um, os direitos essenciais da pessoa humana.
Na mesma esteira, André Ramos Tavares lembra que as
Constituições ditas sociais trazem a necessidade de um modelo estatal
intervencionista, em oposição ao modelo liberal, em que o Estado pouco ou nada
fazia, com relação à interferência nas relações privadas e, na própria ordem
econômica:
As constituições sociais correspondem a um momento posterior
na evolução do constitucionalismo. Passa-se a consagrar a necessidade de que o
Estado atue positivamente, corrigindo as desigualdades sociais e
proporcionando, assim, efetivamente, a igualdade de todos. É o chamado Estado
do Bem Comum. Parte-se do pressuposto de que a liberdade só pode florescer com
o vigor sublimado quando se dê igualdade real (e não apenas formal) entre os
cidadãos. É bastante comum, nesse tipo de Constituição, traçar expressamente os
grandes objetivos que hão de nortear a atuação governamental, impondo-os (ao
menos a longo prazo). Não por outro motivo tais Constituições são denominadas,
com CANOTILHO, ‘dirigentes’.
Veja-se que o intervencionismo é implantado, de forma
efetiva, no Estado do bem-estar-social, com as Constituições Sociais, com maior
determinação após o advento do movimento constitucionalista, quando já se
encontrava consolidada a idéia de Estado de Direito, estando o Poder Público
limitado por uma ordem jurídica e, pronto para estabelecer limites à atividade
privada.
O intervencionismo, modernamente conhecido, tem como marco
zero, a legislação americana (antitruste, de 1890). Todavia, o divisor de águas
ocorreu em outro momento. Após a Revolução de 1917, na Rússia (com o levante do
proletariado, que não suportou o Liberalismo exacerbado que provocava uma
disparidade excessiva entre as classes detentoras de riqueza e os que pouco ou
nada detinham) e, posteriormente com a crise econômica dos anos 20 e 30, que
culminou com o “crack” da Bolsa de Nova York, ocasionando a quebra de milhares
de bancos, o que resultou em uma elevação, inimaginável (para a época) no
número de desempregados, além da desvalorização da moeda norte americana, o
modelo econômico liberal, da forma que estava posto, não tinha mais como se
sustentar.
Para tentar restabelecer o mercado, bem como, para dar
dignidade à população de seu País (já que em face do ocorrido, muitos ficaram
sem a mínima condição de sobrevivência e, portanto de dignidade), o Presidente
dos Estados Unidos da América do Norte, Franklin Delano Roosevelt, adotou
inúmeras medidas intervencionistas, visando a recuperação econômica e,
conseqüentemente, objetivando o restabelecimento das condições dignas dos
indivíduos norte-americanos. Referidas medidas, intervencionistas, foram
necessárias, em face de que havia a necessidade de se impor, de alguma forma,
contrariamente ao Liberalismo. E, o intervencionismo tem esse caráter, posto
que ao traçar limites, estabelecer regras dentro do sistema econômico, se posiciona
de maneira adversa àquela doutrina.
O intervencionismo moderno teve seu termo, portanto, com
fins de assegurar à todos a existência digna, já que o mercado livre não estava
garantindo a dignidade da pessoa humana, devendo, dessa forma, sofrer limites
estatais, para a total garantia da própria pessoa humana. Assim, o
intervencionismo surge para regular a economia, visando à coibição de abusos
por parte do mercado, para que sejam garantidas as condições de sobrevivência
de toda a população.
A intervenção é, portanto, o modo pelo qual o Estado,
[...] toma a si o encargo de atividades econômicas, passando
a exercer, além das funções de manutenção da ordem jurídica, da soberania e
segurança nacionais, outras que visem ao bem-estar social e ao desenvolvimento
econômico. O intervencionismo visto sob o prisma do Direito Econômico, varia de
intensidade, que pode ir da ação supletiva (intervenção branda) ao monopólio
estatal (intervenção total).
Segundo os doutrinadores, no chamado neo-capitalismo, essa intervenção se faz sentir pela legislação que protege a sociedade dos abusos do poder econômico, através do que denominam Direito Regulamentar Econômico (espécie do Direito Econômico) comparecendo o Estado na atividade econômica para assumir as atividades demasiadamente onerosas ou desinteressantes para a iniciativa privada.
Segundo os doutrinadores, no chamado neo-capitalismo, essa intervenção se faz sentir pela legislação que protege a sociedade dos abusos do poder econômico, através do que denominam Direito Regulamentar Econômico (espécie do Direito Econômico) comparecendo o Estado na atividade econômica para assumir as atividades demasiadamente onerosas ou desinteressantes para a iniciativa privada.
A intervenção é, na realidade, a possibilidade do Estado
intervir na atividade econômica, para garantir o cumprimento e, assim, a
efetividade, das normas constitucionais, para que o mercado possa crescer, nos
limites estabelecidos por lei.
O Estado pode intervir na Economia tanto como agente normativo, ou seja, impondo regras de conduta à vida econômica e, também, como parte do processo econômico. Assim, tem-se o Estado como norma (Direito Regulamentar Econômico) e o Estado como agente (Direito Institucional Econômico).
O Estado pode intervir na Economia tanto como agente normativo, ou seja, impondo regras de conduta à vida econômica e, também, como parte do processo econômico. Assim, tem-se o Estado como norma (Direito Regulamentar Econômico) e o Estado como agente (Direito Institucional Econômico).
E, o
intervencionismo se justifica em face de que o direito à livre iniciativa
apesar de assegurado pelo ordenamento jurídico vigente, inclusive pela própria
Constituição Federal, não é mais ilimitado, recebendo, pois um condicionamento,
em decorrência da própria condição em que vive a sociedade atualmente, visando,
sobretudo, a promoção da pessoa humana e, conseqüentemente, de sua dignidade.
Têm-se,
adotando a classificação de alguns autores (como Celso Ribeiro Bastos, João
Bosco Leopoldino da Fonseca, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Américo Luís Martins
da Silva, entre outros), duas modalidades de intervenção na atividade
econômica; a direta e a indireta.
A primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado agirá de forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária. Nesta hipótese, o ente Público pratica operações mercantis, passando, desse modo “[...] a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista.” Além disso, esta intervenção pode ocorrer, ainda, quando o Estado assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la, desde que interesses sociais exijam referida espécie de intervenção. Paulo Roberto Lyrio Pimenta entende que na modalidade de intervenção direta:
A primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado agirá de forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária. Nesta hipótese, o ente Público pratica operações mercantis, passando, desse modo “[...] a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista.” Além disso, esta intervenção pode ocorrer, ainda, quando o Estado assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la, desde que interesses sociais exijam referida espécie de intervenção. Paulo Roberto Lyrio Pimenta entende que na modalidade de intervenção direta:
[...] o Estado, na qualidade de agente econômico da
atividade produtiva não está submetido ao regime jurídico de direito público,
por ser este incompatível com os fins e meios da ordem econômica. Assim, o
Estado não goza de superioridade em suas relações com os particulares. Aqui, o
ente estatal comercializa, importa, produz, enfim, pratica atos típicos de
direito privado.
Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como
agente normativo e regulador da atividade econômica, como se verifica do
disposto no Art. 174 da Constituição. Aqui, o Estado atua de forma a exigir que
o mercado cumpra com o que está disposto nas normas constitucionais e
infraconstitucionais, acerca da matéria.
