O texto é sobre a inviolabilidade do direito à liberdade,
expressa no art. 5º da Constituição Federal brasileira de 1988. O “caput” do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, afirma que todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza; garante-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
A liberdade é considerada pela doutrina um direito de
primeira geração. As gerações ou dimensões são processos evolutivos das
conquistas dos direitos do homem. De acordo com o lema revolucionário do século
XVIII, consoante os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade: primeira
geração, segunda geração e terceira geração, respectivamente. A distinção foi
estabelecida com o propósito de situar os diferentes momentos em que esses
grupos de direitos surgem como reivindicações acolhidas pela ordem jurídica.
Todavia, falar em sucessão de gerações não significa dizer que os direitos
previstos num momento tenham sido suplantados pelos surgidos no instante
seguinte; os direitos de cada geração permanecem válidos juntamente com os
direitos da nova geração. Assim, um antigo direito pode ter seu sentido
adaptado às novidades constitucionais.
Os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos)
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais e realçam o princípio
da liberdade. Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e
culturais) se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas e
acentuam o princípio da igualdade. Os direitos de terceira geração materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações
sociais e consagram o princípio da solidariedade.
A primeira geração busca a efetivação da liberdade, sem
amarras estatais, para que o indivíduo pudesse percorrer sua trajetória sem
qualquer intervenção por parte do Estado. Essa fase pleiteia uma abstenção do
Estado nas relações intersubjetivas privadas, com intuito de proteger o
indivíduo dos ataques do Estado, a sua essência (integridade física e psíquica)
e a sua propriedade. São os direitos da liberdade, os direitos civis e
políticos.
Os direitos de primeira geração têm por titular o indivíduo,
são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e
ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são
direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. O paradigma de titular
desses direitos de primeira geração é o homem individualmente considerado.
Refere-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à
inviolabilidade de domicílio, à liberdade de culto e de reunião.
A princípio, é o Poder Público o destinatário precípuo das
obrigações decorrentes dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais
possuem feição objetiva, que não somente obriga o Estado a respeitar os
direitos fundamentais, mas que também o obriga a fazê-los respeitados pelos
próprios indivíduos, nas suas relações entre si. A incidência das normas de
direitos fundamentais no âmbito das relações privadas passou a ser conhecida
como a “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”.
A liberdade, direito humano fundamental de primeira geração,
é algo basilar ao homem e aos Estados Democráticos. Sua existência é baseada na
capacidade de pensamento do ser humano bem como na sua autonomia.
O texto trata da liberdade de crença, constitucionalmente
assegurada, e o enfoque é o ensino religioso nas escolas públicas. A pergunta
que se pretende responder é se o ensino religioso como disciplina nas escolas
fere a liberdade religiosa do indivíduo.
A LIBERDADE E A LIBERDADE DE CRENÇA NO TEXTO CONSTITUCIONAL
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, além de conter
a previsão da liberdade de ação, que é a base das demais, confere fundamento
jurídico às liberdades individuais e coletivas e correlaciona liberdade e
legalidade. Liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis não proíbem. Pelo
principio da legalidade fica certo que qualquer comando jurídico impondo
comportamentos forçados há de provir de uma das espécies normativas devidamente
elaboradas conforme as regras do processo legislativo constitucional.
A liberdade torna possível que a consciência do indivíduo
possa ser exteriorizada através da liberdade de pensamento. A liberdade de
consciência é de foro íntimo, interessando apenas ao indivíduo. Por sua própria
natureza, é de caráter indevassável e absoluto e não está sujeita a qualquer
forma de controle pelo Estado. A consciência, em si, é absolutamente livre. O
pensamento pertence ao próprio indivíduo, é uma questão de foro íntimo.
A liberdade de consciência pode ser entendida como
subdividida em duas outras liberdades: a liberdade de consciência em sentido
estrio e a liberdade de crença.
A liberdade de consciência em sentido estrito é a liberdade
de pensamento de foro íntimo em questões não religiosas, trata-se de convicções
de ordem ideológica ou filosófica. A liberdade de crença é a liberdade de
pensamento de foro íntimo em questões de natureza religiosa (CF, art. 5º, VI).
A liberdade de pensamento, consagrada na primeira geração
dos direitos fundamentais, possibilitou a exteriorização da crença religiosa
dos indivíduos. Houve um tempo em que os brasileiros eram proibidos de
exteriorizar o seu pensar e mais ainda de divulgar a sua fé. A liberdade de
crença iniciou seu caminho no Brasil com a separação da Igreja do Estado, com a
Proclamação da República. A separação político-religiosa, conjugada com
neutralidade religiosa adotada pelo Estado brasileiro, possibilitou a criação
de mecanismos constitucionais capazes de permitir o exercício da liberdade de
crença.
