Eis a resposta (e como você pode mudar isso)
No Brasil, segundo o Dieese, o salário-mínimo necessário à reprodução normal da força de trabalho seria de R$ 4.016,27. Contudo, 85% dos trabalhadores ganha menos ou muito menos do que isso. E por que isso acontece? Porque num país dependente como o Brasil, o normal para os trabalhadores é a superexploração da força de trabalho. E o que seria a tal superexploração da força de trabalho?
Simples: todo trabalhador, segundo as regras do sistema, deveria poder vender sua força de trabalho pelo preço necessário a sua própria reprodução normal, ou seja, o trabalhador poderia ser capaz de vender sua força de trabalho pelo mínimo necessário à sua própria sobrevivência biológica e social. O que uma pessoa numa determinada região do mundo precisa para ter uma vida normal, tanto biologicamente quanto socialmente? Precisa de celular? Está acostumado a comer que tipo de comida?
Precisa de qual tipo de atendimento médico? Precisa pagar pela educação? São essas perguntas que devem ser feitas para se descobrir o que um trabalhador sob condições normais precisa para reproduzir sua vida de forma normal. Infelizmente, no Brasil, isso não acontece. O trabalhador médio geralmente ganha muito menos do que precisa para sua vida diária. O que acontece no Brasil, para 80% da população, é a superexploração da força de trabalho exatamente porque não ganha o suficiente para reproduzir sua vida diária de maneira normal.
Para a chamada classe média tradicional – aquela que sai às ruas de cara pintada de verde e amarelo, mas queria mesmo é viver em Miami – isso é ótimo, pois pode contratar gente desesperada para fazer serviços que ela mesma nunca faria por um salário que ela mesma nunca aceitaria. Porque o sistema funciona assim: se você não aceita fazer um trabalho indigno por um salário mais indigno ainda, o chamam de vagabundo – e antes que os apologistas do “bom-mocismo” venham dizer que não existe trabalho indigno, gostaria de convidá-los a limpar a privada alheia por 700 reais mensais.
“O segundo pilar do Plano Real é a superexploração dos trabalhadores, agora devidamente ocultada pela ideologia da emergência da “nova classe média” e as “teorias” do “precariado”, entre outras. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República divulgou há poucas semanas a metodologia que terminou por criar uma poderosa classe média em nosso país. Agora, a classe média alta está definida pela renda per capita entre R$ 741 e R$ 1.019! Não é um luxo?” (OURIQUES, 2014)
Claro que quem se dá bem com isso é a parte do país que se encontra entre os 15% do andar de cima, pois podem desfrutar de serviços mais baratos por conta dos salários menores. Uma das causas da revolta da classe média com camiseta da CBF contra o governo anterior foi exatamente por conta do crescimento dos salários da “ralé”. Com salários maiores e mais direitos, os trabalhadores do andar de baixo pararam de aceitar qualquer serviço por qualquer valor. E isso irritou a classe média tradicional admiradora dos Estados Unidos – que disfarçam seu ódio ao pobre com conversa sobre “liberalismo” e combate à corrupção.
Mas mesmo no governo do PT, a maioria esmagadora da população continuou ganhando menos do que o necessário à sua reprodução normal. Por isso o programa Bolsa Família foi colocado em prática. Foi uma forma de melhorar a vida das pessoas mais pobres sem precisar exigir dos mais ricos uma melhora significativa dos salários. No entanto, o capitalismo nacional de qualquer região mais desenvolvida só funciona com bons salários, pois bons salários permitem um aumento do consumo o que estimula os investimentos em meios de produção, tornando assim as mercadorias mais baratas.
Salário Alto ⇒ Mais Consumo ⇒ Maiores Poderes de Capitalização pelas Empresas ⇒ Mais Investimentos em Máquinas e Tecnologia Produtiva ⇒ Mercadorias Mais Baratas.
Infelizmente, a elite brasileira está pouco se importando para o desenvolvimento do país. Se diz a defensora do capitalismo, mas não se interessa pelo estímulo ao funcionamento do capitalismo nacional. Na verdade, essa elite se opôs com todas as forças à industrialização e modernização do Brasil durante a República. Por essa razão, a modernização econômica teve de ser feita à força por Getúlio Vargas.
Lembremos. Quando a república brasileira foi proclamada, havia basicamente duas facções lutando entre si, tentando impor seu projeto de nação: as elites agrícolas, principalmente do Sudeste, defensoras do liberalismo econômico e da continuidade do Brasil como mero exportador de matérias-primas, principalmente o café. Essa elite fundiária liberal era basicamente um reflexo da elite fundiária liberal e escravista do Sul dos Estados Unidos, que perdeu a guerra civil em 1865. Basicamente, na história das Américas, o liberalismo econômico esteve associado à escravidão e ao atraso econômico. Sorte do EUA que esses liberais escravistas foram derrotados na guerra, pois, caso contrário, seria tão pobre quanto qualquer país latino-americano.