Nesta hipótese, o Estado não visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas, objetivando o bem comum; a justiça social e a dignidade da pessoa humana, de forma primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode exercer a função de fiscalizador, agente regulador e, também, fomentador, ao constituir políticas econômicas, visando o combate ao abuso praticado pelo mercado econômico, que atinge frontalmente a dignidade da pessoa humana. Um exemplo de intervenção indireta ocorre quando o Estado atua por intermédio das Agências reguladoras, que visam a proteção dos princípios trazidos pela Constituição Federal, oportunizando-lhes a concretização efetiva.
Nesta hipótese, o Estado não visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas, objetivando o bem comum; a justiça social e a dignidade da pessoa humana, de forma primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode exercer a função de fiscalizador, agente regulador e, também, fomentador, ao constituir políticas econômicas, visando o combate ao abuso praticado pelo mercado econômico, que atinge frontalmente a dignidade da pessoa humana. Um exemplo de intervenção indireta ocorre quando o Estado atua por intermédio das Agências reguladoras, que visam a proteção dos princípios trazidos pela Constituição Federal, oportunizando-lhes a concretização efetiva.
Sobre o tema, Américo Luís Martins da Silva, afirma que:
[...] o Estado pode atuar direta ou indiretamente no domínio
econômico. A atuação direta assume a forma de empresas públicas (empresas
públicas propriamente ditas e sociedades de economia mista). Na atuação
indireta, o Estado o faz através de normas, que têm como finalidade fiscalizar,
incentivar ou planejar. Em outras palavras, o Estado atua diretamente, através
de entes da administração descentralizada ou surge como agente do processo
econômico, sendo que em certas oportunidades, por via indireta, usa seu poder
normativo, disciplinando e controlando os agentes econômicos.
Ressalta-se que, as limitações da intervenção do Estado, no campo
econômico, deverão observar os princípios dispostos no Art. 170 da Constituição
da República, que tem o princípio da dignidade da pessoa humana como vetor da
ordem econômica e fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, já que o
Estado intervirá somente quando necessário, em decorrência de imperativos da
segurança nacional, de relevante interesse coletivo e, quando houver definição
legal. Portanto, a intervenção do Estado na ordem econômica prima pela
manutenção da dignidade humana, servindo de instrumento para a sua
concretização.
INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: A
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada
em outubro de 1988, trouxe, em seu Título VII, “Da Ordem Econômica e
Financeira”, estabelecendo o norte a ser seguido, em relação aos princípios
básicos do direito econômico, pois como bem elucida o doutrinador Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, “a democracia não pode desenvolver-se a menos que a
organização econômica lhe seja propícia” e, a Democracia, encontra-se como
valor absoluto dentro da referida Constituição, valor este que tem que ser
observado de forma plena por todos, Estado e indivíduos.
É importante, para que ocorra a plenitude da Democracia em um Estado, que haja uma organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar efetividade às garantias fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela própria Constituição.
E, com tal visão, o Poder Constituinte de 1988, mais uma vez, incorporou a ordem econômica como preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo próprio.
É importante, para que ocorra a plenitude da Democracia em um Estado, que haja uma organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar efetividade às garantias fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela própria Constituição.
E, com tal visão, o Poder Constituinte de 1988, mais uma vez, incorporou a ordem econômica como preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo próprio.
O pensamento de Champaud, citado por João Bosco Leopoldino
da Fonseca expressa a importância do Direito econômico, corroborando assim com
o merecido destaque dado pela Constituição.
Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e
na vida das grandes unidades de produção e distribuição de massa, o Direito
Econômico é essencialmente composto de regras que regem as relações do Estado e
de suas unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se sua criação e
sua animação é, no essencial, deixada à iniciativa privada, o Direito Econômico
é quase exclusivamente formado de regras que regem relações entre particulares.
Apresenta-se então com um Direito Privado.
[...]
Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é
uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma civilização
ainda em via de formação.
Todavia, a presença do Direito econômico em uma Constituição
brasileira não é privilégio da Constituição de 1988, já que desde a
Constituição da República de 1934, o mesmo se faz presente, de forma
constitucionalizada, sendo que “o que se extrai da leitura despida de senso
crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se
transforma na medida em que assume novo caráter, social.” Além disso, desde a época do Brasil-Colônia
já existia a preocupação de se tratar de algumas questões econômicas, ou até
mesmo de alguma espécie (ainda que de forma tímida) de intervenção estatal, na
área econômica, dentro da Lei Maior, como se verifica no item anterior.
Mas, foi a partir do término da 1ª Grande Guerra, num
fenômeno mundial, que o constitucionalismo assumiu uma feição diferenciada,
perdendo a vinculação com o liberalismo. As Constituições passaram, então, a
marcar o advento do constitucionalismo social, não focalizando apenas o
indivíduo em abstrato, mas também, como parte integrante da sociedade. Houve a
consagração dos direitos sociais, via declarações expressas, nos Textos
Constitucionais, tendo o constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, dos
quais não mais se dissociou.
A Constituição da República de 1988, seguindo a tendência do
mundo, hoje globalizado, trouxe o Direito econômico, em seu bojo, procurando
primar pelo social, estabelecendo regras e limites à ordem econômica, com fins
de resguardar o ser humano, dando-lhe oportunidade de uma vida digna, primando
pelo trabalho, justiça social, defesa do consumidor, do meio ambiente
(protegendo as gerações presentes e futuras), redução das desigualdades
regionais e sociais e, limitando o direito à propriedade, exigindo que a mesma
cumpra sua função social, como preceitua o Art. 170:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I- soberania nacional;
II- propriedade privada;
III- função social da propriedade;
IV- livre concorrência;
V- defesa do consumidor;
VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação;
VII- redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII- busca do pleno emprego;
IX- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País;
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos em lei.[11]
Comentando
o supra transcrito Art. 170, o doutrinador André Ramos Tavares, assim se
posiciona:
Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e
valor social da iniciativa humana – enumerados em seu caput, o art. 170 das
Constituição relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da
ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna,
conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios:
soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre
concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das
desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido
para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no país.
Estes princípios perfazem um conjunto
cogente de comandos normativos, devendo ser respeitados e observados por todos
os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado ao arrepio de
qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis (inválidas) perante a ordem
constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios,
assim como as leis e qualquer outro ato estatal que estabelecer metas e
comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais
princípios.
Em outra oportunidade, o mesmo autor trata das finalidades
da ordem econômica, tendo constatado que a existência digna e a justiça social
são os objetivos primordiais dessa ordem, a serem atingidos por intermédio da
implementação dos ditames constitucionais, justificando, assim, a intervenção
do Estado no domínio econômico.
Esta
intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do aprimoramento do
Estado que, de Liberal (com pouca ou nenhuma intervenção na Economia) evoluiu,
transformando-se em Estado do bem-estar-social (intervindo na Economia para a
garantia de manutenção dos direitos trazidos pela Constituição). E, esse Estado
garante a livre iniciativa e a livre concorrência (permitindo o desenvolvimento
e enriquecimento do setor privado e, fortalecimento do Capitalismo), mas o faz
desde que a iniciativa privada siga os princípios determinados pela
Constituição Federal (o Estado intervindo, portanto, no privado, para garantia
da coletividade, do social). Princípios estes estabelecidos no corpo da
Constituição da República de 1988, merecendo destaque os outrora citados e
encontrados no Art. 170, com o objetivo de que o indivíduo possa ter garantida
a observância dos direitos que lhe foram concedidos pela própria Constituição.