Após anos de censura política e ideológica durante o regime
militar instaurado em 1964, o constituinte de 1988, com a redemocratização do
País, evidenciou sua preocupação em assegurar ampla liberdade de manifestação
de pensamento, o que fez em diversos dispositivos constitucionais. O art. 5º, IV,
estabelece que "é livre a manifestação do pensamento". O inciso IX
desse mesmo artigo reitera, de forma mais específica, que "é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença".
Saliente-se que a liberdade de crença inclui o direito de
professar ou não uma religião, de acreditar ou não na existência de um ou
diversos deuses. O próprio ateísmo deve ser assegurado dentro da liberdade de
crença, ou seja, tal liberdade inclui o direito de professar ou não uma
religião, de acreditar ou não na existência de um ou diversos deuses.
A liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de
crença. Se a Constituição assegura ampla liberdade de crença, a de culto deve
ser exteriorizada "na forma da lei", como estabelece o art. 5º, VI,
da Constituição. A liberdade de culto inclui o direito de honrar as divindades
preferidas, celebrar as cerimonias exigidas pelos rituais, a construção de
templos e o direito de recolher contribuições dos fiéis. Estão tuteladas as
liberdades de cultos, bem como os templos, os cultos podem ser realizados
formalmente, dentro dos templos, como em locais informais (fora dos templos).
Segundo o artigo 19 da Constituição federal de 1988, a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem estabelecer
cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Todavia, a liberdade de crença poderá ser restringida se ela
causar danos à ordem pública. Exemplificando, se uma seita religiosa pregar o
terrorismo, seus membros que o cometerem serão sancionados, pois o terrorismo é
ilícito, conforme determina o artigo 4º, inciso VIII, da Magna Carta.
A lei infra-constitucional também protege os cultos e pune
as perturbações ligadas a eles, conforme o artigo 208 do Código Penal vigente.
A conduta passível de punição é escarnecer de alguém publicamente, por motivo
de crença ou função religiosa e/ou impedir ou perturbar cerimônia ou pratica de
culto religioso. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço,
sem prejuízo da correspondente à violência.
Existem diversas decorrências da ampla liberdade religiosa
asseguradas no Texto Constitucional: direito de assistência religiosa, objeção
de consciência, ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino
fundamental (art. 210, § 1º) e reconhecimento da validade do casamento
religioso para efeitos civis (art. 226, § 22).
O artigo 210, parágrafo 1º da Constituição Federal prevê que
ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental. A pergunta que se pretende
aqui tentar responder é: A disciplina ensino religioso poderia influenciar
diretamente na formação religiosa de cada aluno, de cada pessoa, não estando em
conformidade com os princípios legais constitucionais relativos à liberdade de
crença?
Acreditamos que não, se respeitadas as orientações basilares
da natureza da disciplina postas pelo Ministério da Educação. Não se tem como
objetivo da disciplina a formação religiosa, mas a apresentação da diversidade
do espírito religioso. Não se abre mão do caráter laico das escolas e da
promoção da diversidades.
O PLANO NACIONAL DA EDUCAÇÃO E O CARÁTER LAICO DAS ESCOLAS
PÚBLICAS
O texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de
dezembro de 1996, definia:
"O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com
as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno
ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos
preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as
diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do
respectivo programa."
Em julho de 1997, passou a vigorar uma nova redação do
artigo 33 da LDB 9394/96 (a lei n.º 9.475):
"O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos
para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas
para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil,
constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos
conteúdos do ensino religioso."
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 214, dispõe
que a lei estabelecerá o Plano Nacional da Educação, de duração plurianual,
visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis. O
Plano Nacional de Educação define as diretrizes para a gestão e o financiamento
da educação, as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino e as
diretrizes e metas para a formação e valorização do magistério e demais
profissionais da educação, para um período de dez anos.
O PNE é a legislação mais abrangente na história da educação
brasileira, ele traz diferenças marcantes em relação a outras leis, pois
detalha políticas para a educação em todos os níveis, firma compromisso e
estabelece prioridades para a nossa educação.
