"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 17 de julho de 2008

O Plano de Metas



por: Paulo Rabello de Castro

Todo povo precisa de sonho. Sonhar é como redecorar a realidade com as cores do desejo. Sonhar é projetar-se, abrir janelas em paredes, aguardar o degelo da primavera. O sonho é a piracema da obra, da realização. País sem projeto e povo sem sonho não existem. Mas o novo governo está testando uma nova abordagem política: a administração sem objetivos, a liderança sem sonho, o país sem crescimento.


O sonho do Brasil sempre foi crescer. O país sonha acordado com o crescimento: o povão sonha com a oferta de empregos. O pequeno empresário, o autônomo, com o aumento das vendas. O grande industrial, o agricultor, com a expansão dos mercados.


Apenas uma ínfima minoria sonha com a manutenção do juro alto, que engorda suas aplicações financeiras e arrasa com o sonho de todos os outros milhões e milhões de compatriotas. Mas o governo confunde sombras com sonho. Para acalentar o sonho, nas sombras se deve trabalhar para alimentá-lo. Nas sombras se opera a realidade para chegar ao país imaginado.


JK imaginou seu Plano de Metas como "50 anos em 5". Que genial sacada do marketing arcaico e intuitivo! Para isso, o projeto de construir Brasília. Mas não só isso: construir estradas para chegar lá. Automóveis e caminhões para trafegar nelas. Gente treinada para tocar as novas indústrias. Financiamentos. Projetos. Cálculos estruturais.


Bem entendido: nas sombras do sonho se trabalhou muito. Havia, por exemplo, o Geia (Grupo Executivo da Indústria Automobilística), tocado por um grande homem, Sydney Latini (quem se lembra disso?), que quebrou todos os tabus anti-Brasil e removeu todos os imensos obstáculos para chegar perto do sonho do carro brasileiro. Conseguiu. E assim também Lucio Costa, Niemeyer e outros tantos, todos oficiais ou serventes da construção de um grande sonho.


Condição básica e inicial: sonhar para valer.

Mas mudou a política em 64. Tempos de ferro. Gente carrancuda. Homens de negro. Porém -quem diria-, por trás da carranca, o mesmo sonho, que trazia mais crescimento, com ainda mais ímpeto, menos bagunça inflacionária e orçamentária, com mais ordem. Daí surgiram algumas grandes reformas, que modernizaram a estrutura do Estado e o seu funcionamento, como a lei do mercado de capitais, a lei financeira (4.595), o Código Tributário, o BNH, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, a correção monetária, a dívida pública, o Banco Central e assim por diante.


Imensas ferramentas, operadoras de um sonho, embora castrense e castrador, no plano político que se tentava opor a outro sonho, de outros grandes brasileiros, que, há exatos 40 anos, pediam, com paixão e calor, as "reformas de base" no célebre comício da Central do Brasil. Quem não se lembra daquele outro sonho, embora, para muitos, tornado pesadelo?

Sonhar é preciso, mesmo contra a maré, mesmo no sacrifício dos interesses mesquinhos, de nossas necessidades do dia-a-dia.


Mal ou bem, sonharam Juscelino e Lacerda, grandes líderes civis, sonharam Jango e Brizola, sonharam Castelo, Golbery e Juarez, como sonharam Prestes e Apolônio, acho até que Garrastazu sonhou.


Esses sonhadores empregaram homens que operaram fábricas de sonhos, nas sombras, como Campos, Bulhões e Beltrão, Lucas Lopes e Celso Furtado, Delfim e Simonsen, e muitos outros menos evidenciados.


Onde está essa gente hoje? O que vemos é o nosso presidente sendo tangido a oferecer a uma platéia dos supostos operadores do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, sua fábrica oficial de sonhos, um pensamento de austeridade sem rumo, dizendo que o seu plano de metas são as metas inflacionárias. Nunca a confusão entre sombras e sonho foi tão grande. Inflação não é, nem nunca foi, meta política. País nenhum trabalha em função de meta inflacionária. Inflação baixa não é sonho, é ferramenta ou instrumento, sendo que, às vezes -como no caso JK-, abandonou-se parcialmente aquela ferramenta para financiar e atingir o sonho.


Aqui não se trata disso. O equívoco é maior. Juscelino sacrificou o combate à inflação para alcançar seu Plano de Metas. No Brasil sem projeto, a inflação zero se tornou a meta. Enquanto isso, o Brasil sonhador que meta sua viola no saco, porque o seu líder parece confundir credibilidade com conformismo. Nenhuma credibilidade será alcançada ou aprimorada só porque o Brasil repete as fórmulas monetárias da moda. Cada país precisa pensar sua realidade, sua moeda, seu padrão monetário-fiscal em função dos seus grandes objetivos: crescer, progredir, avançar.


FHC não conseguiu avançar muito na meta de crescimento. Aliás, nunca houve meta de crescer no seu período. Portanto uma revisão da ferramenta das tais "metas inflacionárias" se impõe. Mas, em benefício de uma suposta credibilidade, o novo governo enveredou na mera repetição do passado recente. O resultado da cópia tem sido pior do que o original.


A equivocada aplicação de conceitos supostamente ortodoxos na política monetária está gerando resultados heterodoxos. A credibilidade do presidente está, sim, na força de sua personalidade, na legitimidade dos votos que o puseram lá e na força do seu sonho pessoal, capaz de empurrar o país para crescer, crescer e crescer. Essa deveria ser a preocupação e a obsessão dos seus colaboradores, num esforço diário de usar todo ferramental disponível para desobstruir a realidade que empaca a produção e destrói o sonho.


Mas não. Ensinam ao presidente que sonhar é feio, que sonhar é perigoso. Bom mesmo seria conseguir crescer com juro alto e com as imensas transferências de renda dos que não têm para os que já têm bastante. Infelizmente, essa fórmula de conciliação com a falsa ortodoxia não existe. Para crescer, e sustentadamente, só adianta fazer a coisa certa. E isso exige criatividade, coragem e, sobretudo, ponto de chegada, objetivo, sonho. Um plano de metas, para pensar, anunciar e fazer-se cumprir.

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