Interessante lição acerca do tema traz Américo Luiz Martins da Silva ao
expor que:
Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso,
conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa,
condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades
econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para uso e gozo
dos bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige,
intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de
império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta
anti-social da iniciativa particular.
Como vimos, modernamente, o ‘Estado de Direito’ aprimorou-se
no ‘Estado do Bem-Estar’, em busca de melhoria das condições sociais da
comunidade. Não é o ‘Estado Liberal’, que se omite ante a conduta individual,
nem o ‘Estado Socialista’, que suprime a iniciativa particular. É o Estado
orientador e planejador da conduta individual no sentido do bem-estar social.
O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo (que pouco,
ou nada, intervém na Economia) e passa a ser regulador (intervindo quando
necessário), resulta em uma Constituição que permite a obtenção de lucro
(modelo de uma sociedade capitalista), desde que não haja violação dos
princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado intervêm,
somente quando for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e
a livre iniciativa, desde que não infrinja os preceitos regidos pela
Constituição.
Para que
se verifique a ocorrência deste fenômeno, a norma constitucional deve ser
interpretada de forma sistemática (como exposto anteriormente), ou seja,
deve-se verificar todo o texto normativo da Constituição, para aplicação
efetiva da norma, sob pena de se cometer abusos contra a Constituição Federal,
motivo pelo qual não se pode afirmar que a garantia da livre iniciativa é
plena, posto que a mesma deve obedecer todos os preceitos determinados pela Lei
Maior, no sentido de que há sim garantia da ordem econômica; há sim, garantia
da livre iniciativa, desde de que estas não interfiram nas demais garantias
expressas, desde que não infrinjam a dignidade da pessoa humana e tudo aquilo
que dela decorre, como o direito à vida, o primado do trabalho, o ambiente, o
direito do consumidor etc.
Contribuição importante traz Eros Roberto Grau ao afirmar
que:
Em síntese: a interpretação do direito tem caráter
constitutivo – não pois meramente declaratório – e consiste na produção, pelo
intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um
determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse
caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar
concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação
opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter
geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos,
ainda: opera a sua inserção na vida.
Diante
disso, tem-se que, apesar da ordem econômica ter sido privilegiada dentro da
Constituição da República, não significa que a mesma reina absoluta, já que a
interpretação e aplicação efetiva da norma, emanada do ordenamento jurídico
brasileiro, dentro da realidade, devem obedecer a certos requisitos, como
outrora mencionado.
O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os
princípios gerais da ordem econômica, trazendo garantias para a mesma, como a
liberdade de iniciativa do setor privado, mas disciplinando, também, limites a
serem seguidos, tendo em vista alguns valores, tidos como absolutos, na própria
Constituição, como o é a dignidade da pessoa humana. Deve, também, a ordem
econômica se balizar por outros princípios constitucionais, como, o primado do
trabalho, na garantia de uma subsistência do cidadão (garantindo-lhe emprego),
de forma digna (garantia de um mínimo para a sua sobrevivência digna – como se
encontra em vários artigos da Constituição Federal – como a garantia de saúde,
habitação, lazer, educação etc.).
Rizzato Nunes, em sua obra “Curso de direito do consumidor”,
bem esclarece estas limitações, ao escrever que:
Ora, a Constituição Federal garante a livre iniciativa? Sim.
Estabelece garantia à propriedade privada? Sim. Significa isso que, sendo
proprietário, qualquer um pode ir ao mercado de consumo praticar a ‘iniciativa
privada’ sem nenhuma preocupação de ordem ética no sentido de responsabilidade
social? Pode qualquer um dispor de seus bens de forma destrutiva para si e para
os demais partícipes do mercado? A resposta a essas duas questões é não.
Os demais princípios e normas colocam limites – aliás,
bastante claros – à exploração do mercado.
Desta maneira, percebe-se que a Constituição limita,
objetivando o bem comum, a iniciativa privada, restringindo dessa forma o
próprio regime capitalista, na tentativa de dar melhores condições de vida a
todos os indivíduos, garantindo-lhes uma existência digna.
O
interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse
privado, passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como
disciplinado pela Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam
a pessoa humana (e sua dignidade), sendo estes, o primado do trabalho, na
dignidade, a preservação e conservação do ambiente, o direito do consumidor,
dentre outros. Assim, a Constituição, apesar de resguardar, também os
interesses privados, como, por exemplo, o interesse das empresas de iniciativa
privada, não permite que estes prejudiquem os demais princípios
constitucionais, servindo os mesmos de barreira aos primeiros, na medida em que
a iniciativa privada tem o direito à livre iniciativa e à livre concorrência,
não podendo, todavia, colidir, por exemplo, e, especialmente, com a dignidade
da pessoa humana e, da mesma forma, não podendo infringir o direito ambiental,
direito do consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de
forma a cumprir o seu papel social.
A
Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa, portanto
(assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as
empresas possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na
própria Constituição, os quais asseguram que a empresa pode trabalhar
livremente, desde que não prejudique a dignidade da pessoa humana, o primado do
trabalho, o ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais
limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que
esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica
brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.
1) Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica
na Constituição da República de 1988
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, nos Arts. 3º e 4º os objetivos fundamentais da ordem constitucional, sendo eles:
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 4º. A República Federativa do Brasil buscará a
integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina,
visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Veja-se
que a República brasileira objetiva a construção de uma sociedade livre, justa,
solidária e igualitária, pois com a igualdade conseguirá obter a erradicação da
pobreza e a redução das desigualdades sociais, além de conseguir a promoção do
bem para todos. E, ao alcançar esses pontos conseguirá obter uma dignidade
plena para todos os indivíduos.
Pela leitura do Art. 170, verifica-se, também, como
fundamento e objetivo da República, a própria ordem econômica, em especial, os
princípios limitadores da ordem econômica, dispostos no referido artigo.
Para Celso Ribeiro Bastos:
Uma observação genérica sobre a disciplinação jurídica da
ordem econômica no Texto Constitucional aponta para os seguintes fatos. Em
primeiro lugar, há uma definição muito clara dos princípios fundamentais que a
regem, quais sejam liberdade de iniciativa, propriedade privada, regime de
mercado etc. Existe, portanto, uma intenção bastante nítida, de limitar a
presença econômica do Estado. Há uma clara definição pelo sistema capitalista,
do ponto de vista principiológico. [...] Afigura-se, portanto, alentador o
quadro oferecido pela Constituição de 1988, no que diz respeito aos princípios
adotados na seara econômica.
Destarte,
imperativo analisar o Art. 170 da Constituição Federal de 1988, que traz, no
seu interior, os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica.
2) A intervenção na ordem econômica: análise do Art. 170 da
Constituição da República
A Constituição brasileira, em seu Art. 170, estabelece os
fundamentos da ordem econômica, assim como os princípios gerais da atividade
econômica, princípios estes que servem de limites fixados, pelo legislador
constitucional à livre iniciativa e, portanto, ao próprio mercado, com fins de
que o mercado se desenvolva, levando em conta os ditames estabelecidos pela Lei
Máxima, em especial, os da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
Passa-se a analisar todo o Art. 170 da Constituição, verificando-se os fundamentos e princípios que norteiam referido artigo, servindo de parâmetro limitador para toda a ordem econômica e financeira.