Havia, por outro lado, um projeto político defendido pelos positivistas cujo objetivo era a modernização econômica e social do Brasil. Esse projeto era defensor do protecionismo econômico e do estímulo do Estado à industrialização e à modernização da nação. Assim como as elites do Norte dos EUA que ganharam a guerra, esse projeto de modernização do Brasil desejava criar um mercado consumidor interno por meio da proteção da economia e da melhora do poder de consumo dos trabalhadores. O projeto desse grupo nacionalista inimigo dos latifundiários liberais era o de construir um governo centralizado, o qual pudesse estimular a modernização econômica, a alfabetização das massas populares, reformas sociais e proteção aos trabalhadores. O Estado deveria ser o estimulador do nacionalismo e servir como mediador dos conflitos sociais, protegendo as indústrias e os trabalhadores, mas também combatendo os “subversivos”.
Havia também um terceiro grupo, o grupo radical, que defendia reformas sociais ainda mais profundas do que os protecionistas, como grande distribuição de renda e forte engajamento das massas na vida política. Porém, esse grupo não tinha forças dentro do cenário político da República Velha.
Então, basicamente, tínhamos dois projetos de Brasil em disputa:
1) aquele que defendia liberalismo econômico e a continuidade do Brasil como mero exportador de matérias-primas, herdeiro do escravismo e representado principalmente pelos paulistas;
2) aquele que defendia um papel ativo do Estado na modernização econômica da nação, com estímulo à indústria e proteção aos trabalhadores.
Ao contrário dos EUA, onde o projeto desenvolvimentista foi o vitorioso, no Brasil o projeto dos paulistas liberais e defensores do latifúndio e do atraso econômico foi o que dominou a vida nacional até a subida de Vargas ao poder. Contudo, Vargas não fez a reforma mais importante para criar um mercado consumidor interno forte: a reforma agrária. Com a guerra civil de 1932, em que os paulistas liberais e defensores do atraso econômico se revoltaram contra a perda do poder político, Vargas foi obrigado a ceder aos revoltosos e não fazer a reforma agrária. Quer dizer, ao contrário de outro modernizador econômico, Abraham Lincoln, Vargas não ousou se opor aos latifundiários defensores do atraso e do liberalismo econômico, representados à época pela UDN e hoje principalmente representados pelos partidos DEM (antigo PFL, o qual sucedeu a Arena) e NOVO (o qual, pelo que vimos, de “novo” só tem o nome).
Apesar dos esforços de Vargas, com a abertura econômica promovida por Collor e o projeto Real de FHC, o Brasil novamente se encaminha a se tornar um mero exportador de matérias-primas e produtos processados de baixo valor. E, como todos sabemos, o capitalismo funciona por meio da concorrência. Entretanto, as indústrias brasileiras nunca conseguiram atingir um nível técnico necessário à competição contra as fortes economias dos EUA, Japão e Alemanha.
Ao abrir o mercado na década de 90, Collor condenou a indústria nacional. Dessa forma, condenou toda uma cadeia produtiva, a qual gerava empregos, melhores salários e estimulava a criação de serviços mais complexos. Segundo a FIESP, tanto a produção de manufaturados quanto a produtividade da indústria de transformação brasileira, caíram pela metade desde a década de 90. O Brasil, que já teve 22% do seu PIB oriundo da indústria de transformação (a que vale) hoje tem menos de 10% do PIB oriundo dessa indústria.
Outro golpe fatal à indústria nacional veio com o Plano Real. Ao artificialmente tornar o Real tão valioso quanto o Dólar, FHC destruiu ainda mais as indústrias do Brasil. Mas por que artificialmente? Porque país com fraca produtividade industrial não pode ter moeda forte, simples. Ao contrário do que neoclássicos pensam, o dinheiro não é apenas um instrumento neutro para facilitar as trocas. O dinheiro tem de representar produtividade real, poder de produção de mercadorias real. E por que isso? Porque o dinheiro é uma dívida e esta só pode ser paga com criação de valor, a qual vem da produção de mercadorias. Por isso as três únicas moedas conversíveis do mundo são as moedas das três potências industriais de alta produção de valor agregado: EUA – Dólar, Japão – Yene, Alemanha – Euro.
“O terceiro pilar do Plano Real é o reforço do país numa posição adversa na divisão internacional do trabalho, ou seja, como mero exportador de produtos agrícolas e minerais.