O primeiro Plano Nacional de Educação, produzido no fim do
segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi aprovado pelo
Poder Legislativo em janeiro de 2001 e estabeleceu diretrizes e metas para um
período de dez anos, a contar da data da publicação da lei, com base em
diagnóstico do ano de 1997. O Plano Nacional de Educação chegou ao fim e o
Executivo federal apresentou nova proposta para os próximos dez anos.
O projeto
apresentado é fruto de debates, estudos e pesquisas que vem ocorrendo desde
2008. Com a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), no período
de 28 de março a 1º de abril de 2010, o Ministério da Educação cumpriu o
compromisso institucional de sua organização, assumido, em 2008, durante a
Conferência Nacional de Educação Básica.
A parceria que se estabeleceu entre os sistemas de ensino,
os órgãos educacionais, o Congresso Nacional e a sociedade civil constituiu
fator determinante para a mobilização de amplos setores que acorreram às
conferências municipais ou intermunicipais, realizadas no primeiro semestre de
2009, e conferências estaduais e do Distrito Federal, no segundo semestre de
2009, além da organização de vários espaços de debate, com as entidades parceiras,
escolas, universidades, e em programas transmitidos por rádio, televisão e
internet, sobre o tema central da conferência – Conae: Construindo o Sistema
Nacional Articulado: O Plano Nacional de
Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação.
O resultado do processo de mobilização e debate sobre a
educação brasileira está consolidado no “Documento Final” que apresenta
diretrizes, metas e ações para a política nacional de educação, na perspectiva
da inclusão, igualdade e diversidade, o que se constitui como marco histórico
para a educação brasileira na contemporaneidade. O “Documento Final” resultou
de um processo de construção coletiva, desencadeado pela decisão política de
submeter ao debate social as idéias e proposições em torno da construção do
Sistema Nacional de Educação, que assegurasse a articulação entre os entes
federados e os setores da sociedade civil.
O que é interessante no “Documento Final” do Conae é, no que
toca ao nosso tema, principalmente, o Eixo VI que trata da Justiça Social,
Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e Igualdade. No contexto de um
sistema nacional de educação e no campo das políticas educacionais, as questões
que envolvem a justiça social, a educação e o trabalho e que tenham como eixo a
inclusão, a diversidade e a igualdade permeiam todo o processo. Embora se possa
reconhecer a especificidade de cada um dos conceitos envolvidos no tema do
eixo, não há como negar, especialmente, o papel estruturante do racismo na
produção das desigualdades. Além disso, na prática social, todas essas
dimensões se realizam no contexto das relações de poder, das redefinições do
capitalismo e das lutas sociais.
Centrado nas demandas da Conferência Nacional de Educação
(Conae) do ano passado, o Ministério da Educação (MEC) preparou um projeto de
plano que começa agora, em 2011, a ser debatido pelo Congresso, aguardando a
aprovação dos parlamentares. Sucinto, o documento tem 20 metas, a grande
maioria quantificável por estatísticas. Foram estabelecidas punições para quem
não cumprir as metas. O instrumento para essa tarefa, o conceito de
responsabilidade educacional, também está em discussão no Congresso.
Das quase 3 mil emendas que o projeto de lei do novo Plano
Nacional de Educação (PNE) recebeu na Câmara, a proposta para incluir uma
determinação que reforce o caráter laico das escolas públicas e a promoção da
diversidades foi apresentada 17 vezes. É a proposta mais repetida ao lado do
aumento do ensino profissionalizante na rede federal e do aumento do
financiamento a partir do estabelecimento de um valor mínimo a ser investido
por aluno.
A DISCIPLINA ENSINO RELIGIOSO
De acordo com as orientações do Ministério da Educação,
pretende-se que as questões ligadas à justiça social, ao trabalho e à
diversidade estejam presentes nas diversas instituições educativas e em todos
os níveis e modalidades de educação. Todavia, em uma sociedade marcada por
profundas desigualdades, a garantia de uma educação pautada na justiça social,
que considere o mundo do trabalho para além da teoria do capital humano e que
reconheça e dialogue com a diversidade ampliando a noção de inclusão e igualdade
social, constitui um desafio.
Atualmente as
questões de reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão
são colocadas na agenda social e política, na mídia, na esfera jurídica e,
também, na política educacional. Tais questões sempre fizeram parte do desenvolvimento da própria
educação brasileira, entretanto, nem sempre elas foram reconhecidas pelo poder
público como merecedoras de políticas, compreendidas como direito, ao qual se
devem respostas públicas e democráticas.
Ao contrário das demais disciplinas que são previstas em lei
específica (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei Nº 9394/96), o
Ensino Religioso é matéria constitucional (art. 210 § 1º da Constituição
Federal).