A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador
da ordem econômica constitucional
A Constituição da República do Brasil trouxe, como valor
fundante, o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, princípio
regulador da própria ordem econômica (aliás, de toda a ordem jurídica). Assim,
a ordem econômica apresenta-se como livre – em decorrência da livre iniciativa,
assegurada, também, pelo Art. 170 -, devendo, todavia, ter como paradigma, como
norte a ser seguido, a dignidade da pessoa humana, o que levará à obediência e,
portanto, à observância, dos demais princípios ali estabelecidos.
João Bosco Leopoldino da Fonseca enfoca a norma
jurídico-econômica e o princípio da dignidade da pessoa humana, apontando que a
direção dada por uma política econômica não deve perder o foco de que o Direito
é uma criação do homem, não sendo, todavia, uma criação livre, arbitrária;
havendo, sempre (ou devendo existir) a necessidade de uma mútua influência
entre o dado econômico e o ideal vislumbrado pelo Direito. Além disso, o Texto
Constitucional, ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento,
consoante consta no Art. 1º, III, da Constituição, não significa que fez
constar algo eminentemente abstrato, mas, sim, a algo concreto, até porque,
“não existe política econômica alheia às exigências de respeito e de
concretização da dignidade humana. Os direitos sociais devem figurar de forma
primacial neste quadro de exigências.”
Além disso, “o fim último da atividade econômica é a
satisfação das necessidades da coletividade” e, ao elevar a dignidade da
pessoa humana à título de fundamento do próprio Estado Democrático de Direito,
a Constituição a está colocando como uma das mais importantes (se não a mais)
necessidades a serem supridas, não só pela ordem econômica, mas por todo o
sistema jurídico brasileiro.
A finalidade precípua da ordem econômica constitucional é
assegurar à todos uma existência digna e, para isso, necessário se faz que a
vida econômica seja organizada em consonância com os princípios da justiça.
Portanto, a dignidade da pessoa humana pode e, deve, ser considerada como
fundamento inspirador de toda a ordem econômica.
A dignidade da pessoa humana será analisada, de forma mais
detida, no capítulo subseqüente.
A valorização do trabalho humano
Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o trabalho na
Antigüidade não era considerado digno, sendo desempenhado pelos menos
favorecidos, já que os nobres não deveriam se envolver em atividades
consideradas tão baixas. Somente no período Medieval esse conceito sofreu
modificações, em face do Cristianismo, passando a ser vislumbrado como “um
vetor contributivo da dignidade.”
Desde a Constituição de 1934 se verifica, de forma mais
efetiva, o interesse pelo social, trazendo referida Constituição, princípios
fundamentais relativos ao Direito do trabalho.
A Carta Constitucional de 1967, alterada pela Emenda nº 1,
de 1969, em seu Art. 160, II, já previa a valorização do trabalho humano como
condição da dignidade humana, já incorporando, neste momento, um valor social
ao trabalho humano.
Celso Ribeiro Bastos entende que “o Texto Constitucional
refere-se à valorização do trabalho humano no sentido também material que a
expressão possui. É dizer, o trabalho deve fazer jus a uma contrapartida
monetária que o torne materialmente digno.” [21] Além disso, referido autor
aponta que o trabalho deve receber a dignificação da sociedade, por servir de
instrumento de concretização da própria dignidade, pois não há como obter
dignidade plena se não há condições mínimas de subsistência. E, a valorização
do trabalho passa justamente por isso, pois ao dar melhores condições e
oportunidades de trabalho ao indivíduo, fornece subsídios para que o mesmo
atinja a dignidade, que lhe é assegurada, em toda a sua plenitude, pela
Constituição Federal.
A livre iniciativa
A livre iniciativa,
símbolo máximo do liberalismo (liberdade acima de tudo) deixa de ser ampla e
irrestrita, como outrora, para ser elemento balizado por outros princípios
constitucionais, já que é permitida a livre iniciativa, desde que observados os
demais fundamentos e princípios dispostos na Constituição Federal, em especial,
os do Art. 170 da Lei Máxima.
Desde a Carta Imperial de 1824, que o constitucionalismo
brasileiro adota o princípio da livre iniciativa, o fazendo, é claro, de forma
diferenciada em cada um dos Textos, até porque houve uma mudança, no decorrer
da História, do modelo econômico, refletindo-se, assim, no próprio modelo
estatal.
A liberdade de iniciativa, na concepção liberal:
[...] é uma expressão ou manifestação no campo econômico da
doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais,
ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da
sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades
individuais frente ao Estado. A liberdade de iniciativa consagra-se tão-somente
a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou
restrições do Estado, que, por sua vez, constitui uma das expressões
fundamentais da liberdade humana.
No modelo estatal dos dias de hoje não se admite a liberdade
de iniciativa de forma plena, em face dos preceitos constitucionais. Até mesmo
o Direito contratual, exemplo maior da liberdade de iniciativa (refletida na
liberdade de contratar), sofre alterações, para se ajustar ao momento atual,
onde a liberdade de iniciativa só pode persistir se estiver delimitada pelos
demais preceitos constitucionais.
O contrato, sob aquele enfoque, âmbito maior do ranço
clássico do patrimonialismo, e seu princípio nuclear (liberdade contratual) não
saem ilesos, pois o princípio da liberdade e da livre iniciativa jamais podem
ser colocados à margem da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social,
visto que a liberdade é encarada enquanto princípio fundamental da ordem
econômica, perseguidora do desenvolvimento da personalidade humana.
A Constituição de 1988 só possibilita a livre iniciativa
enquanto funcionalizada pela justiça social e, também, e especialmente, pela
dignidade da pessoa humana, sendo que, portanto, a livre iniciativa somente
será permitida se observados os limites impostos pelo Texto Constitucional.
A realidade atual não mais se coaduna com a possibilidade de
existência de uma livre iniciativa sem freios, sem limites que a segurem.
Assim, a regra é que está assegurada a livre iniciativa, mas desde que esta não
infrinja os limites estabelecidos pela Constituição Federal, neste caso, os
princípios ali assegurados.
Celso Ribeiro Bastos lembra que “A nossa Constituição trata
da livre iniciativa logo no seu art. 1º., inc. IV [...]. Ela é, portanto, um
dos fins da nossa estrutura política, em outra palavras, um dos fundamentos do
próprio Estado Democrático de Direito.”, mas, nem por isso deixa de estar
vinculada à obediência aos demais preceitos constitucionais (em especial, ao
princípio da dignidade da pessoa humana, do qual termina por decorrer os demais
princípios).
Os contornos impostos à livre iniciativa se justificam em
face da necessidade imperiosa de se garantir a realização da justiça social e
do bem-estar coletivo, visando atingir a plenitude da dignidade da pessoa
humana.
A Justiça social
De grande importância o tema da justiça social, todavia, não
é algo novo, já que, conforme demonstra a História, essa preocupação sempre foi
uma constante, como bem salienta Erivaldo Moreira Barbosa:
A justiça social também vem nesse direcionamento secular,
tendo em vista que, na Idade Média, já começara sua germinação. Entretanto, a
justiça social só veio a ser veículo de crítica quando apontou a exploração
sofrida pelo trabalhador, por meio do capitalismo liberal. Neste caminhar, as
críticas pronunciadas pelo socialismo e pela Igreja Católica começaram a ganhar
força no cenário internacional.