Esse processo aparece sob a forma de uma denúncia genérica contra a “desindustrialização”, cuja solução poderia ser – como indicam os tucanos – a redução ainda mais radical dos custos industriais via abertura industrial mais profunda destinada a importar peças, máquinas e equipamentos de países como a China.
O governo descarta o nacionalismo econômico (política industrial) na pretensão de que com renúncia fiscal destinada a manter o consumo de geladeiras ou carros fosse possível constituir um projeto nacional e manter o pacto entre o capital transnacional e as frações perdedoras do agonizante capital nacional.” (Ouriques, 2014)
País industrialmente fraco que tenta usar moeda forte não se dá muito bem. Por exemplo, a utilização do Euro aumentou o poder de consumo de espanhóis e portugueses. Mas ao mesmo tempo fez o que o Real fez ao Brasil: aumentou o endividamento desses países. Com moeda forte, espanhóis e portugueses priorizaram as importações, principalmente da Alemanha, o que foi fatal para sua produtividade industrial. Ao priorizar as importações, um país precisa criar valor para pagar essas importações, e como fazer isso se sua indústria é fraca? Se endividando, pegando crédito de banqueiro privado. Hoje a posição de investimento internacional [créditos externos] – [dívidas externas] da Espanha é de 95% negativos. A de Portugal é de 111% negativos. Já a da Alemanha é de 40% positivos, da Suíça 120% positivos, da Holanda 65% positivos e a do Japão 75% positivos. A exceção entre os países de alta produtividade, por conta de diversos fatores, como gastos militares e diminuição considerável da proporção da indústria transformadora no PIB, são os EUA, com 40% negativos.
E por que isso? Porque são países com alta produtividade industrial, a qual permite a utilização de moeda forte. Por isso o Sul da Europa se deteriorou com o Euro (a Itália, por exemplo, perdeu 5% de sua produtividade dos fatores desde o começo dos anos 2000 enquanto a Alemanha viu sua produtividade crescer 10%), enquanto o Norte da Europa se fortaleceu. Dinheiro forte só com alta produtividade industrial, alta produtividade na produção de mercadorias, pois a dívida representada pela moeda deve estar lastreada em produção de mercadorias. País sem isso não pode se meter a usar moeda forte. A única salvação do Sul da Europa é se separar do Norte e criar uma moeda única que represente sua fraqueza industrial.
“O Plano Real, o pacto de classe que paralisa o Brasil, sustenta-se sobre três pilares. O primeiro deles – tanto na fase da estabilização (FHC) quanto na do suposto crescimento (Lula/Dilma) – é o gigantismo do endividamento estatal (interno e externo).
Em junho de 1994, a dívida interna não superava R$ 64 bilhões e FHC concluiu seu segundo governo com R$ 700 bilhões. Lula não ficou atrás: após oito anos, a dívida interna alcançou R$ 1,5 trilhão e Dilma tampouco vacilou em superar os R$ 3 trilhões.
Na mesma direção, o endividamento privado externo voltou a crescer e contribui de maneira direta para manter o automatismo da dívida segundo o qual quanto mais o país “paga”, mais a dívida cresce! A consequência necessária dessa opção é que em nenhum ano o Estado brasileiro destinou menos de 44% do orçamento para o pagamento dos juros e dividendos da dívida.
O superendividamento estatal trouxe duas consequências nefastas: por um lado, inibiu severamente a taxa de investimento estatal, variável indispensável para impulsionar o investimento privado que a política desenvolvimentista requer e, por outro, naturalizou o princípio neoliberal de austeridade fiscal, permitindo somente em termos marginais programas sociais consistentes e a melhoria da infraestrutura que os neoliberais exigem.” (OURIQUES, 2014)
Para a elite e para a classe média alta, que representam apenas 15% da população, não importa se o Brasil seja mero exportador de matérias-primas e produtos processados de baixo valor. Eles possuem negócios e boa formação para poderem usufruir de uma riqueza criada num país subdesenvolvido, o atraso do Brasil não os prejudica, pelo contrário, esse atraso garante seus privilégios. Eles podem, por seu poder de consumo, continuar comprando importados de alto valor. Quem se dá mal com o liberalismo econômico não é a classe média alta, é o pobre.
O Brasil é negativo em mais de 120 bilhões no que diz respeito ao comércio de manufaturados. E com a Lava Jato, que é mais um ataque ao que sobrou da indústria nacional, do que um real combate à corrupção, a situação vai piorar. Mas piorar para os pobres, para a massa brasileira, e não para quem sempre pôde viver como se estivesse na Dinamarca.
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