A existência da disciplina “Ensino Religioso” no currículo
da escola fundamental brasileira, a primeira vista, pode parecer contradição,
quando se considera que o Brasil é um Estado laico.
O princípio da laicidade é, ao mesmo tempo, o de afastamento
da religião do domínio do Estado, e do respeito ao direito de cada cidadão de
ter ou não ter uma convicção religiosa e de professá-la dentro dos limites da
Lei. O princípio baseia-se na igualdade na diversidade, no respeito às
particularidades e na exclusão dos antagonismos. Pretende-se o igual respeito e
tolerância ao outro, suas crenças e práticas e, ainda, o respeito àqueles que
não professam nenhuma religião. Muito mais do que a recusa do controle
religioso sobre a vida pública, o que a laicidade implica, é o reconhecimento
do pluralismo religioso, a possibilidade do indivíduo viver sem religião e a
neutralidade do Estado. A laicidade garante aos cidadãos que nenhuma religião
poderá cercear os direitos do Estado ou apropriar-se dele para seus interesses.
Assim, a laicidade não exclui as religiões e suas
manifestações públicas, nem o ensino religioso, muito menos interferir nas
convicções pessoais daqueles que optam por não professar nenhuma religião.
Podemos apontar três princípios contidos no princípio da
laicidade: a neutralidade do estado, a liberdade religiosa e o respeito ao
pluralismo. A neutralidade face a todas as crenças ou opiniões diz respeito à
igualdade de tratamento que deve ser dada aos cidadãos: todos devem ser iguais
perante a lei, no que concerne aos direitos e deveres. É o princípio também que
deverá garantir que o Ensino Religioso ministrado nas escolas públicas não se
detenha na formação religiosa específica para uma ou outra religião; que as
práticas de cada religião sejam apresentados, descritos, de forma objetiva e
com igual destaque, por professores realmente habilitados nesta área do
conhecimento.
A laicidade garante o caráter não obrigatório da religião.
Pressupõe a neutralidade confessional do Estado e das instituições. As
diferenças não são negadas, mas respeitadas.
Na escola laica, os alunos de todas as confissões
religiosas, assim como os ateus, devem ser admitidos indistintamente e
igualmente respeitados na sua condição de indivíduos em formação.
As aulas de ensino religioso não podem ser aulas de
catequese ou de classe de catecúmenos. As instituições religiosas têm seus
programas de Educação religiosa que visam suas doutrinas aos seus fiéis,
portanto a prática do ensino religioso nas escolas precisa de uma definição bem
clara de seus objetivos, antes mesmo da elaboração de seu currículo. A
elaboração de um currículo depende em muito da realidade vivencial (contexto)
em que está sendo elaborado. Quando se pensa em ensino religioso pode-se seguir
a linha da história das religiões, das doutrinas religiosas, da teologia
cristã, da ética e cidadania, etc.
Nenhum representante de comunhão religiosa deve ter acesso à
escola e nem exercer sobre ela nenhuma autoridade. Isso não significa uma
interdição ao exercício dos cultos ou o não reconhecimento à autoridade neles
investida, mas apenas que não cabe aos representantes religiosos utilizar a
escola como local de pregação religiosa. A eventual concessão do espaço escolar
a um representante de confissão religiosa obrigaria a escola a concedê-lo a
todas as outras que assim solicitarem. A laicidade inclui, portanto, o
reconhecimento e o respeito aos espaços próprios de cada domínio, escolar e
religioso.
A Lei afirma que o Ensino Religioso será facultativo. Ser
facultativo é não ser obrigatório, não ser um dever. O caráter facultativo é
salvaguarda para não ofender o princípio da laicidade. Augusto Cury explica:
“Ora, para que o caráter facultativo seja efetivo e a
possibilidade de escolha se exerça como tal, é necessário que, dentro de um
espaço regrado como o é o das instituições escolares, haja a oportunidade de
opção entre o ensino religioso e outra atividade pedagógica igualmente
significativa para tantos quantos que não fizerem a escolha pelo primeiro. Não
se configura como opção a inatividade, a dispensa ou as situações de
apartamento em locais que gerem constrangimento. Ora, essa(s) atividade(s)
pedagógica(s) alternativa(s), constante(s) do projeto pedagógico do
estabelecimento escolar, igualmente ao ensino religioso, deverão merecer, da
parte da escola para os pais ou alunos, a devida comunicação, a fim de que
estes possam manifestar sua vontade perante uma das alternativas. Este
exercício de escolha, então, será um momento importante para a família e os
alunos exercerem conscientemente a dimensão da liberdade como elemento
constituinte da cidadania” (CURY, 1993, p. 20).