A justiça social acaba por reforçar a idéia da própria
dignidade da pessoa humana, já que se obterá a plenitude da dignidade, quando
houver a efetividade da justiça social, já que esta consiste “na possibilidade
de todos contarem com o mínimo para satisfazerem às suas necessidades
fundamentais, tanto físicas quanto espirituais, morais e artísticas.”
João Bospo Leopodino da Fonseca, na obra “Direito econômico”
traz o pensamento do Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum acerca da
justiça social e da própria Economia:
O Papa Leão XXIII publicou sua famosa Encíclica Rerum
Novarum sobre a ‘questão operária’ e sobre a ‘economia social’. Leão XXIII
situa a solução dos graves problemas sociais dentro dos parâmetros de uma
justiça social. Lembra que o Estado pode melhorar a sorte das classes
operárias, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os
conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre a salubridade,
sobre salário justo.
A Igreja teve grande influência na constitucionalização da
justiça social, já que desde a Idade Média tem como discurso, a necessidade de
diminuição das desigualdades sociais, para que se obtenha uma melhoria nas
condições de trabalho, levando-se à justiça social, para que se possa garantir
que o indivíduo usufrua, plenamente, de sua dignidade. É claro que os termos
utilizados pela Igreja foram se modificando no decorrer dos séculos, mas, a
essência sempre foi a mesma, como se verifica desde a Encíclica Rerum Novarum
(que discute a questão operária e a Economia social, apontando para a
necessidade de um melhor controle do Estado na regulação da Economia, para que
se obtenha uma condição mais digna para os trabalhadores), até os dias atuais
Paulo Nalin, ao tratar do Contrato no Projeto do Código
Civil, quando ainda da vigência do Código de 1916, aponta para a observância da
justiça social, inclusive nas relações interprivadas, já que: “[...] desde a
Carta de 1988, há o imperativo conformante da livre iniciativa, a qual de
melhor forma não se revela, a não ser pela figura do contrato interprivado,
podendo ser empregada nos ditames da justiça social.”
Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o caput do Art. 170 se
vislumbra que a ordem econômica constitucional, “traz como pilar de sustentação
o trabalho e a livre iniciativa; contudo, para que todos convivam com
dignidade, necessitam imprescindivelmente de justiça social.” Assevera, ainda,
que apesar de aparentemente inconciliável a livre iniciativa com os ditames da
justiça social, demonstra-se totalmente possível a harmonização entre os
institutos, desde que a Constituição seja respeitada em sua integralidade,
especialmente na observância de seus princípios.
A justiça social deve ser buscada pelo Estado, para que se
garanta a concretização de todos os valores resguardados pela Lei Máxima, posto
que a justiça não é apenas uma imposição ética, mas uma comprometimento
estatal, por representar uma de suas finalidades básicas. E, o Estado tem
obrigação de cumprir e exigir o cumprimento, para que se possa concretizar
referido princípio, o que levará, portanto, ao alcance da dignidade da pessoa
humana, de forma cabal, já que a justiça social reforça a idéia da dignidade.
A soberania nacional
A soberania nacional, como dito anteriormente, é um dos
elementos do Estado e, a Constituição Federal, já, em seu Art. 1º traz a
soberania, não só como elemento, mas, como fundamento do próprio Estado
Democrático de Direito, ao estabelecer que:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
A soberania;
Denota-se relevante asseverar que a soberania tratada no Art. 170 é uma complementação do Art. 1º, já que necessário se faz complementar a soberania política (estabelecida no Art. 1º) com a soberania econômica. A soberania econômica do Estado significa que o mesmo deve ser independente perante os demais Estados. Além disso, é importante observar que, na realidade, “a soberania nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana.”
Portanto, a soberania econômica deve ser almejada, visando-se a concretização e concessão de um “padrão de vida digno” a todos. Tal fato se dá em virtude de que a soberania, neste particular, aspira ao desenvolvimento econômico e social, como forma de propiciar um avanço na qualidade de vida dos indivíduos, valorizando-se, via de conseqüência, o trabalho humano, resultando-se, portanto, na obtenção da dignidade. Esse resultado é possível, em face de que ao se oportunizar a todos um trabalho condigno, tem-se a garantia de satisfação de todas as necessidades do indivíduo e de sua família, convergindo na efetividade do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a soberania:
É o poder político supremo (não há limitação a ele na ordem interna) e independente (não obedece a ordens de governo ou organismo estrangeiro) do Estado. Por meio de cláusula de supranacionalidade, os Estados podem ter sua soberania mitigada, na medida em que tratados internacionais dos quais o Estado seja signatário ingressa na ordem interna do País como norma superior à Constituição (e.g. CF 5º. § 4º.: submissão do Brasil às decisões do Tribunal Penal Internacional) ou de igual hierarquia (e.g. CF 5º. § 3º.: tratado internacional sobre direitos humanos como norma constitucional).
Assim, a soberania é um atributo do próprio Estado, sendo que, todavia, este atributo não é mais absoluto, em face das relações globalizadas vividas pelo mundo atual. Em maior ou menor grau, o Estado sofre influências internacionais, em decorrência de tratados assinados, que garantem a convivência entre os Estados, convivência esta inclusive e, principalmente, no âmbito econômico, que é regulado pelas relações dos mercados internacionais.
A afirmação do Texto Constitucional, da soberania nacional
como princípio informativo da ordem econômica, não pode significar a procura de
um nacionalismo xenófobo ou mesmo de qualquer sorte de autarquia econômica. O
que o Texto Constitucional procura pôr em destaque é que a colaboração
internacional, com as concessões que ela implica, e que não pode chegar ao ponto
de subtrair ao País as possibilidades de sua autodeterminação. Ademais, seria
uma incongruência interpretar-se o princípio da soberania nacional na ordem
econômica de forma absoluta, uma vez que o mundo todo passa por um processo de
globalização. Processo este que se dá, sobretudo, no campo da economia, através
da formação de blocos econômicos.
Verifica-se, portanto, que, atualmente, não há mais, na prática, uma soberania estatal absoluta, por força da globalização das relações entre os Estados. Contudo, essa globalização não pode ultrapassar a autodeterminação do Estado brasileiro, devendo referido Estado dar preferência por um desenvolvimento nacional, voltado para a concretização da dignidade da pessoa humana, o que, aliás, se coaduna com os demais incisos do Art. 170.
A propriedade privada
A propriedade privada encontra-se constitucionalizada desde a Carta de 1824, mantendo-se no Texto Constitucional até hoje. É claro que há diferenças consideráveis entre a Carta Imperial e a Constituição atual, no tocante ao instituto em questão, em decorrência do acentuado caráter liberal daquele primeiro Texto, como se verifica também na Constituição de 1891. Nos primeiros Textos, portanto, a propriedade privada era garantida de forma absoluta, sendo que foi perdendo esse caráter incondicional com a evolução, restando, com a Constituição Federal de 1988 limitada pelos princípios ali estabelecidos.
Referido instituto está assegurado no Art. 5º da
Constituição Federal (além de ter sido disciplinada em vários outros artigos
dentro do Texto Constitucional), no capítulo dos direitos individuais.
Encontrando, também, previsão no rol dos princípios da atividade econômica; no
Art. 170.
Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos:
O atual Texto Constitucional em seu art. 5º, inc. XVII, que
dispõe sobre o rol dos direitos e garantias fundamentais, observa como
princípio a garantia do direito de propriedade. Portanto, a propriedade privada
é um direito fundamental.
[...]
A propriedade tornou-se, portanto, o anteparo constitucional
entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção
constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite
a apropriação particular dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha
a sacrificá-la mediante um processo de confisco.
Apesar de sua previsão constitucional a propriedade privada
não deve mais ser considerada um valor absoluto, posto que subordinado a outros
valores, como a necessidade de cumprimento de sua função social, para que se
cumpra a finalidade de assegurar a todos existência digna, em conformidade com
os ditames da justiça social. Como bem acentua André Ramos Tavares, é
imprescindível que haja um ajuste entre os preceitos constitucionais, sendo
que, portanto, a propriedade privada não pode mais ser ponderada em seu caráter
puramente individualista (como era no modelo liberal), já que a propriedade
está inserida na ordem econômica que tem como fim primordial garantir a todos
uma vida digna.
A função social da propriedade
Apesar do direito de propriedade estar assegurado pela
Constituição Federal de 1988, o mesmo não é mais absoluto, tendo em vista que
deve cumprir sua função social, sob pena de desapropriação. Como dito
anteriormente, a propriedade privada se encontra limitada pelos princípios que
regem a ordem econômica, em especial pelos princípios da função e da justiça
social, objetivando-se alcançar, com isso, uma vida digna para todos os
indivíduos. A Constituição garante a propriedade, contudo a erige nos moldes da
função social.
O Texto Constitucional estabelece nos artigos 182, § 2º e
186 os requisitos a serem preenchidos para que se atinja a finalidade da função
social, porque não é tarefa fácil definir quando se tem o cumprimento da função
social, pela propriedade. Assim, a propriedade urbana cumpre sua função social
quando atende às exigências do Plano Diretor, que tem por meta garantir o
bem-estar de seus habitantes.
Já a propriedade rural possui uma gama muito maior de
elementos a serem observados, ressaltando-se que os requisitos devem ser
cumpridos de forma simultânea. São, portanto, requisitos para o cumprimento da
função social: a) faz um aproveitamento racional e adequado da propriedade; b)
assegura a preservação do meio ambiente, utilizando-se coerentemente os recursos
naturais disponíveis; c) observa as disposições que regulam as relações de
trabalho; d) favorece o bem-estar dos proprietários e de seus trabalhadores
(cujo resultado é uma vida digna para todos). Ou seja, quando se observa todo o
ordenamento jurídico brasileiro, em especial, os ditames previstos na
Constituição Federal, tendo como balizador os princípios que regem todo o Texto
Constitucional.
Para José Afonso da Silva, a Constituição está adotando um
princípio de transformação da própria propriedade, condicionando e limitando a
mesma de forma integral, pois:
[...] a Constituição não estava simplesmente preordenando
fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade
privada, mas adotando um princípio de transformação da propriedade capitalista,
sem socializá-la, um princípio que condiciona a propriedade como um todo, não
apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de
aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e
disposição.
Então, apesar do Direito à propriedade estar assegurado na
Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XXII, este não é absoluto, pois
deve seguir outros princípios dentro da própria Constituição, devendo, ainda,
exercer sua função social. Como dito anteriormente, quando há conflito entre
dispositivos constitucionais, deve-se, utilizando o princípio da
proporcionalidade, buscar o princípio maior dentro da Constituição da
República, o qual neste caso é aquele que representa o interesse coletivo, já
que apesar do modelo brasileiro estar filiado ao primado da propriedade, sua
aplicação necessita ser ajustado com fins sociais mais amplos. E, tanto o Art.
5, XXIII, quanto o próprio Art. 170, III (que trata da ordem econômica),
apontam que a propriedade privada deve, obrigatoriamente, atender seus fins
sociais.
A livre concorrência
A Constituição Federal resguarda a livre concorrência, que é, primeiramente, um preceito; um fundamento do Liberalismo, em face da liberdade do próprio mercado, que pode em tese, concorrer livremente, utilizando-se de recursos para a obtenção de maiores resultados econômicos. É claro que a livre concorrência deve estar alicerçada nos preceitos trazidos pelo Texto Constitucional.
Sobre a livre concorrência, André Ramos Tavares assim se
posiciona:
[...] a livre concorrência é considerada como a ‘existência
de diversos produtores ou prestadores de serviço’. A livre concorrência,
portanto, ‘consiste na situação em que se encontram os diversos agentes
produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais.’
Livre concorrência é a abertura jurídica concedida aos
particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito
econômico pelas leis de mercado.
Portanto, é obrigação constitucional que as empresas zelem
pela livre concorrência, para que não haja formação de cartéis, por exemplo,
visando lesar o consumidor (outro princípio resguardado pelo Art. 170), que
acaba por não ter opções e se vê obrigado a consumir determinado bem ou serviço
de determinada empresa, que acaba, ou figurando sozinho no mercado, ou o
dominando. Isso resulta em uma condição indigna, pois não permite ao indivíduo
obter total acesso a todos os bens de consumo (por força de elevados preços
praticados ou, ainda, em face da má qualidade dos produtos).
Para Sérgio Varella Bruna, livre iniciativa e livre concorrência são dois princípios indissociáveis, já que:
[...] são, pois, princípios intimamente ligados. Ambos
representam liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas,
condicionadas, entre outros, pelos imperativos de justiça social, de existência
digna e de valorização do trabalho humano. Assim, o que a Constituição
privilegia é o valor social da livre iniciativa, ou seja, o quanto ela pode
expressar de socialmente valioso. Da mesma forma, a livre concorrência é
erigida à condição de princípio da ordem econômica não como uma liberdade
anárquica, mas sim em razão de seu valor social. A extensão de tais liberdades
dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios, não só
da ordem econômica mas da Constituição como um todo.
Desta forma, a consagração da livre iniciativa e da livre
concorrência não exclui a atuação do Estado no domínio econômico, seja
exercendo sua função de agente normativo e regulador da atividade econômica
(CF, art. 174), seja atuando com vistas à preservação da própria livre
concorrência, como agente repressor dos abusos do poder econômico.
A Constituição Federal prevê punições àqueles que violarem
os preceitos contidos no Art. 170, em especial, para o inciso, ora em estudo,
aqueles que macularem os princípios da livre iniciativa e da livre
concorrência, sendo que a lei irá reprimir toda e qualquer espécie de abuso ao
poder econômico, como, por exemplo, aquele que pretender dominar o mercado,
eliminando a livre concorrência e, assim, se portando de forma contrária aos
ditames estabelecidos no decorrer de todo o Texto Constitucional. O Art. 173,
da Lei Máxima, estabelece, de forma contundente que a lei reprimirá todo e
qualquer abuso do poder econômico que pretenda a dominação dos mercados, a
eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.
A defesa do consumidor
Com o advento da Constituição de 1988 a defesa do consumidor passou a merecer papel de destaque, dando início a uma mudança paradigmática, dentro do cenário nacional, inclusive tocante aos contratos, sendo que Paulo Nalin, em obra anterior ao Código Civil de 2002, chega a afirmar que o então projeto do novo Código Civil teve seu brilho apagado, em face do Código de Defesa do Consumidor (de 1990), o qual, seguindo os ditames constitucionais, trouxe a proteção ao contratante hipossuficiente, entre outros valores, buscando-se o equilíbrio contratual. Para referido autor, o Código de Defesa do Consumidor foi inovador “[...] ao relançar não só a boa-fé, mas ainda os princípios da confiança, transparência e, especialmente, da equidade.”