Muito se fala e escreve no meio acadêmico sobre as práticas
reflexivas, sobre o respeito à bagagem que o aluno traz de fora da escola e a
construção de novos aportes a partir dessa bagagem. A Escola, ao respeitar a
liberdade de crença, com base no princípio da neutralidade, respeita a
individualidade do seu aluno e as convicções de suas famílias.
A Escola, ao conceder seu espaço para o ensino religioso, ao
dar o mesmo espaço no ambiente escolar ao conhecimento de cada religião, ensina
o princípio da tolerância para a diferença e o exercita.
O essencial é que o Ensino Religioso deve ser pensado como
área do conhecimento, a partir da escola, como disciplina curricular, e não a
partir das crenças ou religiões individuais; tendo como objeto de estudo o
fenômeno religioso na sua diversidade, nas suas diferentes manifestações.
Portanto, a disciplina Ensino Religioso, como campo
científico, deve pautar-se pela análise, pelo estudo crítico, objetivo,
criterioso e consciente dos fatos religiosos.
CONCLUSÕES
Após anos de censura política e ideológica durante o regime
militar instaurado em 1964, o constituinte de 1988, com a redemocratização do
País, evidenciou sua preocupação em assegurar ampla liberdade de manifestação
de pensamento, o que fez em diversos dispositivos constitucionais. O art. 5º,
IV, estabelece que "é livre a manifestação do pensamento". O mesmo
artigo 5º, em seu inciso VI, estabelece que a liberdade de crença é a liberdade
de pensamento de foro íntimo em questões de natureza religiosa.
A liberdade de crença inclui o direito de professar ou não
uma religião, de acreditar ou não na existência de um ou diversos deuses. A
liberdade de culto é a exteriorização da liberdade de crença. Segundo o artigo
19 da Constituição federal de 1988, a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios não podem estabelecer cultos religiosos ou igrejas,
subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei,
a colaboração de interesse público.
Existem diversas decorrências da ampla liberdade religiosa
asseguradas no Texto Constitucional, um deles é o ensino religioso facultativo
nas escolas públicas de ensino fundamental. O artigo 210, parágrafo 1º da
Constituição Federal prevê que ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental.
A pergunta que se pretendeu aqui tentar responder foi: A
disciplina ensino religioso poderia influenciar diretamente na formação religiosa
de cada aluno, de cada pessoa, não estando em conformidade com os princípios
legais constitucionais relativos à liberdade de crença?
Acreditamos que não, se respeitadas as orientações basilares
da natureza da disciplina postas pelo Ministério da Educação.
A existência da disciplina “Ensino Religioso” no currículo
da escola fundamental brasileira, a primeira vista, pode parecer contradição,
quando se considera que o Brasil é um Estado laico.
Um Estado laico não quer dizer um Estado que não aceita a
religião. O princípio da laicidade é o de afastamento da religião do domínio do
Estado, e do respeito ao direito de cada cidadão de ter ou não ter uma
convicção religiosa e de professá-la dentro dos limites da Lei. O princípio
baseia-se na igualdade na diversidade, no respeito às particularidades e na
exclusão dos antagonismos. A laicidade não exclui as religiões e suas
manifestações públicas, nem o ensino religioso, muito menos interfe nas
convicções pessoais daqueles que optam por não professar nenhuma religião.
Não se tem como objetivo da disciplina uma formação
religiosa específica, mas a apresentação da diversidade do espírito religioso,
a formação cidadã, que respeita as diferenças. Não se abre mão do caráter laico
das escolas e da promoção das diversidades.
A Escola, ao respeitar e fazer respeitar a liberdade de
crença, com base no princípio da neutralidade, respeita, consequentemente, a
individualidade do seu aluno e as convicções de suas famílias. Ao trazer para
seus espaços as diversas manifestações de cada religião, ensina o princípio da
tolerância e o exercita na rotina escolar e na sala de aula.
A tolerância para com os que manifestam crenças diferentes,
o respeito às liberdades individuais e de convivência pacífica entre as
diversas manifestações religiosas que compõem a diversidade étnica e cultural
da nação brasileira, deve pautar a formação necessária para a vida em sociedade
e a Escola tem papel fundamental nesse processo de formação do cidadão.
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