Além do Art. 170, a Constituição disciplina em outros
artigos a proteção do consumidor, destacando-se os artigos 5º, XXXII; 24, VIII;
150, § 5º e Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
demonstrando a preocupação da Constituição Federal com a defesa do consumidor.
Os princípios constitucionais de proteção e defesa dos
consumidores impedem, por parte do Estado e das pessoas jurídicas de direito
privado, a execução de atos que não garantam os interesses daqueles (função
negativa). Assim sendo, a legislação infraconstitucional deve guardar plena
harmonia com os princípios supramencionados, valendo-se o Estado dos meios de
que dispõe para buscar a sua realização (função positiva).
O Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, inserido no
Capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivas, preceitua que: “O
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A Constituição
de 1988 trouxe muitas mudanças neste sentido, privilegiando a garantia de
defesa do consumidor, abrindo espaço para o surgimento da Lei n. 8.078, de 11
de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.
O direito do consumidor, como o direito econômico, possui
raiz no direito constitucional, posto que presentes na Lei Maior, a qual dá
certo destaque a estes ramos do direito. Todavia, o direito do consumidor
serve, também, como freio ao direito econômico, na medida em que reprime certos
atos do direito econômico se estes estiverem prejudicando o consumidor,
amparado pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. Rizzato Nunes
assim destaca:
Ao estipular como princípios a livre concorrência e a defesa
do consumidor, o legislador constituinte está dizendo que nenhuma exploração
poderá atingir os consumidores nos direitos a eles outorgados (que estão
regrados na Constituição e também nas normas infraconstitucionais). Está também
designando que o empreendedor tem para oferecer o melhor de sua exploração,
independentemente de atingir ou não os direitos do consumidor. Ou, em outras
palavras, mesmo respeitando os direitos do consumidor, o explorador tem de
oferecer mais. A garantia dos direitos do consumidor é o mínimo. A regra
constitucional exige mais. Essa ilação decorre do sentido da livre
concorrência.
No mesmo sentido, André Ramos Tavares, esclarece que:
Torna-se nítido, pois, que o denominado princípio da
liberdade congrega, nas relações de consumo, duas forças que atuam em sentido
opostos. Para um lado, atua a força empresarial, calcada em respectiva
liberdade de iniciativa, produção e concorrência. Para outro lado, contudo,
atua a liberdade do consumidor, em informar-se, realizar opções e,
eventualmente, adquirir ou não certos produtos e novidades colocados no mercado
de consumo e ´impostos´ pela comunicação em massa.
[...] ambas devendo conviver harmonicamente, sem que uma possa sobrepor-se à outra.
[...] Numa primeira concepção, a livre concorrência tem como centro de suas atenções o consumidor, considerado como parte vulnerável da relação de consumo a merecer a proteção jurídica, promovida, em parte, pela tutela da livre concorrência.
[...] ambas devendo conviver harmonicamente, sem que uma possa sobrepor-se à outra.
[...] Numa primeira concepção, a livre concorrência tem como centro de suas atenções o consumidor, considerado como parte vulnerável da relação de consumo a merecer a proteção jurídica, promovida, em parte, pela tutela da livre concorrência.
A necessidade de regulamentação das relações, de consumo,
decorre do desenvolvimento da própria sociedade, já que após a revolução
industrial, o mercado consumidor passou, a cada vez mais, exigir do fornecedor,
de bens e consumos, mais e melhor, movimentando, assim, a atividade
empresarial, que necessita do consumidor para vender o que produz, obtendo
êxito em sua meta principal, que é conseguir lucro.
Esse consumidor, agindo com total liberdade, como lhe permite o ordenamento jurídico, adquire o produto que lhe é oferecido, pagando o preço devido (na geração do lucro), mas exigindo as vantagens que lhe são ofertadas e, que devem ser cumpridas, de forma integral pelo fornecedor, podendo valer-se do Poder Judiciário, quando tais obrigações deixarem de ser cumpridas, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em especial em seu Art. 6º.
Esse consumidor, agindo com total liberdade, como lhe permite o ordenamento jurídico, adquire o produto que lhe é oferecido, pagando o preço devido (na geração do lucro), mas exigindo as vantagens que lhe são ofertadas e, que devem ser cumpridas, de forma integral pelo fornecedor, podendo valer-se do Poder Judiciário, quando tais obrigações deixarem de ser cumpridas, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em especial em seu Art. 6º.
O Estado, não pode permitir, em face dos inúmeros princípios tratados em sua Lei Máxima, que a iniciativa privada, na sua ânsia de obter lucros, os obtenha de forma desenfreada, prejudicando sobremaneira os indivíduos, por isso intervêm, para coibir abusos, pois a Constituição se preocupa em tutelar os direitos dos indivíduos, dentre os quais estão os consumidores.
A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa (assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição, os quais asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a dignidade da pessoa humana e, via de conseqüência, não atinja, frontalmente, o primado do trabalho, o meio ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.
Como observado, a proteção ao consumidor (assim como outros institutos) opera, como “freio” à livre iniciativa, impedindo que esta cometa abusos no seu objetivo primordial de obtenção de lucro. Dessa forma, o Direito Econômico se relaciona e, muito com o Direito do Consumidor, no sentido em que ambos atuam com relações de consumo, o primeiro dependendo do segundo para obtenção de lucro (o fornecedor de serviços e produtos, por exemplo, necessita do consumidor para adquirir os produtos por ele colocados no mercado) e, em segundo lugar o Direito do Consumidor, por autorização da Constituição de 1988, acaba servindo de limitação à ordem econômica, visando a coibição de possíveis abusos.
A defesa do meio ambiente
Outro princípio resguardado pela Constituição de 1988 é a defesa do meio ambiente, posto ser uma preocupação constante no referido Texto Maior, como se depreende da leitura do mesmo. A Constituição visa a proteção do meio ambiente, para que se resguarde, em última análise a própria dignidade da pessoa humana, pois propicia melhores condições de vida a todos os seres humanos.
Celso Ribeiro Bastos lembra que foi a partir da Constituição
de 1988 que o meio ambiente passou a ser tratado como um princípio
constitucional, o que para ele pode ser explicado em face de uma maior
conscientização da humanidade para os problemas gerados pelo descaso com o meio
ambiente, sendo imperativo a utilização de forma racional do mesmo, já que a
humanidade necessita de um ambiente equilibrado e saudável para sua própria
sobrevivência. Assim:
A defesa do meio ambiente, é sem dúvida, um dos problemas mais
cruciais da época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados
da adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado
a uma gradativa deteriorização deste, a ponto de colocar em perigo a própria
sobrevivência do homem.
Além do estabelecido no Art. 170, a Constituição Federal
resguarda o meio ambiente em outros dispositivos, como é o caso do Art. 186,
que trata dos requisitos que devem ser cumpridos para que se considere que a
propriedade conseguiu atingir sua função social. Assim, a função social da
propriedade rural é cumprida quando se utiliza de forma adequada dos recursos
naturais disponíveis, preservando-se o meio ambiente.
A própria ordem econômica é limitada por alguns princípios,
dentre eles a defesa do meio ambiente. Assim, a própria Constituição Federal
limitou a atividade econômica, quando se tratar da defesa do meio ambiente,
entre outros casos. E, a proteção ao meio ambiente é tão importante que chega
até a ultrapassar o direito adquirido e a coisa julgada, como bem aponta Hugo
Nigro Mazzilli:
Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a
inexistência de direito adquirido de degradar a natureza. [...] Afinal, não se
pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio
não só das gerações atuais como futuras.
[...] Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação
de coisa julgada ou direito adquirido contra direitos fundamentais da
humanidade; não existe o suposto direito de violar o meio ambiente e destruir
as condições do próprio habitat do ser humano. Como admitir a formação de
direitos adquiridos e coisa julgada em grave detrimento até mesmo de gerações
que ainda nem nasceram?! .[...] Não se invocará direito adquirido para se
escusar de obrigações impostas por normas de ordem pública com o escopo de
proteger o meio ambiente”.
Além disso, o Art. 225 da Constituição Federal trata da responsabilidade do Poder Público (em qualquer instância), no tocante às práticas ambientais ilícitas e danosas, já que incumbe ao Poder Público assegurar que todos tenham a possibilidade de usufruir de um ambiente ecologicamente equilibrado, em face de ser de uso comum do povo, além de essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, imprescindível para a efetividade da dignidade da pessoa humana.
O art. 225 da Constituição Federal trouxe a responsabilidade
direta do Poder Público – federal, estadual e municipal – em relação às
práticas ambientais ilícitas e danosas, com evidente reforço legislativo à
normas de natureza infraconstitucional.
A responsabilidade civil constitucional de natureza objetiva
permite que qualquer pessoa física, jurídica ou mesmo sem personalidade
jurídica, tais como o espólio e a massa falida etc., seja acionada civilmente
para responder pelas ilicitudes e danos ambientais.
[...] A legitimidade passiva no processo coletivo ambiental
é aberta, ou seja, pertence a todos aqueles que contribuíram ativa e
passivamente para a pratica do dano ou ilícito ambiental, conforme o mandamento
do art. 225 da Constituição Federal.
A redução das desigualdades regionais e sociais
Também se constitui como um dos objetivos fundamentais,
eleito pela República Democrática do Brasil e, exteriorizado na Constituição
Federal, a redução das desigualdades regionais e sociais.
Este princípio reside na idéia de que o país como um todo, deve suportar as diferenças existentes entre os Estados Federados, já que os Estados do Norte e Nordeste em muito se diferem – especialmente economicamente – dos Estados do Sul e Sudeste, tudo isso em face da forma com que a colonização foi feita neste País e, que deixou de herança marcas culturais e sociais diversas, por todo o Território Nacional.
A inserção deste princípio, no Texto Constitucional, no título destinado à ordem econômica e financeira, deve ser visto como algo natural, já que a redução das desigualdades sociais e regionais constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, consoante previsto no Art. 3º, inciso III
Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra, todavia, que se deve
sopesar a utilização do referido princípio, para que não haja distorções, sendo
que:
É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não é um
fim em si mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma, tem ele de
ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou mesmo a toda
uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado somente beneficiará as
gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação de potência do
Estado.
Para, Erivaldo Moreira Barbosa, este princípio diz respeito,
também, ainda que de forma implícita, ao princípio do desenvolvimento
econômico[48], que deve ser atingido, para que se consiga concretizar a
dignidade da pessoa humana para todos os indivíduos, em cada canto deste imenso
País.
A busca do pleno emprego
Outro princípio abarcado pela ordem econômica é o da busca pelo pleno emprego. Todavia, a efetividade do inciso VIII, do Art. 170 da Constituição Federal, é bastante preocupante, já que o desemprego é um dos grandes males que assola um país continental, como é o Brasil:
O inciso VIII refere-se ao ‘pleno emprego’, que fora
insculpido no art. 170, mas, na concretude dos acontecimentos, vem sendo
considerado quase como uma utopia. Afirmamos isto por causa da crescente onda
de desemprego que vem assolando nosso País, em parte por questões relacionadas
à automação capitalista via robótica e informatização; em parte, por fatores
impostos pela nova ordem mundial e, em grande parte, por medidas internas de
uma política econômica inconsistente, que, ao invés de priorizar as reais
necessidades da sociedade, beneficia exclusivamente o grande capital
privatista.
Da mesma forma, Celso Ribeiro Bastos, aponta que a redação atual do Texto Constitucional é deveras utópica e, praticamente inatingível, diferentemente da Constituição anterior, que tratava do princípio da expansão das oportunidades de emprego produtivo. Além disso, trata-se de política de médio a longo prazo e, não efetivamente, para ser realizada a curto prazo.
É claro que é importante lembrar, como o faz Lafayete Josué Petter, que existe, no Texto Constitucional, a previsão de um direito ao desenvolvimento, sendo a pessoa humana o sujeito central desse direito, sendo, que, por esse motivo, não se poderá tomá-la como simples fator de produção. Pelo contrário, haverá a necessidade de se propiciar que o ser humano possa aferir frutos que possibilitem sua existência digna, que é a finalidade da própria ordem econômica e financeira, sendo responsabilidade do Estado a efetiva concretização do desenvolvimento.
O tratamento favorecido para as empresas brasileiras
de capital nacional de pequeno porte
O Art. 170 dispõe que haverá tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, visando, portanto, a igualdade estabelecida na própria Constituição (é claro que uma igualdade efetiva – material, portanto -, e não apenas uma igualdade formal), tratando de forma igualitária os iguais e diferentemente os desiguais, na medida de suas diferenças, visando, ao final, atingir a igualdade plena.
Para Lafayete Josué Petter, referido princípio se justifica, em decorrência da leitura de todo o Texto Constitucional, bem como dos valores e preceitos ali insculpidos, trazidos do seio da própria sociedade, bem como do ideal de igualdade e justiça.
A economia deixada a agir tão-somente segundo as livres forças do mercado, tende a situações monopolísticas e oligopolísticas: empresas de grande vulto controlam parcela significativa do mercado, impondo aos concorrentes a dura realidade através do poder econômico que representam. São naturais, então, as dificuldades de criação e desenvolvimento a que pequenas e micro ficam expostas. Neste sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a sobrevivência dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos na economia, o que invariavelmente se traduz em benefícios a consumidores e ao próprio mercado em face do estímulo da concorrência.
É claro que esse tratamento favorecido não deve ir além do necessário, para que não haja uma desvirtuação do pretendido, acabando por desigualar, sobrepondo as empresas de pequeno porte às demais empresas.
Em outras palavras, o favorecimento que a Constituição autoriza não pode ir além do equilíbrio determinado pelo princípio da igualdade, o que significa dizer que deverá ser respeitada a justa medida, indo tão-somente ao ponto necessário para compensar as fraquezas e as inferioridades que as microempresas e as de médio porte possam apresentar.
Veja-se que a Constituição Federal mais uma vez pretende obter a igualdade material, não se contentando com a formal, exigindo, para tanto, a observância efetiva de seus princípios e fundamentos.
Atingindo a dignidade da pessoa humana, poder-se-á conseguir a efetividade dos demais princípios e valores constitucionais, em face de ser um meta-princípio; o ápice; o vetor constitucional, fazendo com que todos os demais princípios decorram do mesmo.
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